Penso que todos os residentes nos Açores – açorianos ou outros, que fazem deste arquipélago o seu sítio ideal para viverem – desde o início da era autonómica se habituaram a ver no governo regional, mais precisamente no seu presidente e secretários regionais de qualquer partido, pessoas bem qualificadas e de princípios que ao se habilitarem, através de eleições, pretenderam governar coerentemente a região.
Deduzo que pretendem dar o seu melhor – podendo no entanto haver problemas e situações pontualmente resolvidas de maneira menos correta – sempre no ótica de quem quer tudo de positivo para os que vivem na região.
Considerei sempre que o governo funcionava de modo “uno” e consequentemente com uma chefia única e bem identificada, com a tomada de decisões politicas pelo presidente ou por delegação deste.
Sinto-me no entanto confuso porque durante os últimos tempos tenho ouvido/lido pouco com origem no presidente e talvez demais de um ou outro secretário regional.
A última que me foi dada a conhecer pela comunicação social regional foi uma “tirada” do secretário regional das finanças e afins, que surge a afirmar a propósito da privatização da SATA que ou se resolve o assunto – privatizar parte da companhia aérea de bandeira da região – até ao fim do presente ano ou ter-se-á que declarar a sua insolvência.
Isto, dito desta maneira, é muito forte e leva-me de imediato a perguntar o que se terá passado nos últimos meses com a negociação da privatização da companhia aérea, para nos estarem a “preparar” para que se tal não se concretizar seja necessário declarar a sua insolvência.
Segundo o secretário regional das finanças e coisas afins se se declarar a insolvência da SATA a região, leia-se todos os residentes que pagam impostos nos Açores, terão de suportar custos de pelo menos 800 milhões de euros.
Será um passivo nas palavras do secretário “que já lá está”(que termos são estes?) acrescido dos inevitáveis “300 milhões se euros de pagamentos de indemnizações aos trabalhadores”.
Para que não soframos o secretário das finanças e afins afirma, no entanto, que a conclusão do processo de privatização tem “a decisão a bom ritmo”.
A Azores Airlines apresentou no ano passado um prejuízo de 71 milhões de euros. Segundo a secretaria regional dos transportes Berta Cabral tal resulta do “impacto extraordinário”, seja isto o que for, e que correspondente a uma parcela de 53,4 milhões de euros.
Mas a secretaria dos transportes também afirmou que tem confiança e que os primeiros meses do corrente ano “evidenciam uma evolução positiva”. E eu que sempre ouvi os especialistas nesta área afirmar que os primeiros meses do ano são os piores ou terei ouvido mal?
Parece-me que este ano caminhamos para uma situação idêntica aos anteriores no que respeita os prejuízos, pese embora haja mais voos, mais passageiros, menos serviços gratuitos a bordo, mais vendas, mais…mais…e mais.
No que respeita a esta muito débil situação financeira da região, para manter a população despreocupada, eis a palavra “master” do presidente Bolieiro ao afirmar, há poucos dias, que irá ter uma reunião com a República, presumo que com Luís Montenegro, e que vai “colocar os pontos nos i’s”.
Mas há tantos i’s para pôr pontos?
Sentia-me bastante satisfeito se o presidente do governo fizesse uma lista dos i’s, para nosso conhecimento antecipado, de modo a que depois dessa reunião, entre membros do mesmo partido, pudéssemos verificar quais/quantos dos i’s passaram a deixar de constar da lista. Ou isto é aquela situação do tipo “ameaça” de quando eramos crianças e perante uma rixa com amigos, dizíamos “agarrem-me senão eu bato!”.
Nessas situações de quando eramos criança a amizade não acabava, nem chegávamos a bater no hipotético adversário por sabermos que ele era mais forte e não conseguiríamos fazer valer os nossos interesses.
Mais uma vez, a República irá cumprir a obrigação de apenas ouvir a região e assobiará para o lado, continuando tudo como dantes, para não variar.
Entretanto enquanto o secretário das finanças e afins assume como necessário fazer planos de recuperação financeira, para conter a dívida em consequência da calamitosa despesa “estar numa situação descontrolada”, Bolieiro – o presidente do governo regional – confirma que “há uma situação galopante de endividamento”.
Nisso estão todos (governo) de acordo, e eu também com eles!
Falta-me acreditar nas palavras de Bolieiro quando afirma que é “inequívoca a oportunidade para a economia açoriana” e que a mesma está a “crescer como nunca” (até faz barulho), finalizando o seu superior pensamento sobre a economia insular, afirmando “que não está perfeita, mas recomenda-se”. A quem?
A economia açoriana é limitada e bastante sensível, não existindo bases estruturais seguras, sem hipótese de economias de escala, com empresas pequenas, subdividida em nove parcelas dispersas, cada vez mais dependente das importações, sem um sistema de transportes devidamente estudado e implementado e com falta de mão-de-obra e um planeamento muito a desejar.
Preocupa-me os próximos doze meses em que teremos de concretizar os investimentos do plano de recuperação e resiliência – PRR, com a hipótese de termos de devolver milhões de euros, procurar outros financiamentos para executar o resto dos mesmos, a que se podem somar outros resultantes da insolvência, com implicações inevitáveis no mundo empresarial açoriano, associado ao enorme passivo existente e às indemnizações aos trabalhadores da SATA, a que se juntam mais 70 milhões de euros de juros de dívida previstos para pagar no corrente ano (DLR 4/2025).
Os governantes chamam a isto tudo “finanças descontroladas”? Se há prenda do Pai Natal que os açorianos desejam, na minha modesta opinião, de certo não será a de termos de assumir estas enormes responsabilidades que condicionarão o futuro dos nossos vindouros.
J. Rosa Nunes
Prof. Doutor