Logo se nos deparou o caso da Gronelândia, quando começamos a estudar, no âmbito do Governo da nossa Região Autónoma, a questão da adesão às Comunidades Europeias, decidida pelo I Governo Constitucional com o confessado intuito de dar um rumo novo a Portugal, agora como País Europeu de pleno direito, uma vez terminados os 500 anos de imperialismo português.
A Gronelândia era já então uma Região Autónoma da Dinamarca e, tendo acompanhado o país a que pertencia na adesão às Comunidades Europeias, encontrava-se em processo de saída, o mesmo acontecendo, salvo erro, às Ilhas Faroe, outra região insular dinamarquesa. Por seu turno, algumas das pequenas ilhas e arquipélagos circundantes das Ilhas Britânicas, tinham logo à partida recusado acompanhar o Reino Unido na entrada para as Comunidades e mantinham-se no esplêndido isolamento que lhes permitia o seu estatuto semi-feudal de ligação pessoal à Soberana, mas com os seus órgãos de governo próprio a funcionar plenamente e assegurando mesmo um reforçado estatuto de “paraísos fiscais”, no caso das ilhas situadas no Canal da Mancha, e designadas como Ilhas Anglo-Normandas, beneficiando da proximidade geográfica a Londres e a Paris.
Se havia ilhas incomodadas com as implicações da adesão, impunha-se ao Governo da nossa Região Autónoma estudar bem o assunto para evitar decisões precipitadas. E se porventura a decisão razoável fosse ficar de fora da adesão projectada e em começo de negociação pelo Governo Português, haveria de encontrar-se a solução adequada, dentro dos princípios democráticos que tinham levado à instituição da Autonomia Constitucional.
Pedi que se encarregasse de tal trabalho um então jovem economista e diplomata, António Patrício Gouveia, que anos mais tarde viria a ser o Chefe de Gabinete do Primeiro Ministro Francisco Sá Carneiro, morrendo aliás com ele no trágico acidente de Camarate. O resultado foi inequívoco: as nossas estruturas económicas eram completamente diferentes das Ilhas Dinamarquesas e Britânicas investigadas, pelo que nos convinha muito a adesão, desde logo por causa do vigor que então se votava à Política Agrícola Comum, um dos esteios do processo de integração europeia.
Enquanto prosseguíamos com a negociação da nossa entrada nas Comunidades Europeias e nelas íamos traçando o caminho que levou à definição da desde sempre pretendida “política europeia para as ilhas”, o que veio a ficar consagrado no próprio texto dos tratados actualmente em vigor com relação às Ilhas Ultraperiféricas, a Gronelândia concretizou o seu processo de saída e deixou de estar submetida às regras europeias, embora tendo o Governo de Copenhague assegurado alguns benefícios mínimos para os produtos da pesca da ilha nórdica.
Em alguma ocasião, ainda tentei trazer os responsáveis gronelandeses ao diálogo em curso então envolvendo as Ilhas Europeias. Ao saber pela Imprensa da eleição de um novo Presidente do Governo Regional da Gronelândia, logo lhe enderecei uma carta de felicitações e de convite a juntar-se aos preparativos para a nova Conferência das Ilhas Europeias, que se iria realizar nas Ilhas Aland, em pleno Mar Báltico. Estou a escrever de memória, mas julgo que a cópia da carta deve constar do Arquivo Oficial da Presidência do Governo. Em todo o caso, lembro bem que nunca tive resposta à diligência feita, o que me convenceu do desinteresse dos responsáveis gronelandeses pelas questões europeias, bem empenhados como estariam, as escassas dezenas de milhar dos seus habitantes, descendentes dos Povos Esquimós colonizados pelos vikings idos da Dinamarca e da Noruega, há bastantes séculos atrás, no aproveitamento dos seus recursos pesqueiros e outros, suficientes para lhes proporcionar o desejado bem-estar.
Agora salta a Gronelândia para o primeiro plano das questões internacionais de actualidade, graças à descabelada pretensão do Presidente Eleito dos Estados Unidos em comprá-la ou ocupá-la pela força militar. A reacção dinamarquesa e europeia não se fez esperar e começou por ser firme, lembrando a inviolabilidade das fronteiras nacionais, mas já me parece estar-se adoçando, com os inevitáveis apelos ao diálogo… E o mais significativo é o reconhecimento dos particulares direitos dos gronelandeses na gestão do seu território e na definição dos seus interesses próprios.
Saído do anonimato, o Presidente do Governo da Gronelândia aparece agora a dar conferências de imprensa conjuntas com a Primeira Ministra da Dinamarca; e vai logo trazendo à colação as aspirações de independência da respectiva população, que deverão ser tidas em conta nas próximas eleições regionais, a realizarem-se em breve.
A questão da Gronelândia está pois para durar. E não estamos livres que os ímpetos do Presidente Eleito dos Estados Unidos se estendam às nossas Ilhas dos Açores, onde se mantém uma base militar norte americana vai já para oitenta anos.
João Bosco Mota Amaral*
*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)