Mais do que a ideologia, a personalidade influencia o comportamento dos eleitores nos atos políticos. Embora os resultados das eleições americanas de 5 de novembro tenham surpreendido muitos observadores, as informações no domínio público permitiam prever o desfecho dramático.
A investigação psicológica revela que as pessoas usualmente votam em candidatos com os quais se julgam semelhantes em termos de personalidade. Os eleitores sentem-se atraídos para os candidatos com os quais julgam compartilhar valores, atitudes, ou padrões de adaptação à vida. Este processo cognitivo desenrola-se a um nível subconsciente.
A literatura teórica sugere, ainda que não seja de modo definitivo, que a personalidade pode atuar como preditor do comportamento de voto, com maior frequência e consistência, transcendendo posições ideológicas ou políticas.
Na psicologia política, um dos métodos para a classificação do tipo de personalidade do eleitor mede cinco traços ou características específicas. É conhecido pelo anacronismo do título em inglês: BFI (BigFiveInventory).
Por exemplo, no traço «abertura» (openness) os atores tendem a favorecer pontos de vista flexíveis, uma ótica progressiva e causas liberais. Apoiam candidatos que promovem a mudança e novas ideias e defendem a igualdade universal e a diversidade humana. Por outro lado, os eleitores com uma pontuação alta na «sensibilização» (consciousness) identificam-se com causas conservadoras. Valorizam a ordem, estabilidade e a tradição. A variação, entre os traços produz um perfil mais informativo do que uma característica isolada.
Quando ocorre a convergência da personalidade entre eleitores e candidatos, verifica-se uma alta probabilidade deste padrão influenciar a escolha do voto, exclusivo de fatores como a origem ancestral e antecedentes culturais, ou ainda considerações deontológicas. Na eleição de Donald Trump, as alegações de corrupção pendentes nos tribunais não pesaram na opção da maioria do eleitorado. Todavia, tanto quanto a informação divulgada pela comunicação social merece confiança, em termos do comportamento do «presidente eleito» e dos seus sectários os resultados deram credência àquele pressuposto teórico.
Num trabalho sobre a Orientação de Dominância Social* (ODS), que antevê atitudes sociais e políticas, os psicólogos americanos Christopher Federico e James Sidanius (1945-2021) confirmaram a intercetação entre personalidade e escolhas políticas. Os indivíduos com uma pontuação elevada na escala ODS preferem estruturas sociais hierárquicas e são propensos a apoiar políticas que mantêm essas hierarquias.
Sigmund Freud (1856-1939) é creditado na psicanálise como pioneiro do conceito de personalidade em que se manifesta a maneira da pessoa ser, pensar e de se comportar. Ele propôs um paradigma com três estruturas, constituídas pelo id, ego e superego. Neste modelo com fundamento neurológico, a personalidade é amoldada pelas interações e conflitos entre estes três componentes. Freud escreveu algures que aos cinco anos de idade a criança manifesta já traços da personalidade que numa perspetiva dinâmica se desenvolve até aos 18 anos. «A criança é o pai do adulto» disse ele. A socialização completa a organização estável — resistente à mudança — que define a personalidade.
Donald Trump por vezes expressou grande agressividade, prometendo uma desforra em nome dos seus eleitores. Ele fez comentários lúdicos e misóginos, e em várias ocasiões infamou opositores discordantes das suas opiniões. Embora Trump tenha contestado muitas das alegações que lhe foram feitas, The New York Times propagou que ele fez mais de mil declarações de conteúdo falaz, chamando-lhe «mentiroso em série».
A psicóloga Mary Trump, sobrinha de Donald Trump, num livro publicado em 2020, Too much and never enough, (Demais e nunca suficiente) viu-o como um homem excessivamente ambicioso, carecido de empatia e nímia autoestima, salientando fortes indícios narcisistas e psicopáticos. Ela referiu-se ao tio como «o homem mais perigoso do mundo».
Donald Trump foi um perspicaz intérprete do pensamento dos seus seguidores. Saber-se-á em breve se a sua conduta com vista a merecer o voto da maioria dos votantes americanos consistiu de uma estratégia ardilosa apenas para obter o poder, ou um plano de ação que pretende de facto executar. Numa perspetiva democrática, os resultados impressionantes da eleição deram-lhe um mandato para cumprir as suas promessas.
Manuel S. M. Leal