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Lar Doce Livro

No passado dia 18 de junho acordei acometida por uma vontade de visitar a livraria, café e espaço de convívio, Lar Doce Livro, na rua de S. João, n.º 22 a 24, Angra do Heroísmo. Talvez fosse daquela brisa matinal que se fazia sentir na ilha ou por ter sonhado com cravos e risos. Talvez tenha sido porque ler é uma das poucas constantes na minha vida, cada vez mais feita de marés inconstantes. Naquele dia, soube que seria ali que iria almoçar e perspetivar o caminho futuro. Senti a confiança de ali me sentar e convidar a vida a vir sentar-se comigo.
Nesse dia, o tempo que passei pela livraria foi bocado que se tornou rapidamente bom. Recebida por pessoas afáveis, capazes e assertivas, sem medo de confrontar as bafientas tradições conservadoras e recordar que Angra sempre foi liberdade, desde a sua génese. É do conhecimento comum que o espaço é pertença de Marta Cruz e Joel Neto, um casal ligado à cultura, que sonhou trazer até aAngra do Heroísmo um conceito que fazia falta, como pão para a boca.
Livros, literatura, cinema, enologia, música e muito mais. Cruzam-se ali, quase, quase na esquina de S. João com a dos Minhas Terras. Abrem-se portas, constroem-se pontes, declamam-se manifestos e grita-se poesia. Sempre que possível, há contos para contar, estórias para urdir e narrativas para partilhar. É um espaço que veio para complementar o excelente trabalho já desenvolvido pelo Museu e pela Biblioteca desta cidade, injustamente esquecidos em anos recentes.
A Lar Doce Livro é iniciativa privada, daquela que a direita adora defender, menos quando não lhes dá jeito. É um espaço que foi contruído pelas mãos de quem a idealizou e que é feito em comunhão com amizades, estimulando a economia local e o desenvolvimento da ilha. Em teoria, deveria ser o sonho perfeito de um governo cuja iniciativa é marcadamente liberal, herdeiro de Passos Coelho e primo de Adam Smith. Na prática, é um conceito que ficou agora assombrado pelo facto de ter tido o desplante de dizer que Angra do Heroísmo é uma cidade de pessoas livres, que combateram fascistas e absolutistas e desejam continuar a fazê-lo no futuro.
Verificamos um mal-estar generalizado entre as cúpulas do diletantismo de direita, face à letra da marcha oficial e ao tema das Sanjoaninas, trabalho que foi feito pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo em colaboração com Marta Cruz e Joel Neto. Cuspiram-se insultos ao vento, e apresentaramm-se alegações que não só não correspondem inteiramente a verdades, como ainda podem ser tão facilmente desmontadas que não podemos deixar de suspeitar que só são feitas para agitar as turvas águas do populismo.
O tema e a letra da marcha oficial são responsabilidade do município e de quem a instituição decidir convidar para fazer a consultadoria na matéria. Ao longo das últimas décadas, as Sanjoaninas foram preparadas por poetas, escritores, historiadores, políticos, amadores, profissionais da esquerda e da direita. Todos os anos o assunto é a política, porque, para quem não sabe, a política faz parte do amor e da saudade, como faz da arte, da música e da história. A política ajuda a construir quem nós somos e a fazer-nos parte de uma escala atlântica única em todo o mundo. Quem não percebe nada de política é que gosta de olhar para ela como se fosse um campeonato de futebol.
E foi nesta política que Angra se fez. Afinal de contas, qual é a diferença entre discutir o exílio de Afonso VI ou o 25 de abril de 74, por exemplo?
Deixem-me que vos diga a verdade. Afonso VI, mesmo rei, não ia nu. Estas forças de direita, andam por aí com medo do que disse a marcha, porque a marcha cantou-lhes uma verdade inconveniente sobre a sua falta de roupagem. Mas disso, querem agora decretar não se deve fazer assunto.
E sobre o facto de a Livraria integrar programas especiais para as Sanjoaninas, poupem os vossos ouvidos, pois se fosse outro espaço qualquer seria iniciativa liberal da boa. Qualquer negócio pode apresentar um projeto e isso é sabido, mesmo por muitos dos que desejam usar esse argumento para receberem mais um “like”.
Pela minha parte, só posso reforçar a ideia de que Lar Doce Livro é um espaço que pode ser casa, é certamente guloso, e definitivamente livre como só a Angra de Ciprião de Figueiredo e Teotónio de Ornelas poderia alguma vez ser. Bem-haja Marta e Joel. Continuem, que há quem muito vos aprecie.

Alexandra Manes

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