Acenda-se de novo o Presépio no Mundo!
Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!
Como quem na corrida entrega o testemunho,
passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.
David Mourão-Ferreira, in: Voto de Natal
Não há como resistir ao apelo extraordinário das celebrações natalinas que contagiam toda gente com a sua mística semeando sonhos e desejos potencializados de amor, embalando a saudade, consolando a tristeza, partilhando a alegria, formulando votos de paz, de harmonia, de amizade inquebrantável e de acreditar que o milagre da Noite Santa se reproduzirá em 2025.
Aí reside toda a magia do Natal que vai do encantamento das crianças à criança que reside dentro de nós e que, por breve instante, reaparece na Noite Santa, sob as bênçãos e a complacência do Deus-Menino. Os anos passam, construímos nossa família, os filhos formam a sua e chegam os netos e os bisnetos. Envelhecemos. Entretanto, quando chega o Natal em que “acenda-se de novo o Presépio do Mundo”, tal qual clamou o escritor português David Mourão – Ferreira, renascemos na fé e esperançamos um novo amanhã. Ano após ano, sempre igual e sempre especial na repetição de um ritual milenar.
Mergulho no espírito da época que o tempo aproxima e trato de vivê-lo!
Faço questão de puxar da memória os natais da minha casa, os natais das nossas crianças: Clarisse, Murilo e Caroline e partilhar as tradições natalinas, muitas herdadas dos nossos ancestrais que atravessaram o Atlântico carregando no saco de viagem e no coração os usos e costumes de sua gente, e aqui, no Novo Mundo, foram reproduzidos e entrelaçados com outros povos. Santa Catarina é um verdadeiro patchwork étnico. Este é o verdadeiro encanto do Natal catarinense. A sua essência está no celebrar e confraternizar na diversidade cultural que nos identifica. Aos índios, portugueses e espanhóis, juntaram-se nos séculos seguintes os portugueses das Ilhas (açorianos e madeirenses), os alemães, suíços, austríacos, italianos, gregos, poloneses, ucranianos, holandeses, russos, letos, libaneses, sírios, japoneses e, nas últimas décadas, latinos e migrantes de outros estados brasileiros.Um mosaico de povos de todos os cantos do mundo que se revelam, em sua plenitude, no trabalho e nas grandes celebrações comunitárias e religiosas como as tradições natalinas. Tradições que se remontam há séculos e, ainda hoje, são comemorados da mesma forma que seus antepassados, pois estão perpetuadas na memória coletiva.
Nas últimas semanas pude comprovar este caldear étnico na música do canto coral, no artesanato e na culinária, onde iguarias foram enriquecidas ao longo dos anos com o saber dos índios e o tempero incomparável da cozinha africana. Interculturalidades tecidas e guardadas como receitas de família que passam de mão em mão. A minha família preserva os costumes dos nossos ancestrais açorianos que, passados 277 anos, ainda estão bem presentes nas nossas cidades e vilas, sobretudo no litoral catarinense. Os ritos do catolicismo, o advento e a missa do galo à meia noite (celebrada, hoje, às 21 horas). No âmbito doméstico os preparativos para receber o Menino sofreram influências culturais, comerciais com tantas ofertas a alindar o olhar e as inúmeras novidades tecnológicas a chegar de todo planeta em tempo real. O almoço dos velhos natais agora transformado na tradicional ceia natalina com peru assado, farofas, frutas tropicais, sobremesas e a troca de presentes à meia noite.
A primeira notícia sobre a celebração do Natal e Ano Novo em Desterro foi publicada no Jornal “O Mercantil” na edição de 1° de janeiro de 1868 como uma grande novidade que chegava do Rio de Janeiro, a capital da corte brasileira. Tenho lembrança do pinheiro erguido na casa dos meus pais no ano de 1956 e da mãe a contar histórias e partilhar as suas memórias e, hoje, as compartilho somadas às minhas. O presépio sempre foi o centro de tudo e em torno dele girava todas as celebrações. A imagem do Menino Jesus era entronizada na Noite Santa e os Reis Magos a seis de Janeiro. Nada era esquecido: a barba de velho, os seixos para a gruta de Belém, a estrela de ouropel, o capim verde cultivado semanas antes… tudo armado à moda da terra como faziam as minhas avós Sinhá e Carola, como fez minha mãe Zuzu e passou para os filhos e netos, e há 54 anos eu sigo fazendo…
Na principal praça de Florianópolis, onde a póvoa N.S. do Desterro nasceu, há 51 anos ergue-se um presépio magnífico que se espalha por todo jardim. Uma criação do pesquisador Franklin Cascaes, desenvolvido pelo discípulo Gelci Coelho, o Peninha e,a partir de 1993, mantém a tradição o artista e presepista Jone César de Araújo. O presépio de Floripa é açoriano na originalidade de todos os materiais utilizados na montagem ao lado da tradição universal, desde a sua primeira encenação em 1223 por São Francisco de Assis. Imagens em tamanho natural feita de barro cozido, cabaças de todos os tipos, rendas de bilro, redes de pesca e utensílios domésticos, conchas e estrelas do mar. Uma profusão infinita de elementos que fazem do Presépio uma obra de arte a ascender em todos o espírito natalino impregnado pela nossa mais lídima tradição insular chegada na manhã de 6 de Janeiro de 1748, a bordo da embarcação Jezus, Maria e Jozé.
Eis o meu canto de Natal! Vamos abrir a porta para o Menino e dar loas ao perdão e a esperança.
Quero continuar entoando todos os louvores com a energia que ainda impulsiona a minha vida e que carrego impregnada no jeito de ser. Até o momento de passar o bastão aos meus filhos e poetar como o grande Davi Mourão-Ferreira:
Acende-se de novo o Presépio nas almas.
Acende-se Jesus nos olhos de meus filhos.
Lélia Pereira Nunes *
- Escritora