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Da China, vírus e negócios

“Apenas 2% do total das 9771 camas disponíveis nas 377 unidades de cuidados continuados do país pertencem ao sector público. As restantes 98% camas são operadas por entidades sem fins lucrativos, como a Santa Casa da Misericórdia, IPSS ou privados.”

O tema da semana: O metapneumovírus humano (hMPV), um novo “vírus chinês”…?

O hMPV NÃO É um novo. Identificado pela primeira vez em 2001, circula na população humana há muito tempo. É um vírus comum, sobretudo no Inverno e Primavera. Geralmente causa sintomas semelhantes aos de uma constipação.
As razões pelas quais aumentou na China (estando agora a diminuir) não são difíceis de entender: como muitas infecções respiratórias, o hMPV é mais activo no final do Inverno e na Primavera, porque os vírus “sobrevivem” melhor no frio, e podem ser transmitidos mais facilmente de uma pessoa para outra nessa época, já que as pessoas passam mais tempo em ambientes fechados, em espaços com as janelas fechadas, mal ventilados.
No norte da China, o actual pico de hMPV coincidiu com temperaturas baixas, que durarão até Março. No hemisfério norte, outros países também estão a ter um aumento nas taxas de hMPV. A Organização Mundial da Saúde (OMS) monitoriza as taxas de doenças semelhantes à gripe no hemisfério Norte, e já comunicou que não recebeu nenhum relatório de padrões incomuns de surtos na China, ou noutros lugares. O governo chinês confirmou que o sistema de saúde não está sobrecarregado, e que não houve nenhuma declaração de emergência.
A maioria dos casos é leve, mas as crianças pequenas, os adultos com mais de 65 anos e as pessoas com o sistema imunitário enfraquecido correm maior risco de doença grave. O hMPV por vezes causa infecções respiratórias baixas, como pneumonia, ou piora a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC).
Os cientistas estimam que cerca de 10% a 12% das doenças respiratórias em crianças são causadas pelo hMPV. Apesar da maioria dos casos ser leve, cerca de 5% a 16% das crianças desenvolvem uma infecção do trato respiratório inferior.
Saliente-se: o hMPV é comum — a maioria das pessoas contrai-o antes de fazer os 5 anos. Podemos contrair hMPV novamente, mas os sintomas geralmente são leves, depois da primeira infecção.
O hMPV é semelhante ao VSR (vírus sincicial respiratório), faz parte do mesmo grupo científico — e pode causar sintomas semelhantes. O pico para doença grave por hMPV é entre os 6 e 12 meses, enquanto o VSR tem maior probabilidade de causar doença grave em bebés com menos de 6 meses.

O hMPV espalha-se através do contacto directo com alguém que o tenha, ou por se tocar em objectos contaminados com o vírus. Qualquer um de nós pode reduzir o risco de contrair o hMPV, e muitas outras doenças infecciosas, se:
Lavar as mãos frequentemente com água e sabão. Se não puder usar água e sabão, use um higienizador de mãos à base de álcool.
Cobrir o nariz e a boca — com o cotovelo, e não com a mão — quando espirrar ou tossir.
Evitar ficar perto de outras pessoas, quando estiverem “constipadas”.
Usar máscara se estiver doente, e não puder ficar em casa.
Evitar tocar no rosto, olhos, nariz e boca.
Não partilhar alimentos ou utensílios de cozinha (garfos, colheres, xícaras) com outras pessoas.

A homenagem da semana: à resiliência dos portugueses…

O Eco (eco.sapo.pt), na semana passada, mostrou que os portugueses, em 2023, gastaram 26,5 mil milhões de euros em cuidados de saúde, ou seja, 10% do PIB português, com especial destaque nos cuidados em ambulatório, o que se traduziu em 46% do total da despesa.
Os dados constam do estudo “Portuguese Healthcare and Senior Living” sobre o sector das residências sénior e cuidados de saúde, que deixa ainda um alerta:
Apenas 2% do total das 9771 camas disponíveis nas 377 unidades de cuidados continuados do país pertencem ao sector público. As restantes 98% camas são operadas por entidades sem fins lucrativos, como a Santa Casa da Misericórdia, IPSS ou privados.
O estudo revela também que das 36000 camas disponíveis nos 143 hospitais do país, 11700 camas pertencem ao sector privado. E que, do total das camas dos hospitais privados, 35% estão nas mãos dos 5 principais operadores: Trofa Saúde, Luz Saúde, José de Mello, Lusíadas e Grupo HPA Saúde.
“Em 2023 existiam mais de 1800 pessoas a aguardar uma cama em cuidados continuados, e é previsível que este número venha a aumentar”. Segundo este estudo, “um dos motivos pelos quais se apresenta tão atrativo investir no setor dos cuidados de saúde prende-se com o rácio de cama por habitante, pois se na Europa este rácio é de 5,3 camas por cada 1000 habitantes, em Portugal situa-se nas 3,5 camas por 1000 habitantes”.
O estudo analisou ainda os lares existentes em Portugal, reportando que 25% das 2632 unidades em funcionamento são operadas por empresas privadas. As Residências Montepio, o Grupo EMEIS, a DomusVi, a PSHC e Naturidade são os 5 principais proprietários de lares, com mais de 3800 camas. “A taxa de ocupação dos lares em Portugal é de 91,8%; 70% dos utilizadores esteve nestas unidades por um máximo de 5 anos, enquanto 10% esteve numa destas estruturas durante 10 anos ou mais.”
Entre as principais atrações para investir neste sector, elenca o mesmo estudo, estão o aumento significativo do número de idosos e pessoas dependentes, o elevado desequilíbrio entre oferta e procura, a falta de oferta de cuidados especializados, a elevada faixa populacional com cobertura de seguro de saúde (1/3 da população) e a atractividade de Portugal junto de reformados estrangeiros.
Como sempre, nestas coisas, não é difícil fazer Planeamento neste país: os dados estão aí, acessíveis, e as tendências são fáceis de estimar. Preparar o futuro não é difícil.
Resta-nos esperar o nosso fado, sem Amália, de “um povo que não se governa nem se deixa governar”, como terá dito Júlio César há mais de 2000 anos, sobre os habitantes dos confins da Ibéria. E que acaba sempre da mesma forma: a lamúria por não se fazer algo, que deveria ter sido feito. Mas não o foi, porque há sempre uma razão para tal, apesar de a maioria de nós não conseguir entender qual era…

Mário Freitas*

  • Médico, Coordenador Regional da Saúde Pública dos Açores
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