Em Janeiro de 2026 assinalam-se 50 anos da criação da Universidade dos Açores, facto histórico — e acto político — da maior importância para a autonomia regional e a superior qualificação dos insulanos, até então forçados a irem completar os seus estudos a academias portuguesas, europeias ou norte-americanas. Sucede que, em paralelo, governantes lúcidos e de vistas largas determinaram a constituição duma Bibliografia Geral dos Açores e, pouco mais tarde, a publicação de uma Enciclopédia Açoriana — processos esses que acabariam atrofiados por obstáculos de diversa ordem, a letargia sendo um deles, até que um foi literalmente abandonado e o outro «arrumado» numa plataforma digital obsoleta, cuja representação visual nos pode ser dada por aquele sinal de trânsito que indica um beco sem saída.
Nesta série de artigos já tive ocasião de me referir especificamente à Bibliografia Geral dos Açores por Afonso e à Enciclopédia Açoriana preparada por uma equipa que teve à cabeça Artur Teodoro de Matos e Luís Arruda, e hoje volto a fazê-lo precisamente por entender que ambas se combinaram como pilares para a construção da Universidade dos Açores, e que a efeméride do primeiro meio século desta instituição pode dar uma ajuda substanciosa na reparação do que ainda falta fazer naqueles sábios projectos das duas últimas décadas de Novecentos. João Afonso faleceu em 2014 e não viu impressos senão três tomos, correspondentes às primeiras seis letras do alfabeto, e a pobre da Enciclopédia ficou parada no tempo, sem actualizações de toda a ordem, porém claramente justificadas, seja nos verbetes existentes, pelo imparável progresso dos conhecimentos, seja por indexação de muitos outros novos, que três décadas de vida açoriana não podem ter deixado de justificar.
Em Agosto de 2023, na cerimónia que assinalou o centenário do escritor e pesquisador angrense, sugeri que no prazo de um ano — que me parecia e ainda parece muito razoável — os materiais inéditos da Bibliografia Geral preservados no seu espólio na Biblioteca Pública Luís da Silva Ribeiro fossem organizados e levados a impressão, ao mesmo tempo que se avançasse com a edição em papel dos dois volumes apenas disponibilizados em formato digital de penosa consulta — o que o director regional de cultura Nuno Duarte Chaves fez em poucos meses, e merece ser elogiado também por isso. Quanto à delicada tarefa editorial que permita completar a série (letras O a Z), é de crer que absolutamente nada foi feito, talvez porque a falta de recursos humanos serve sempre às mil maravilhas, e sem pudor, de justificativo útil para mascarar fracos impulsos de vida e menor vontade de trabalho efectivo, desde logo por parte das actuais figuras directivas da DRAC. No artigo que neste jornal dediquei a 22 de Fevereiro de 2024 à Bibliografia Geral dos Açores, recomendava até que essa intervenção sobre os papéis deixados por João Afonso fosse levada a cabo por bibliotecários de Angra do Heroísmo e Ponta Delgada, com a ajuda dum colega da Universidade dos Açores — e todos em dedicação exclusiva —, o que garantiria que se fosse melhor e mais depressa. Não serviu para nada, mas talvez a UAc queira agora chamar a si a liderança desse processo, no quadro das comemorações que tanto a distinguem — e mais ainda, enquanto primordial produtora de conhecimento da Região, que assuma a direcção dos trabalhos de preparação dos habituais suplementos ou aditamentos bi- ou trianuais, além da criação duma versão online capacitada com ferramentas de busca de última geração, que a comunidade científica internacional em que se inclui lhe pode apontar com provada eficácia (algo que escapa ao alcance do arcaísmo funcional da DRAC, como a sua «revista de cultura» tão bem exemplifica).
Também a requalificação da Enciclopédia Açoriana e a sua dinamização futura — que parece estar totalmente ausente dos propósitos estratégicos da actual direcção da DRAC (e terá alguns?!, é mesmo de perguntar…) —, que desde o início tanto beneficiou com a colaboração dos seus académicos, há que lembrá-lo, só parece exequível se assumida pela Universidade dos Açores em parceria com o Governo Regional, mobilizando recursos europeus e norte-americanos.
Vasco Pereira da Costa recomendava, numa entrevista recente, que a Cultura passasse para a tutela directa do presidente José Manuel Bolieiro. Concordo com ele, pois seria pelo menos uma promessa de vontade, autoridade e articulação institucional. Tal como está— e o que está está bem à vista e há demasiado tempo —, a DRAC não serve rigorosamente para nada (não faz, não pensa, não quer). Importa até dizê-lo preto no branco e com todas as letras.