Aí está ele novamente, armado em cada casa açoriana, na de minha Irmã, com quem vivo, também. Esta é uma tradição da qual não convém nunca desistir, por mais que nos acenem com outras formas de viver a quadra do Natal, infelizmente prescindindo do seu conteúdo mais profundo, que é o nascimento de Jesus, Deus feito homem.
No presépio está o Menino Jesus, envolto em paninhos e deitado na manjedoura, adorado por Maria, sua mãe e por José, seu pai adoptivo, sob o bafo amigo dos animais que antes povoavam o local, com destaque para a vaca e o burro, oriundos da fértil imaginação do autor do primeiro presépio, que foi, há mais de oitocentos anos, São Francisco de Assis, nem mais nem menos.
Em toda a roda do presépio, vêem-se pastores e outras gentes transportando os seus presentes para o Deus Menino. E os Reis Magos também não faltam à chamada, guiados pela estrela que encima a gruta, trazendo místicos dons de ouro, incenso e mirra.
Tudo mais é acessório no presépio, mas também aparece, no de cá de casa, montado pelas mãos experientes de minha Irmã, que nunca abdica de tal tarefa, incluindo um vistoso lago feito de papel azul, no qual uma figura de mulher lava roupa e um outro boneco está pescando. Em casa do meu Irmão mais moço, que herdou as figuras do presépio pertencentes aos nossos Pais, um grupo de três jovens, com roupas de todos os dias, o que é totalmente anacrónico, toca vários instrumentos para alegrar o ambiente da noite bendita. E os mais novos absorvem espantados toda a sabedoria que se encerra nesses pequenos pormenores do presépio, atravessando os séculos e as sucessivas gerações.
Aí há bastantes anos atrás, houve a moda dos presépios vivos e fui ver um deles numa festa de Natal, na Igreja das Calhetas, na Costa Norte, onde era então pároco um fradinho franciscano, natural de Ponta Garça e com alma de poeta. O presépio, se bem me lembro, estava armado na capela mor, ocupando o ligar da imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem, titular da igreja; e o Menino Jesus era mesmo de carne e osso, recém nascido e acabado de baptizar, ao colo de uma menina já crescida, vestida de Nossa Senhora e com um rapaz à ilharga, vestido de São José. Aconteceu, porém, que o Hugo, que assim se chamava o Menino Jesus improvisado, começou a chorar e a pobre menina no altar não o conseguia fazer calar-se… Teve de vir a mãe verdadeira acudir e só depois a simulação pôde continuar. No fim da Missa do Galo, o Menino foi dado a beijar a todo o povo presente, que ainda não tinham aparecido as actuais restricções derivadas da pandemia. E eu também lá fui na fila dar um beijo ao Jesus-Hugo, que agora é um matulão e está com estudos universitários feitos e a trabalhar no estrangeiro. Quanto aos presépios vivos, consta-me que ainda o fazem em algumas creches e escolas infantis.
Feliz Natal!
João Bosco Mota Amaral*
*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo
Ortográfico)