Edit Template

A mentalidade das Cruzadas

“Comentadores, governantes, organismos internacionais e até confissões religiosas, tudo alegam para justificar o direito dos países à sua defesa e retaliação perante ameaças e invasões à sua soberania.”

A actualidade internacional que diariamente consumimos por intermédio das TV’s e redes sociais é difícil de entender pelo cidadão comum.
A diversidade de comentários e opiniões dos quadrantes mais diversos, a que se juntam declarações de governantes de países em litígio, dificultam ao cidadão comum poder efetuar um juízo sobre as motivações que originam a insegurança, a instabilidade e os conflitos mundiais.
Num abrir e fechar de olhos, a guerra alastrou-se no Médio Oriente, fazendo milhares de vítimas indefesas e inocentes que sucumbem à fome e ao poderio maléfico dos armamentos.
Tudo acontece sem que tomemos uma atitude de repúdio e protesto perante a gravidade da violência servida gratuitamente a todos, nomeadamente às crianças e aos jovens, como se de lá não viesse mal ao mundo.
É como se já não fosse um crime matar; como se, eticamente, fosse admissível a violência gratuita; como se a fome não fosse uma desumanidade, um atentado contra o direito à vida.
Comentadores, governantes, organismos internacionais e até confissões religiosas, tudo alegam para justificar o direito dos países à sua defesa e retaliação perante ameaças e invasões à sua soberania.
O maior perigo da humanidade perante os acontecimentos trágicos que se vivem em Gaza, na Ucrânia, em Israel, no Irão, na Síria e mesmo em África, é desvalorizar-se a perda de milhares e milhares de vítimas e as condições infra-humanas dos povos afetados, bem como o elevado número de migrantes e refugiados daí resultantes.
Presentemente, ninguém fala da situação em Gaza, onde centenas e centenas de milhares de palestinianos sofrem os horrores da guerra, da fome e da falta de condições sanitárias. O mundo esqueceu aquela gente que tudo perdeu e agora deambula entre cadáveres à espera da morte.
Ao contrário, proclama-se a capacidade militar e nuclear de Israel para atacar os povos vizinhos, nomeadamente o Irão, por este ter em processo de fabrico, armas nucleares de destruição maciça.
No ocidente, os poderes não criticam o incontrolado armamento nuclear de Israel, todavia exigem a Teerão a extinção do seu arsenal nuclear.
Desta visão parcelar e unilateral se vai formando a mentalidade dos europeus e ocidentais, criando neles a doutrina religiosa que presidiu às Cruzadas medievais. Como se o Islamismo fosse uma religião proscrita e os seus seguidores, gente criminosa, infiel, demoníaca.
Em 2016, o Papa Francisco afirmou “não ser justo associar o Islão à violência. O Islão é uma religião de paz, que prega a igualdade entre os seres humanos, a caridade, a compaixão e a preservação da vida. Por isso, é inadmissível que se use o islamismo como bandeira para a prática de atos de violência.”
O papa Francisco pronunciava-se a propósito da morte em Paris de um sacerdote católico por cidadãos islâmicos. Francisco acrescentou que a religião não é a responsável pelos atos violentos. ”Não devemos ter medo de falar esta verdade. O mundo está em guerra, porque perdeu a paz”. “Não é uma guerra de religião. Há uma guerra de interesses. Há uma guerra por dinheiro. Há uma guerra por recursos naturais. Há uma guerra pela dominação de povos. Isto é a guerra”.
Há dias, Leão XIV apelou ao cessar das hostilidades afirmando que “o coração da Igreja está dilacerado pelos gritos que vêm das zonas de guerra, especialmente da Ucrânia, Irã, Israel e Gaza.” E acrescentou: “Em nome da dignidade humana e do direito internacional, repito aos responsáveis o que o Papa Francisco costumava dizer: “a guerra é sempre uma derrota”. E com Paulo VI, “nada se perde com a paz. Tudo se perde com a guerra”.
Após a participação do poderio armamentista dos Estados Unidos no conflito Israel-Irão, comentadores e representantes de instituições internacionais, têm manifestado uma visão unilateral e parcelar desta guerra, com explicações que descambam num triunfalismo bélico que dificilmente conduzirá à paz e entendimento duradoiros entre as partes.
Os dirigentes políticos devem ser comedidos ao pronunciarem-se sobre negociações e processos militares. De contrário, acentuam-se as divergências, aumentam as hostilidades e quem sofre são as populações indefesas.
Banalizar a morte, o sofrimento, a fome e a falta de condições dignas de vida, é um retrocesso civilizacional enorme, de consequências imprevisíveis no desenvolvimento dos povos.
Os autores desta pedagogia sabem que ela entra, sub-repticiamente na mentalidade dos mais novos, cujos princípios morais e éticos são, permanentemente, aliciados por novas e diferentes maneiras de pensar e agir.
Para que o direito à vida seja o primeiro e mais importante direito universal é imperioso acabar com as pequenas e grandes guerras que grassam por aí: desde o pequeno mundo doméstico ao mais extenso ou recôndito território.
A morte não pode tornar-se o único sentido da vida.

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

Edit Template
Notícias Recentes
Terra Nostra lança colecção de roupa Happy Cowllection
Arquinteto em concerto na Ermida de São Pedro nos Fenais da Luz
Chega exige transparência sobre dados do goraz nos Açores
Presidente da Assembleia Legislativa manifesta profundo pesar pelo trágico acidente ocorrido no Elevador da Glória em Lisboa
André Franqueira Rodrigues salienta “reforço do compromisso da Comissão das Pescas com as Regiões Ultraperiféricas no Orçamento para 2026”
Notícia Anterior
Proxima Notícia

Copyright 2023 Diário dos Açores