Quando construíram e alargaram a hoje Avenida Conselheiro Luís de Bettencourt, em Ponta Delgada, na década de 1960, houve necessidade de retirar a Ermida da Santíssima Trindade, que ficava junto ao palacete de um dos ramos da família Andrade Albuquerque de Bettencourt, no início de uma rua lateral.
Como esta família possuía um espaço livre nas proximidades do Jardim António Borges, de quem era de resto aparentada, decidiu preservar – e muito bem! – a Ermida da Trindade, desmontando-a e reconstruindo-a precisamente nesse local, mais tarde vendido, na sequência de partilhas e heranças.
Apesar de muito antiga e graciosa, penso que a Ermida da Trindade nunca foi classificada pelos poderes públicos, porque se tivesse sido não seria possível construírem agora um monstro imobiliário quase encostado ao pequeno monumento religioso. É incrível!
A Ermida da Trindade tão vetusta é que o muito ilustre sacerdote, historiador e humanista Gaspar Frutuoso ( 1522-1591) já faz referência a esse monumento religioso na sua grandiosa e valiosa obra “Saudades da Terra”. É, portanto, um dos templos mais antigos dos Açores. Mas, pelos vistos, ninguém quer saber disso.
A Ermida da Trindade, como é mais conhecida, é propriedade privada, mas como tem inegável valor histórico possui óbvia relevância pública, mas isso não foi acautelado nem pela Secretaria Regional da Cultura nem pela Câmara Municipal de Ponta Delgada, o que é de lamentar. Os interesses imobiliários mandam muito, por vezes.
Entretanto, a Ermida da Trindade foi vandalizada, pelo que o recheio desapareceu. Tudo convergiu, pois, infelizmente, para que o pequeno monumento não tenha o respeito que deveria merecer.
Escrevi e publiquei neste jornal, há algum tempo, um desenvolvido artigo a defender a Ermida da Santíssima Trindade, já temendo o pior, mas não serviu de nada. Entretanto, já a amputaram de um anexo, que funcionou como sacristia, tanto quanto é do meu conhecimento. Não me admiro nada que esse tão histórico templo acabe mesmo totalmente demolido, perante a fúria imobiliária e a estranha passividade da Secretaria Regional da Cultura e da Câmara Municipal de Ponta Delgada. Acordem, senhores! Urgentemente!
A obra em curso junto à Ermida da Trindade deveria ser imediatamente suspensa, para ser elaborado e definido um efetivo plano de salvaguarda do referido templo, antes que seja tarde demais. Repito: antes que seja tarde demais.
Os vários e distintos historiadores micaelenses não têm nada a dizer sobre o que estão a fazer à Ermida da Trindade? Desconhecem o assunto? Têm receio de se pronunciar? Não os deixam falar? O que se passa? Creio bem que os saudosos historiadores Luís Bernardo Leite de Athayde, Hugo Moreira, João Bernardo de Oliveira Rodrigues, Luciano Mota Vieira, Nestor de Sousa, Manuel Ferreira, Francisco Carreiro da Costa e Urbano de Mendonça Dias, entre outros, não se remeteriam ao silêncio perante a situação em causa. Todos somos poucos para defender e zelar pelos valores da nossa terra.
Quem não preserva o valioso passado não terá bom futuro! O património – todo ele, nomeadamente arquitectónico, artístico, cultural, religioso, musical e etnográfico – é o melhor que possuímos. Os interesses financeiros, imobiliários e turísticos são muito respeitáveis e positivos, mas desde que não prejudiquem o património regional e a identidade açoriana.
Tomás Quental Mota Vieira