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A cultura está em promoção

Há já vários anos que nos fomos habituando a uma notícia recorrente, por volta do 1.º de Maio, na qual a comunicação social informa que a cadeia de comércio conhecida como Pingo Doce (a tal cadeia em que o seu proprietário não paga impostos em Portugal) vai organizar mais uma grande promoção, cortando pela metade os preços dos seus produtos. As promoções normalizaram-se no nosso quotidiano. Aceitamos que seja normal que algo que hoje custa um preço, amanhã possa custar bem menos, simplesmente porque alguém assim o decide a partir do escritório central.
Não faz sentido questionarmos se esse corte promocional existe, porque é que não é aplicado todo o ano? É daquelas coisas que a mais liberal iniciativa não quer que se pergunte muita vez, não vá o diabo tecê-las e o povo questionar o status cada vez menos quo.
E é de promoções que falo hoje, mas de um tipo muito particular de promoção. Uma promoção que algumas mentes iluminadas quererão fazer ver como meio de divulgar e valorizar. Desenganem-se! A promoção de que hoje vos escrevo, é clara e demonstrativa do total desinteresse que o atual Governo Regional dos Açores tem com a Cultura.
José Manuel Bolieiro nada aprendeu com os erros do passado. Ungido pelo voto popular renovado, o senhor presidente esqueceu-se que se enganou em muitas coisas durante os seus primeiros três anos no poder. Uma delas, que não ficou na história, foi a mudança no nome da Direção Regional da Cultura, e as mil e uma voltas que deu até voltar aonde estava, junto com a Educação. Na altura, a coligação alegava que passar a intitular-se “Assuntos Culturais” era um ato de enobrecimento daquele setor, porque era de gestão que se tratava e seria assim que aquilo passaria a ser levado muito a sério.
Pois bem, se na época o nome revelou-se importante, também agora se deve revelar. No dia 15 de novembro foi publicado o decreto que apresenta a nova orgânica da Secretaria Regional da Educação, Cultura e Deporto. Analisado o documento com recurso a lupa jurídica e tudo, a verdade é que encontramos muito poucas diferenças face aos anteriores. O principal desastre, foi a extinção do Fundo Regional de Ação Cultural, que já aconteceu no tempo da outra senhora, pelo que não culpo as atuais responsáveis pelo setor, ainda que pudessem ter tentado recuperar aquele erro.
A grandiosa mudança na Cultura verifica-se, principalmente, na parte dos nomes dos seus setores. No tempo em que aquele departamento funcionava minimamente bem, a direção regional estava dividida entre duas direções de serviço: uma dedicada à parte artística, ao trabalho com os agentes culturais e à gestão dos serviços que representam a Cultura no arquipélago; outra dedicada ao património cultural, à sua preservação, inventariação e proteção. Com esta nova orgânica, as responsáveis pela pasta anunciaram a sua estratégia para os Açores. O património cultural desapareceu. A ação cultural, também.
Restou o desenvolvimento, que até podemos compreender, e a Divisão de Promoção Cultural. Onde, em tempos, se discutiam estratégias patrimoniais, agora serão promovidas questões das quais parece-me haver algum desconhecimento por parte das responsáveis.
O sentimento é de que estamos perante um dos maiores saldos na cultura de que há memória. António Ferro, em tempos ministro da propaganda do outro senhor, não teria feito melhor. Quando analisamos as mudanças, ao nível das competências, verificamos que muito pouco mudou, apesar de encontrarmos uma omissão sintomática, pois a direção regional deixa de ter competências para elaborar projetos regulamentares e outros atos legais referentes ao setor, tornando obsoleta a sua função de órgão gestor.
Mas quando pensamos nos nomes, e na importância que Bolieiro atribuiu à mudança dos mesmos, constatamos que o que se quer demonstrar é que a cultura está à venda, e que essa venda está em promoção.
Parece haver o desejo de fazer daquele departamento um espaço de promoção de espetáculos, com uma grandiosa e megalómana temporada cultural que irá competir com os que se esforçam por fazer algo na Região, mas será mandatada a fazer-se sentir nas causas ideológicas da sua chefia.
A celebração palaciana do 25 de Novembro já está anunciada para o ano, e isso não será certamente inocente. É um sintoma que devemos ter em consideração ao diagnosticar a grave doença que se abateu entre nós.
A cada ano que passa, os desastres culturais multiplicam-se. Os agentes culturais, como que resignados, já reclamam muito pouco. Os funcionários da direção regional, acabaram por aceitar o destino que lhes foi entregue com a sucessão de Chefias. O património cultural, para além de desaparecer em nome, está também desaparecido em cargo. O concurso para a chefia da divisão dessas competências está aberto desde janeiro de 2024, sem qualquer resposta sobre o assunto.
Coisa de que não há memória no passado. Talvez fosse de enviar ao gabinete anticorrupção, mas imagino que Bolieiro já tenha conhecimento…
O que resta de património cultural parece que ficou entregue ao Centro do Património Móvel, Imaterial e Arqueológico, onde se congregam competências a mando de um cargo de coordenação, que muito pouco peso terá na estrutura interna, e que ainda por cima é exercido por um técnico especializado e formado na área de Teologia. Depois de um padre na cadeira de diretor regional, temos um profissional da religião na secretária de coordenador.
A cultura, sem “C” maiúsculo, nunca deixa de nos surpreender. Se era presumível que Sofia Ribeiro nada queria saber daquele setor, e que Sandra Garcia ia procurar explorar o seu gosto pessoal pela promoção, agora já não há dúvidas. Os tempos da Cultura com “C” grande já são coisa de memórias passadas. Cortes e promoções destas, nem no Pingo Doce!

Alexandra Manes

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