Acabei de ler Como Fazer Frente a Um Ditador, de Maria Ressa, e devo confessar que a experiência foi reveladora. Ressa, jornalista filipina e cofundadora da plataforma de notícias Rappler, vencedora do Prémio Nobel da Paz em 2021, é um exemplo raro de coragem num mundo onde a verdade é cada vez mais uma mercadoria de difícil acesso. O seu livro é um alerta sobre o poder das redes sociais, que se tornaram um novo “quinto poder”, com a capacidade de moldar opiniões, dividir sociedades e fortalecer regimes autoritários. O que Ressa denuncia não é um acidente: trata-se de uma estratégia de manipulação, orquestrada por gigantes tecnológicos e governos coniventes.
Recentemente, o Facebook anunciou que deixará de financiar a verificação de factos (fact-checking). Ao negligenciarem a desinformação, estas plataformas tornam-se cúmplices na propagação de fakenews, enquanto, paralelamente os jornais locais são enfraquecidos. Este cenário tem implicações sérias, pois as redes sociais, em vez de serem simples ferramentas de comunicação, tornaram-se grandes amplificadores de desinformação, sem qualquer regulação eficaz para travar a manipulação das massas.
Se pensávamos que as redes sociais eram um terreno fértil apenas para manipulações políticas pontuais, a ascensão de figuras como Elon Musk ao topo da pirâmide económica mundial revela um cenário ainda mais preocupante. Musk, além de ser o homem mais rico do mundo, tem vindo a assumir uma postura política cada vez mais proeminente. A aquisição do Twitter e os ataques constantes à soberania de outros países mostram que o poder das corporações tecnológicas ultrapassa o mercado digital. Musk tem-se mostrado empenhado em remodelar o mundo à sua imagem, ignorando as fronteiras nacionais e influenciando decisões políticas à escala global. A sua postura, cada vez mais autoritária, parece encarnar a fusão entre o poder coorporativo e o poder político, tornando as redes sociais num campo de batalha sem regras.
Este crescente poder das grandes corporações tecnológicas, como Musk e Zuckerberg, não afeta apenas as democracias, mas também a soberania dos países. O que estamos a assistir é uma concentração de poder em mãos de um número reduzido de indivíduos e empresas, que controlam narrativas e, cada vez mais, políticas internacionais. O que, até há pouco tempo, eram fronteiras claras entre Estado e empresas, agora parece estar a desaparecer, e a regulação necessária para travar esta ascensão do “quinto poder” digital continua a ser negligenciada pelas democracias.
A Visão Regional: A Ascensão dos “Bots” nos Açores
Se pensávamos que o fenómeno da desinformação era algo distante, próprio de regimes autoritários ou de grandes potências, enganámo-nos. Nos Açores, à escala local, também estamos a viver uma versão reduzida e amadora desta realidade global. Quando Maria Ressa fala dos “bots”, não está apenas a referir-se a algoritmos que espalham mensagens. Está a falar de pessoas reais, algumas vezes escondidas por trás de perfis falsos ou anónimos, que atuam de forma dissimulada para manipular a opinião pública. E nos Açores, este fenómeno já é uma realidade bem conhecida, embora nem sempre reconhecida.
Aqui, como em muitos outros lugares, o uso de bots é, muitas vezes, uma operação orquestrada por interesses locais, alegadamente com dinheiro público envolvido. Pessoas pagas, direta ou indiretamente, para monitorizar redes sociais, influenciar debates e, acima de tudo, semear a discórdia.
O livro de Maria Ressa serve de alerta não apenas para países com regimes autoritários, mas para todos os lugares onde o controle da informação está a ser monopolizado por poucos. Não se trata de uma luta entre esquerda e direita, mas entre a liberdade e o autoritarismo.
No fundo, a pergunta que fica é simples: até onde vamos permitir que este novo poder cresça sem rédeas? Se não fizermos nada, ele tomará conta de tudo, desde as redes sociais até a política local. E, como Maria Ressa bem aponta, no final, quem controla a informação, controla a liberdade. E a nossa liberdade está a ser constantemente reescrita e circunscrita.
Daniela Silveira