“Apesar de ter regressado dos Orientes e Oceânia há 3 décadas. Continuo sem me habituar aos invernos do hemisfério norte, e aproximamo-nos do natal, preferencialmente passado na praia em Bondi (Sydney, Austrália) mas disso guardo apenas memória e inveja por estar longe.”
Creio que li nas Escrituras ou seria (mais cedo) na catequese? que é fatal como o destino quando se lava o carro nas 48 horas seguintes chove. A tradição popular, embora com pouca cientificidade, assim o atesta, e eu comprovo que em 9 de cada 10 vezes, assim acontece. Há meses que andava para lavar o carro, mas sempre que passava pelo local habitual na velha Estrada Regional, na Melo & Melo, Ribeira Grande estava sempre a abarrotar e tinha o carro há imenso tempo sem ser lavado, cheio de teias de aranha, de presentes de pombos e outras aves, lamas e outras sujidades. Na passada semana tinha tempo disponível, havia sol, sem grandes nuvens nem alertas amarelos, pelo que decidi esperar 40 minutos para o lavar. Dois dias depois, é claro (e como manda a tradição) de manhã acordei com chuva miudinha, aquela morrinha à moda do Porto, como eu costumo dizer.
Apesar de ter regressado dos Orientes e Oceânia há 3 décadas. Continuo sem me habituar aos invernos do hemisfério norte, e aproximamo-nos do natal, preferencialmente passado na praia em Bondi (Sydney, Austrália) mas disso guardo apenas memória e inveja por estar longe. Nestes anos que levo de Europa jamais esqueço o frio e o calor, como aquele que apanhamos em 2005 em Bragança (no último ano lá tivemos -12 º no inverno e num dia em que fomos à aldeia, Eucísia, apanhamos 43 ºC!!!). Aqui este ano o verão foi mais quentinho do que é habitual, veremos que surpresas de inverno trazem as alterações climáticas. A temperatura baixou levemente esta semana (aqui na costa norte atingiu os 14 ºC) mas prevê-se que (amanhã?) regresse o bom tempo. A grande solução dos problemas do quotidiano é sempre esta, haver um amanhã. Ainda agora vim do pátio, onde estive a tratar das plantas que se têm reproduzido bem (com este clima adulterado que agora temos), em especial os catos a que se convencionou chamarem “suculentas.” Imagino que a mudança de nome tenha ocorrido, talvez, por alguém estar a morrer de fome e sede e ter-se servido deles para sobreviver, (o Aloé Vera por exemplo) digo eu, com a minha cara sardónica…
Sei que a memória vai fraquejando com a idade e tende a confundir tudo e a dar leituras erradas, mas a viuvez em idade avançada como me aconteceu conduz a pensamentos filosóficos variados, e muito a propósito leio esta citação de Charles Bukowski “E quando ninguém te acorda de manhã, e quando ninguém te espera na noite, e quando pode fazer o que quiser como se chama? Liberdade ou solidão?” Eu sei a resposta mas não quero esta liberdade a que chamo solidão. Bem pior foi o caso do casal descoberto nos arredores de Castelo Branco (creio que em meados de agosto), ela acamada morreu (de fome e sede?) sem assistência médica, pois o marido sexagenário teve morte natural e ali ficaram os 2 em lento estado de decomposição. Isso sim é solidão, nesta sociedade de vasos comunicantes estanques em que todos somos desconhecidos, mesmo que aparentemente amigos no Facebook ou noutra rede social. E provavelmente teriam filhos e netos que os ignorariam, pois viveriam as suas vidas longe e preocupados com as suas vicissitudes não teriam tempo de pensar nos velhos. Penso nisto e nos filhos que tenho, morreria sem que soubessem, restando a filha que adotei como minha há 30 anos para cuidar de mim à distância e para lhe fazer a prova diária de vida sempre que telefona ao fim do dia. Irónico quando penso que dentre os dias mais felizes da minha vida se contam o nascimento da filha na Austrália em 1986 e do mais novo em 1996.Se o alarme não fosse dado aqui em casa, com o telefonema diário da filha pelas 20.45, seria a nossa governanta na 5ª fª seguinte quem me encontraria, num qualquer recanto da casa, ainda não muito decomposto nem mumificado. Pode ser que ao entrar na porta da rua o cheiro a alertasse É um pensamento que me ocorre amiúde, em especial quando estou no duche. Quase como o pensamento e se houver um sismo quando estou no chuveiro, saio de lá assim como Adão no Jardim de Éden (eu sei, perdoem a latitude do pensamento, nem sou Adão nem Adónis, nem a Lomba da Maia é o Jardim de Éden), tento vestir-me? ou agarro numa toalha? ou decido-me pela sobrevivência antes que tudo? Imagino o riso e as caras da populaça ao ver-me naqueles preparos, lá se ia a imagem bem compostinha destes 20 anos aqui.
Recordo sempre algumas cenas hilariantes que a minha mulher, Nini, passadas comigo, a favorita era a do Parque da Prelada (Monte dos Burgos, Porto) quando um elefante no meio da larga rua se dirigia para o nosso Ford Fiesta e eu saí prontamente do carro para a segurança do passeio, deixando a desgraçada da condutora para enfrentar o paquiderme. (Estava um circo aboletado no Parque de campismo e os animais tinham ido dar uma volta). Outra vez, há muitos anos, em Macau (1981), depois do meu programa de rádio fôramos cear, eu, a minha ex-mulher e um cunhado, a um restaurante (quase em frente ao Hotel Estoril onde vivi seis meses na Sidonau Pasi ou seja Avª Sidónio Pais) e ao fundo, num canto, estavam dois grupos de uns 3 ou 4 indivíduos que pareciam pertencer às perigosas seitas chinesas, em mesas distintas. Antes da primeira cadeira voar, já eu acelerava ao volante do meu Toyota Cellica à espera que a mulher e o cunhado se me juntassem.
Tenho muitas outras cenas de escapatória do perigo e do desastre, mais bem descritas nos seis livros ChrónicAçores, mas por aqui se pode calcular que em caso de sismo, seria “ó pernas para que te quero e os pruridos e constrangimentos sociais viriam depois”. Não entendo como as restantes pessoas a quem interrogo sobre o tema, não têm pensamentos ou temores destes.
Por exemplo, morrer na sanita deve ser altamente desagradável, e de odor desaconselhável, para quem vier a descobrir o cadáver. Outra morte que, inversamente ao descrito me faz sorrir, é a do idoso fora de casa numa missão de infidelidade conjugal (com ou sem Viagra) que desfalece para toda a eternidade em pleno ato, granjeando direito a um epitáfio do género “viveu infeliz mas teve uma morte santa…” Mais pena teria eu da sua companheira de infortúnio que podia ficar traumatizada, sem rendimentos garantido nem direito a apoio psicológico ou acompanhamento especializado.
Não andarei longe da verdade se disser que a maior parte de nós queria era morrer no sono, para ao acordar se aperceber que o sonho não terminava e não era sonho, mas um despertar numa nova dimensão. Não, feliz ou infelizmente cheguei a uma idade em que já não acredito num céu de anjos e querubins com um São Pedro de barbas longas a verificar nomes na lista de convidados a admitir. Agora que o Papa Francisco proclamou que não há Purgatório, esse limbo, essa antecâmara de melhores momentos, creio que devemos interiorizar em termos de céu e inferno que este existe mas aqui. O inferno é a vida na Terra enquanto vivemos, pelo que o melhor é ser otimista e imaginar que outra dimensão (qualquer que seja) será algo melhor do que esta embora atualmente também não acredite no Terceiro Olho de Lobsang Rampa nem na reencarnação. Talvez não seja acreditar, mas antes a negação dum temor extremo, o de regressar como barata, como cucaracha nunca.
Chrys Chrystello*
*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713
MEEA-AJA (IFJ)