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Refletir a Operação Inter-ilhas Verão IATA 2025

Ponto prévio em que todos estaremos de acordo: o Pico (e qualquer outra ilha dos Açores, embora este artigo se foque sobretudo na acessibilidade aérea à ilha Montanha) precisa de uma operação aérea inter-ilhas ajustada às suas necessidades. A forma como se atinge tal desiderato, será fruto da percepção de cada um em relação ao estado atual, bem como as necessidades pessoais, laborais e de negócio na utilização (direta ou de terceiros) do transporte aéreo para sair/chegar à ilha do Pico. Ponto em que talvez nem todos estejam de acordo: as acessibilidades aéreas não podem nem devem ter a sua oferta/disponibilidade castrada por preocupações (legítimas) relacionadas com o aumento do fluxo turístico e suas implicações para os residentes, preocupações essas para as quais pensamos que existem outras políticas, sobretudo relacionadas com o número permitido de camas licenciadas para fins hoteleiros, que devem ser discutidas e implementadas. A existência de procura que supere a oferta (no fundo o estado atual) é um indicador de que a capacidade de determinada ilha não estará esgotada. O artigo que se segue reflete apenas o pensamento dos cidadãos que compõem o Grupo Aeroporto do Pico (GAPix).
Assistimos não só ao aumento do fluxo de turistas, mas também à mudança do tipo de turista que nos visita. Este privilegia mais os alojamentos locais, o que significa a existência de mais turistas, mas menos em cada estabelecimento, pelo que em alguns casos existe a sensação de que circulam menos turistas na região. O tipo de turista mudou daquele que quer passeios e aventura (alemão, holandês, italiano, espanhol) para o que fica mais estático e relaxa (americano, canadiano). Como exemplo flagrante, assiste-se ao aumento de atividades de provas de vinhos no Pico.
Uma noite no Pico sai em média muito, mas muito mais cara que em São Miguel ou Terceira, pelo que até podem diminuir o número de turistas mas aumentar os proveitos, o que é a situação desejada pelos residentes.
Focando-nos nas acessibilidades aéreas, o que se tem assistido sistematicamente nos meses de Verão em várias ilhas dos Açores ao longo dos últimos anos (com destaque para o Pico), é a dificuldade em marcar/comprar um bilhete de/para aquela ilha. A SATA Air Açores tem (e bem) reforçado a oferta de lugares todos os anos e a procura tem superado sempre a oferta, com recordes de número de voos e taxas de ocupação dos mesmos a serem batidos anualmente. A tendência de agravamento já vinha de trás (pré-COVID) mas acentuou-se em 2021 com a introdução da Tarifa Açores, por parte do Governo dos Açores, o que veio incentivar mais Açorianos a viajar inter-ilhas pela quantia arredondada de €60 por ida e volta (a tarifa de residente “normal” ronda os €120 ida e volta). A isto também não é alheio o fato de não existirem, desde há vários anos, ligações marítimas regulares no Verão entre a ilha de São Miguel (o grande mercado emissor de turismo de residentes) e as ilhas do grupo Central (Pico incluído), meio de transporte que atingia algumas taxas de ocupação interessantes nos meses de Julho e Agosto.
À referida introdução da Tarifa Açores seguiu-se a entrada na frota da SATA Air Açores do quinto DASH Q400 de 78 passageiros em Julho de 2022, em resposta ao incremento da procura. De recordar que a SATA Air Açores dispõe também de dois DASH Q200 de 37 passageiros, as únicas que podem operar na curtíssima pista da ilha do Corvo. São portanto 7 as aeronaves atualmente na frota fixa da SATA Air Açores, às quais se têm somado reforços pontuais por via de alugueres de aeronaves e tripulações a outras companhias (vulgo ACMI).
Com base no que se tem assistido ao longo destes últimos anos e à incapacidade latente de incrementar a oferta de lugares, pensa a SATA Air Açores e o seu acionista (o Governo dos Açores) adquirir mais um DASH Q400 (o sexto) para a Air Açores? Afigurando-se este cenário como pouco provável devido à situação atual da empresa, em alternativa existe a intenção de alugar um DASH Q400 para o pico do verão (Junho, Julho, Agosto, e talvez Setembro), com a necessária antecedência?
Para além de assistirmos a cada vez mais residentes a viajar (uma escapadinha de fim-de-semana a outra ilha por €60 é convidativo), o turismo nacional e estrangeiro (que não beneficia desta tarifa) não tem parado de aumentar. Seria aliás interessante conhecermos a percentagem de residentes versus não residentes a viajar nos voos inter-ilhas, pois fica a sensação de que para ilhas como o Pico a percentagem de residentes é inferior aos turistas nacionais e estrangeiros.
Não é só o Pico a crescer no número de passageiros transportados e dormidas em estabelecimentos de alojamento turístico, como se pode comprovar facilmente pelos dados publicados pelo Serviço Regional de Estatística dos Açores (SREA). Outras ilhas (como as Flores e Santa Maria) têm-se destacado e é preciso alargar o número de rotações em várias rotas regionais. Mas a frota está “esticada”, não permite muito mais do que já é disponibilizado, sem uma grande ginástica de disponibilidade de aeronaves, tripulações e pessoal de terra, muitas vezes em horários impróprios. O caso das Flores é problemático por nem permitir a operação de voos nocturnos. Em suma, os vários voos extra adicionados ao longo dos últimos meses não têm sido suficientes para corresponder à elevada procura.
Com o tempo de cada aeronave reservado para suprir esta grande procura, basta uma aeronave avariar e temos o caldo entornado, como se tem assistido em vários momentos da atual época de Verão IATA 2024. Numa primeira fase (em Junho) a SATA Air Açores conseguiu recorrer ACMI de um Q400 da Luxwing (portanto igual às restantes da frota própria), numa altura em que chegaram a ser 4 os aviões próprios em manutenção programada (1) ou não-programada (3). Foram inclusive feitas rotações recorrendo a aeronaves A320 na tentativa de minimizar as irregularidades, fato inédito em rotas inter-ilhas.
Mais recentemente (Agosto), na impossibilidade (de disponibilidade de mercado) em voltar a recorrer ao ACMI de um DASH Q400, a SATA Air Açores teve de recorrer a uma aeronave ATR 72-500 da Swiftair, de 68 passageiros (menos 12 que o Q400).
Logo aqui começaram os problemas ao ajustar a operação em pleno verão com uma aeronave sem a mesma capacidade (como veremos adiante). Para além disso o ATR (e respectivas tripulações, pouco familiarizadas com as pistas dos aeroportos dos Açores) só opera em pistas sem restrições operacionais (Faial, Pico, Terceira, São Miguel e Santa Maria), inviabilizando a realização de rotações em Aeródromos menos movimentados e (a pior agravante) levando menos 12 passageiros que o Q400 em cada trajeto. Por exemplo, uma decisão política fomentou a realização de mais frequências diárias entre Ponta Delgada e a ilha Graciosa. Nada contra, se os referidos voos tivessem procura. Havendo procura inferior à disponibilizada pelo Q400, não pode a SATA Air Açores utilizar portanto o ATR na referida rota.
Em pleno século XXI, subsiste o pensamento de alguma classe política e empresarial de que a simples medida/ação de oferecer mais voos em determinada rota por si só vai trazer mais passageiros/turistas, sem qualquer outro esforço ou campanha concertada de promoção de uma ilha com menor procura turística (mas muito potencial, diga-se). E com isto assistimos a viagens com 7 passageiros num avião de 80 passageiros, para depois regressar à origem com 56 (só para dar um exemplo real num qualquer dia de Agosto). Com o ATR fora de hipótese para operar nesta rota (pista curta, tripulações pouco familiarizadas) só um planeamento atempado (por exemplo, usar o Q200 de 37 passageiros em vez de Q400 ou anular voos em dias em que a procura é historicamente fraca) e uma reação atempada aos acontecimentos por parte da coordenação da SATA poderiam contornar este planeamento politicamente imposto, quando outras rotas precisam de mais frequências (Flores, Pico, Santa Maria), plenamente justificadas com o histórico de anos anteriores. No exemplo descrito de viagem com apenas 56 passageiros (e à semelhança do que se fez em anos anteriores), este avião poderia ter feito uma rota circular com outra ilha em défice de oferta, antes de regressar à Terceira.

Não são conhecidos números, mas sabe-se que em cada voo previamente cheio em Q400 alterado para o ATR, automaticamente 12 passageiros ficaram em overbooking, tendo de ser reacomodados e recebendo cada passageiro €250 de indemnização pelo atraso superior a 3 horas como determina a legislação europeia. Por exemplo, considerando a média diária de 4 idas e 4 voltas entre Pico e PDL/TER, rotas esgotadas desde 6 de Agosto até 2 de Setembro, são 96 potenciais indemnizações por dia… É só fazer a conta. Claro que existem alguns lugares reservados nos Dash por defeito para necessários passageiros provenientes de marcações do Serviço Regional de Saúde, mas não são de qualquer maneira suficientes para cobrir ⅔ dos overbookings.
Sendo este ATR um ACMI de “socorro”, volto ao repto inicial de preparar atempadamente a operação de 2025 com o aluguer de um Q400 para corresponder à procura de várias rotas em crescimento, simultâneamente precavendo a eventualidade de avaria de aeronave própria, que inevitavelmente acontecem. A frota deveria permitir voos extra em caso de elevadíssima procura, e o que se verifica é que os voos regulares já correspondem ao máximo possível, inviabilizando voos extra em caso de necessidade. A tarifa Açores é maravilhosa para os residentes, mas criou um problema novo: marcação em cima do dia (porque o preço é fixo) fazendo com que a companhia aérea não consiga planear condignamente. Eventualmente poderia haver um desconto adicional (5%) para os passageiros que marcassem a sua viagem com mais de um mês de antecedência.
Para finalizar esta reflexão, vamos adicionar o fator “Azores Airlines” à equação.
A época de Verão IATA inicia-se no final de Março e termina no final de Outubro. Desde 2021 que a Azores Airlines, companhia aérea que assegura desde 2015 as ligações aéreas entre Lisboa e Pico, efetua (com variações nas datas de início e término) 5 rotações semanais nesta rota desde o início de Junho ao final de Setembro. É certo que as Obrigações de Serviço Público (OSP), as quais a Azores Airlines continua a cumprir/realizar sem a devida compensação financeira por parte do Governo da República, apenas determinam a realização de 2 rotações semanais todo o ano. As 5 rotações semanais excedem em 150% as OSP, o que revela a importância desta rota na época alta. A taxa de ocupação destas rotações atinge em média os 93% nestes 4 meses de pico do Verão.
Muitos dos passageiros que chegam ao Pico desde a Terceira e Ponta Delgada (as 2 rotas inter-ilhas que servem a ilha Montanha) através dos voos inter-ilhas da SATA Air Açores, têm como origem Lisboa, o que nos diz (nada que surpreenda) que os 5 voos semanais entre o Pico e Lisboa são manifestamente insuficientes para a procura existente. Urge portanto promover o aumento do número de frequências para 7 semanais (voo diário com Lisboa, portanto) e desta forma libertar muitos lugares em voos interilhas. É preciso realçar que existem muitos passageiros a chegar ao Pico desde Lisboa através de voos PDL-TER-PIX, o que penaliza também o número de lugares disponíveis entre Ponta Delgada e Terceira.
Existe, na nossa ótica, falta de coragem política para ajustar as OSP (quer inter-ilhas, quer territoriais) à procura. Não houve em 2021 com as “novas” OSP para os voos inter-ilhas e o mesmo acontece com as OSP para os voos entre o continente e os Açores, em que aparentemente nada de significativo vai mudar, apenas acrescentando mais uma rota entre a Terceira e Funchal sem reforço da compensação. O concurso como se sabe ficou deserto, sem que a proposta do único concorrente (Azores Airlines), por valor superior ao estipulado pelo caderno de encargos, tenha sido aceite. Resta agora saber se o Governo da República vai fazer o trabalho de ajustar rotas e frequências às necessidades e procura atual e histórica (o que duvidamos) ou se vão subir o valor da indemnização compensatória para cativar as companhias aéreas. Este parece ser o cenário mais provável, o típico “atirar dinheiro” para cima do problema, sem o resolver pela raiz. O nosso parecer alargado sobre este assunto foi submetido à ALRA a 16 de Junho de 2023 em resposta ao Projeto de Resolução n.º 157/XII (http://base.alra.pt:82/iniciativas/comissão/XIICPjR157.pdf).
Existe alguma satisfação generalizada com a performance turística da região em 2024, mas o fato é que existe crescimento a várias velocidades e as necessidades de algumas rotas são preteridas por outras opções políticas de reforço de lugares em rotas sem sustentação na procura.
Estas são algumas considerações sobre o estado atual e algumas sugestões de formas de conseguir dar mais resposta à procura efetiva em rotas em crescimento como o Pico. O turismo no Pico está no bom caminho, mas é necessário ajustar as acessibilidades para bem de todos (turistas e sobretudo residentes).

Bruno Rodrigues*

  • Porta-voz do Grupo Aeroporto do Pico (GAPix)

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