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Abaixo, o mais do mesmo

Vivemos numa era em que a velocidade das inovações tecnológicas e a avalanche da informação, sugerem que estamos sempre à beira de algo novo, de uma transformação radical.
No entanto, se examinarmos esses fenómenos mais de perto, percebemos que, por baixo da superfície de mudanças aparentes, muitas das estruturas sociais, económicas e culturais permanecem estagnadas.
A expressão – Abaixo, o mais do mesmo – exprime, cabalmente, essa contradição: uma sociedade saturada por ciclos repetitivos, onde a promessa de novidade e progresso é, na verdade, uma reprodução de fórmulas consagradas, sem ropturas sérias.
E isso é verdade, de forma transversal, para os vários sectores: desde a cultura à economia e desde a política à inovação. A questão central que emerge de tudo isso, é se estamos realmente a progredir como sociedade ou, se pelo contrário, estamos presos a um ciclo de repetição mascarado de inovação?
Questão complexa e que deve ser olhada com cuidado. Há, sem dúvida, avanços em diversas áreas, especialmente no campo científico e tecnológico. No entanto, quando olhamos para os aspectos fundamentais da organização social, política e económica, o “mais do mesmo” prevalece.
Num plano mais profundo, a humanidade continua a operar com estruturas que, embora modernizadas, repetem padrões antigos de desigualdade e exploração, fenómeno que não é acidental. Mas que responde a uma lógica de mercado em que o retorno financeiro é favorecido pela familiaridade.
O público, muitas vezes, deseja a ilusão de novidade, mas sente-se mais confortável com o conhecido. Assim, o que parece ser uma renovação de ideias e histórias é, na verdade, uma perpetuação de estruturas narrativas e estéticas que já foram testadas e aprovadas. Esse ciclo de repetição, enquanto cria uma sensação de progresso cultural, evidencia a incapacidade de romper com paradigmas estabelecidos.
As “velhas” narrativas ou e fabulações, sejam elas religiosas, culturais, políticas ou sociais continuam a manter uma mão de ferro nas nossas sociedades, sabendo-se que a mudança é, possivelmente, o maior desafio que os cidadãos, a título individual, ou as sociedades, no seu todo, enfrentam. Assim tem sido, desde a alvorada da humanidade.
Na esfera económica, o cenário é semelhante. O discurso da inovação, do empreendedorismo e do progresso tecnológico acontece por toda o lado. Desde a pequena start-up até as grandes corporações de tecnologia. Tendo como pano de fundo o jargão da transição digital.
No entanto, muitas dessas inovações são, apenas melhorias incrementais de produtos já existentes, em vez de transformações radicais que mudariam a estrutura económica ou o tecido social.
Debaixo dessas fachadas de inovação, a estrutura capitalista continua a operar da mesma maneira: concentrando riqueza em poucas mãos e proporcionando uma competição acirrada entre aqueles que já estão instalados no topo da pirâmide. Basta atentar nos três ou quatro “gigantes” de Silicon Valley que, por trás da tecnologia dourada e de uma conversa fiada de liberdade, procuram captar um poder ilimitado que se materializa em fortunas obscenas.
No campo político, a ideia de “mais do mesmo” também se aplica. Discursos reformistas ou de mudança estrutural muitas vezes são usados como bandeiras de campanhas eleitorais, mas, ao assumirem o poder, muitos governantes acabam por seguir as mesmas políticas de seus antecessores.
Ajustando detalhes, mas mantendo intactas as bases do sistema que prometem mudar. A falta de ropturas reais é comprovada pela reprodução de ciclos eleitorais que em pouco alteram a vida quotidiana da pessoas.
Mesmo quando surge uma promessa de transformação radical, como é o caso dos movimentos populistas. Eles próprios são, na maior parte dos casos, absorvidos ou neutralizados pelo sistema. A radicalidade, quando cooptada, torna-se parte do jogo político convencional e o “novo”, rapidamente, se transforma em mais uma peça no ciclo.
Tudo isto deverá, por consequência, levar-nos a refletir sobre o que realmente entendemos por progresso e inovação. Forçando-nos a olhar para além da superfície brilhante das supostas transformações e para a estagnação disfarçada de novidade.
Fica o convite para questionarmos as estruturas que regem a nossa sociedade e para imaginarmos formas realmente novas de organização política, sociocultural e económica, que abram caminho a uma mudança autêntica e estanquem o advento de um fascismo reciclado e serôdio que brota, crescentemente, por todo o lado.

Antonio Simas Santos

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