Há dias viajei de Ponta Delgada para as Flores. O tempo estava mau nas Flores. Vento muito forte, de um sul duvidoso, com variação acima daquilo que é considerado aceitável. Todos os florentinos têm acesso ao metar e a diversos sites de previsão do tempo de modo que não tem como enganar um residente.
A primeira fase do voo foi normal: Ponta delgada/ Horta sem incidentes.
Ao aterrar na Horta, num dia de mau tempo, florentino que se preze prepara-se mentalmente para a saga do cancelamento: autocarro, hotel Horta, novo horário e vamos a isso.
Não aconteceu. Mandaram embarcar. Ao entrar no avião ninguém me pareceu assustado. O assistente de bordo dissera o nome do comandante. E todos sabemos que é um dos especiais. Não revelo o nome porque, na realidade, a melhor coisa que a Sata tem são os comandantes sem desmerecer dos funcionários.
Na verdade, o nome do comandante também me fez sentir super segura. Não tenho o prazer de o conhecer pessoalmente mas tenho muitas horas de voo e centenas de aterragens no nosso aeroporto.
O vôo foi excelente e a aterragem exemplar. Atribulada mas exemplar.
Quando estávamos à beira de assentar rodas na pista, tive o tal “insight”: quando a malta confia, não questiona.
O problema maior deste mundo, neste momento é, efetivamente, falta de confiança. E essa falta de confiança advém do facto de termos conhecimento excessivo das fragilidades de quem tem nas mãos o nosso destino coletivo.
Deixamos de acreditar no amor quando percebemos que os abusos sexuais a crianças e menores, podem dar-se na família.
Deixamos de acreditar na igreja quando percebemos que os padres fazem bem diferente daquilo que pregam. Também sabemos que o caminho para Deus não tem que passar por aí.
Deixamos de acreditar na justiça quando percebemos que os julgamentos demoram anos e que bons advogados fazem milagres.
Deixamos de acreditar nas escolas porque achamos que elas são responsáveis pelos maus filhos que educamos.
Deixamos de acreditar em concursos porque nos vemos ultrapassados por pessoas a quem não reconhecemos competências superiores às nossas.
Deixamos de acreditar no que diz a televisão porque sabemos o que são fake news.
Duvidamos de todos os políticos porque supomos que todos agem apenas pelo desejo de poder.
Deixamos de acreditar na ciência porque ouvimos falar todos os dias de conluios para matar o excesso de habitantes do planeta com vacinas e vírus terríveis disseminados durante a noite por aviões silenciosos pilotados por malfeitores.
Estamos rodeados de medo por todos os lados. De dúvidas. Nada é o que parece. E a confiança, a força que nos mantém vivos, está á mercê de políticos duvidosos e irracionais. O discurso político e televisivo infantilizou-se, bestializou-se, não faz sentido.
Não confiamos nos outros porque percebemos que estão focados nos nossos defeitos e nos nossos erros e nunca nas nossas qualidades.
Não temos a certeza se podemos confiar em nós mesmos porque temos tanta informação que nos perdemos nos nossos bons propósitos.
Eu confio nos comandantes da Sata e isso deixa -me feliz. De repente, também acredito nos médico com quem me trato, nas análises clínicas e nos meios auxiliares de diagnóstico em geral.
Vivemos em bolhas mediáticas. A vida de muita gente depende de likes e de votos. E, para terem essa aprovação, são capazes de tudo. A política está abaixo do nível dos cidadãos e a democracia foi transformada num jogo. As pessoas não são escolhidas por serem competentes mas pelo número de votos que conseguem controlar. Vá lá a gente entender o lado democrático deste negócio.
As eleições presidenciais ainda são só daqui a um ano mas já o general as ganhou, sem se candidatar e sem falar. Se há quem entenda isto, que me explique.
As redes sociais estão cheias de notícias todas e na Assembleia da república e não só, seguem insultos, palavrões e outras manifestações e expressões de origem duvidosa. Os problemas dos cidadãos não interessam nada porque, na hora de votar, vão que nem cordeirinhos fazer o que o partido mandar.
Eu não irei. Garanto.
Gabriela Silva