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Em comemoração – Teófilo Braga (1843-1924) o grande Esquecido (VI)

Apesar de todas as lutas surdas e intestinas dos bastidores, em que o próprio Teófilo se envolvia e até, nas cartas a sua mulher, lhe pede que mova alguma influência no caso, não sucedeu a aceitação da tese de Pinheiro Chagas, nem do outro candidato, como os seus inimigos esperavam. Teófilo Braga, no final do seu trabalho, foi aclamado pelo público e o Júri cedeu à voz popular. Nesse mesmo ano é aceite como sócio correspondente da Real Academia de História em Madrid e disso dá notícia à esposa, mas sem mostras de grande júbilo, apenas compara o que se passava à sua volta com o que dele pensavam fora do seu próprio país.
Teófilo luta sempre e consegue triunfos que ninguém esperaria dele. Como político não se furta a entrar na luta.
Muito embora tivessem esfriado por completo as relações de Teófilo com Antero, este, na preparação das Conferências Democráticas do Casino, quando vivia em Lisboa e voltara a uma vida de boémia intelectual rodeado dos seus fies amigos, não deixou de se lembrar do autor de “A Ondina do Lago” e das “Tempestades Sonoras” e escreveu-lhe uma carta em que lhe pede colaboração e nos melhores termos de uma amizade que não condizia com o passado ainda bem recente. Diz pois:
«Temos resolvido, eu e alguns rapazes, novos e independentes (dos quais o Teófilo conhece, por exemplo: Eça de Queirós, Adolfo Coelho, Manuel Arriaga, Oliveira Martins, José Falcão, Batalha Reis, respondendo eu pela seriedade dos outros, que não conhece) abrir em Lisboa uma Sala de “Conferências livres” livres em todo o sentido da palavra, não frequentada por convidados da literatura, mas aberta a toda a gente, e de todas as condições, aonde se tratem as grandes questões contemporâneas, religiosas, políticas, sociais literárias e científicas, num espírito de franqueza, coragem, positivismo, numa palavra com radicalismo. (…).
O nosso fim é produzir uma agitação intelectual na nossa sociedade lançando em cada semana uma ideia ou duas para o meio desta massa adormecida do público.
Serve-lhe isto? E podemos contar com o Teófilo? Podemos – já – contar com o seu nome ao lado dos nossos; e – de futuro, quando puder ou quiser – com a sua voz entre as nossas? Afirmo-lhe que vai em companhia séria e que não o envergonha. O meu nome pode dar-lhe, pelo menos, uma garantia de seriedade. Eu dou grande importância a esta tentativa, não só esperando bons resultados directos, como, indirectamente, outros talvez maiores, por exemplo, o gosto das Conferências desenvolvendo-se fora de Lisboa, abrindo-se salas em Coimbra e Porto, etc. A minha imaginação galopa, nessa região agitadora, ardente e animada. As dificuldades materiais estão resolvidas: temos uma boa casa: falta-nos só a adesão de alguns amigos, com quem contamos, para fazer o nosso anúncio ou programa, feito o que começaremos.
Peço-lhe que me responda breve. Se não tiver tempo, diga só Sim ou Não:
Mas sem muita demora (…).
Adeus. Seu sempre do coração. Antero ».
Se isto se passava em 1871, é curioso notar como toda a carta denota deferência, senão amizade e Antero parece completamente esquecido da sua crítica e má vontade manifestadas antes e que depois renovará, contra quem agora parece ser um amigo pronto a ajudá-lo no que seria uma intervenção poderosa na vida nacional. Note-se mesmo como ele já visionava grandes revoluções e empreendimentos extraordinários devidos às «Conferências Democráticas do Casino» mesmo antes destas se terem iniciado!
De facto, Teófilo iria colaborar nessa iniciativa, como mais tarde também deu o seu contributo para a organização da homenagem a Camões na celebração do seu tricentenário.
Foram tais celebrações realizadas em 1880 e Ramalho Ortigão terá um papel importante nessa solenidade que tentava revigorar as forças da nação em torno do grande Épico, enaltecendo a Pátria e recordando a grandeza de Portugal, mesmo numa fase crítica e difícil como era aquela do Ultimatum Inglês.
Teófilo tinha grande admiração pelo autor de “Os Lusíadas” e empregou muito do seu tempo e estudo a Camões, o «Homero das línguas vivas» como lhe chamou o sábio alemão Humboldt e já, em 1873, escrevera “História de Camões” em 2 volumes, em que afirmava orgulhosamente: «Os Lusíadas, epopeia da nacionalidade portuguesa». Para esta comemoração, que considerava um dever moral dos portugueses, dedicou um trabalho intitulado “Bibliografia Camoniana” (1880) e depois, já em 1891, escrevia “Camões e o sentimento nacional” em que afirma:
«O assunto Camões e o sentimento nacional é um dos mais curiosos problemas da sociologia porque partindo do facto, como uns agregados de povoações cantonais, chegaram à unificação da Pátria, pelo amor do seu território, a necessidade de mantê-la em independência, obrigou-os a uma acção comum, a um ideal colectivo que fortifica o sentimento da Pátria e Nacionalidade».
Para Eduardo Lourenço, o que salva Teófilo da erudição pesada e morta, é a sua veia poética que nunca morreu e que o fez notar no lirismo camoniano muitas intuições que foram retomadas pelos mais consagrados críticos como Hernâni Cidade, Jorge de Sena e tantos outros.
Nessa altura já Antero parodiava as celebrações e afastava-se mais uma vez da vida real e das intervenções possíveis de efectivar. Aliás, depois da sua reacção face à revolução de Espanha, do projecto da União Ibérica, Antero, numa fase de grande pessimismo, critica o seu amigo Ramalho e escreve em carta a Oliveira Martins:
«Esquecia-me dizer-lhe que aqui a grande comissão dos literatos, depois de grave meditar, resolveu celebrar o centenário com uma procissão! Isto é curioso, até no ponto de vista biológico, porque mostra o poder do atavismo. Aos netos dos frades que lhes há-de lembrar senão procissões? A ideia, dizem, partiu do Ramalho, que a apresentou naturalmente como toda moderna e positiva. Notável caso de «regressão morfológica»! O Ramalho, cuidando adiante do século, reproduz simplesmente o avô, que era da Ordem dos Terceiros».
Mas, depois de toda a veemência com que critica tais comemorações que considera um epitáfio de uma nação e o crepúsculo de um povo, assistirá com a maior comoção à passagem do cortejo cívico, conforme testemunho do amigo Joaquim de Araújo. Assegura mesmo que foi uma «maravilha» e que lhe deixou uma impressão memorável.
Teófilo Braga, entretanto continua a sua imensa tarefa de pioneiro e de investigador das raízes do povo português, nas mais diversas formas de expressão. O fenómeno da «raça» é que daria o cariz da formação do espírito estético e a sua expressão literária diferenciando-se cada povo devido ao papel que a etnia tem na criação de uma identidade própria. Assim temos a crítica muito lúcida de Prado Coelho a parte da sua obra:
«Simplesmente, Teófilo vinculava de modo excessivamente apressado a individualidade cultural portuguesa ao factor étnico, ao que ele chamava «o génio da raça». Era este um dos pontos frágeis da sua filosofia da História Literária. (…) pela dificuldade que subsiste em relacionar com algum rigor a Raça e a Literatura».
Mas as análises críticas trazem sempre a chancela do seu tempo e das tendências das escolas, não se pode separar afinal nenhum crítico do seu próprio contexto. É preciso ter em conta como as teorias defendidas por Teófilo eram pioneiras e, tanto a apologia da etnia moçárabe, como a raça lusa, que defendeu mais tarde, procuravam uma linha de persistência da nacionalidade mesmo com todas as transformações ocorridas. O contexto era vasto e, por isso mesmo, por demais ambicioso para que pudesse alguma vez abarcar mais do que os planos gerais e as raízes em que buscava os fundamentos das investigações. Neste aspecto foi muito influenciado por Vico, na sua busca de entender os símbolos primitivos dos mitos, fábulas e outros como formas de expressão da «linguagem do sentimento que só o poeta moderno compreende».
Teófilo ficou muito marcado pelo positivismo de Augusto Comte, segundo a versão de Littré, que tomou como modelo para a sua política e usa pragmaticamente estas ideias filosóficas.
Temos de ter em conta a enorme aceitação nos meios intelectuais portugueses da época das ideias do positivismo e do cientismo reinantes para compreender como se iludia por pensar que o progresso científico seria uma tarefa que a política levaria a cabo. Todavia, tanto pela importância que dava à psicologia, que Comte negligenciava, como pela influência de Hegel, não podia ser um adepto total do mestre do positivismo e manteve o fundo romântico do seu pensamento.
A sua obra, sendo tão vasta, tem de ser multifacetada e se há um ponto comum será a busca constante de descobrir e fundamentar a consciência que manteve sempre da grande força da Raça, da Tradição e da Nacionalidade como virtualidades das concepções individuais sobre os grandes factos históricos e a sua expressão artística.
Parece que a vida lhe reservava um futuro sereno agora com a sua família constituída e as suas preocupações são simples como a sua estada em Airão, onde a esposa passara muitas vezes as férias antes de casar, e depois lá se quis estabelecer numa vivenda, afastado da vida da cidade, como ele mesmo diz «com bom ar e muita luz, independência, serenidade …» e, ao mesmo tempo criava condições para morar definitivamente em Lisboa onde já era professor. Por razões económicas vem ainda a incompatibilizar-se com a sogra e com o cunhado mostrando uma aspereza sem indulgência para com ambos. Curiosamente e ainda apenas por razões monetárias, ao que se depreende, escreve sermões de encomenda sobre a Paixão, Soledade e outros. Continuava a gostar muito de música e tinha uma predilecção especial pelo compositor Meyerbeer.

Continua

Lúcia Simas

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