Pelo que tudo indica, caminha em direção às ilhas o furacão Gabrielle. Não como entidade meteorológica respeitável, mas como um tasqueiro cambaleante a caminho de casa, tropeçando entre os bancos do café, entornando copos e molhando tudo e todos na sua passagem, pelos vistos a ficar cada vez mais embriagado, e ainda por cima furioso porque o Benfica perdeu.
Vivemos num mundo saturado de “entendidos” que opinam sobre tudo relevante como se fossem savants iluminados pela luz divina do telejornal. Mas quando o assunto é meteorologia extrema, os doutores “comentadeiros” reservam sempre a sua sabedoria para depois do evento. É então que enchem as redes sociais com pérolas como: “Alerta vermelho e está sol”, ou “Sempre ao lado, eu vi logo pela sombra do Pico da Barrosa que a tempestade se ia-se desviar-se para cima do lado de baixo do polo norte”. Genialidade retroativa, ou como diziam os romanos: “Post hoc ergo propter hoc”. Caro leitor, nem se atreva a ir vasculhar as minhas redes sociais, em jeito de auditoria digital, à procura das minhas próprias pérolas, porque não vai encontrar nada… Já tratei de apagar cuidadosamente todas as provas do crime.
A meteorologia não é um jogo de adivinhação, é um jogo de probabilidades. Satélites, boias oceânicas, radares e modelos matemáticos trabalham em conjunto, mas mesmo assim o Atlântico é muito imprevisível. Imagine tentar calcular, com precisão científica, a rota de um tasqueiro enfrascado até a casa. Missão impossível.
O que se pode fazer é lançar cenários plausíveis com margens de erro bem largas. Se existe 30% de hipótese de levarmos na testa com um furacão escomunhão, sai um aviso vermelho. Instituições sérias como o IPMA, seguem o princípio da precaução, preferindo ouvir as críticas do “está sol” do que não emitir o alerta e deixar a população desprotegida. O objetivo é minimizar as perdas de vidas e bens, quando existe uma hipótese real de acontecer o caos.
Um furacão não se mede aos palmos, mede-se pela escala Saffir-Simpson. Classifica de Categoria 1 a 5, conforme os ventos sustentados e o potencial destrutivo. Traduzindo para a realidade açoriana:
- Categoria 1 (119-153 km/h). não há toldo que resista. Nem vale a pena abrir um guardachuva.
- Categoria 3 (178-208 km/h). Têm a capacidade, embora momentânea, de transformar um bezerro num drone.
- Categoria 4 (209-251 km/h). equivale a um avião da SATA a aterrar no seu quintal, com uma “Bertinha” a fazer drifts no lamaçal das traseiras.
- Categoria 5. Destruição completa.
Repare, o furacão Katrina atingiu a Categoria 5 no auge, mas quando atingiu o Louisiana, tinha enfraquecido para Categoria 3. Ainda assim, lembre-se da destruição que causou! Segundo algumas fontes, o escomunhão Gabrielle já atingiu a Categoria 4 e, à medida que se aproxima dos Açores, é expetável que enfraqueça, ao cruzar-se com águas mais frias e ventos “desfavoráveis”, iniciando a transição para algo menos “tropical puro”. Mas tenhamos cuidado, enfraquecer não significa amansar. A probabilidade mantém-se em termos de ventos destrutivos, chuvadas bíblicas e ondas primas filhas de irmão da torre Solmar.
Caro leitor, também tinha essa dúvida. Como são dados os nomes aos furacões? Durante uns tempos pensava que retiravam ao acaso nomes da lista de estagiárias L do serviço de finanças de Ponta delgada (“Sandy”, “Katrina”, “Helene”). Estava completamente errado. A realidade não é menos bizarra, existe uma lista oficial de nomes, preparada com anos de antecedência pela Organização Meteorológica Mundial. Cada bacia do Atlântico tem uma lista de nomes masculinos e femininos, usados por ordem alfabética, que se repetem em ciclos de seis anos. Gabrielle é apenas um escomunhão que tirou a senha e chegou a sua vez. Esperemos que o nome dure para sempre, porque quando um furacão fica famoso pela destruição (como a escomunhão Katrina), o nome é retirado da lista. Acho boa ideia, repare que não andam muitos Adolfos por aí.
E as ondas? Foi anunciado que podem atingir os 20 metros na próxima sexta-feira. Confesso que, ao ouvir isto, imaginei logo um batalhão de tsunamis a marchar em direção à ilha, devastando ruas inteiras deixando apenas a Rua dos Mercadores intacta. Ali só cargas e descargas. A coisa não funciona bem assim, quando se fala em “altura significativa das ondas”, trata-se da média do terço mais alto das ondas em mar aberto. Por outras palavras, no alto mar, onde os cagarros fazem os seus piqueniques, algumas vagas atingem os 20 metros, podendo ser muito maiores até. Já na costa, o mar perde força, mas também se arma em artista, podendo causar muita destruição. Basta lembrar a destruição do porto das Lajes das Flores durante a passagem do escomunhão Lorenzo. Por sorte, temos políticos visionários, que deixaram a reconstrução do porto para mais tarde. Não foi incompetência, foi estratégia, esperaram pacientemente pelo escomunhão Gabrielle, para não estragar o trabalho a meio. Por favor, tenha cuidado.
Philip Pontes