“Estas situações, porque cada vez mais frequentes não podem aguardar pela elaboração morosa de estudos hidrológicos e hidrográficos, que já deviam estar feitos. Há que tomar medidas já, pois as populações reclamam e com razão segurança para suas vidas e seus bens.”
Quem pensou que janeiro já não seria o mês frio e chuvoso dos meus tempos de criança, não escutou os avisos dos entendidos e as explicações de que as alterações climáticas decorrentes do efeito estufa e do aumento das temperaturas iam fazer-se sentir com mais intensidade.
Há semanas ouve-se dizer que não pára de chover, que os terrenos estão enlameados, que as sementeiras e culturas não medram e que as frutas da época, como os citrinos, não atingiram o grau de açúcar e maturação, caem das árvores e apodrecem.
A explicação destes fenómenos é conhecida, mas damos sempre o benefício da dúvida ao tempo, esperando que ele melhore.
O certo é que, de um momento para o outro, cai-nos em cima mais uma depressão extra-tropical a que popularmente se chama: temporal. Desta vez é o Hipólito.
O nome estava escolhida pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), desde setembro passado. Havia um entre vários: Frederico, Irene, Vasco e Renata, etc e constam de uma lista que aguarda por outras tempestades que ocorrerão este ano.
De acordo com o IPMA, todas as depressões extratropicais que “originem um aviso de vento de nível laranja ou vermelho” através do sistema internacional de avisos meteorológicos, e as tempestades tenham um impacto no território que necessite de vigilância, é esse país que escolhe o nome.
Não foi revelada a opção pela designação Hipólito.
Segundo a mitologia grega, Hipólito de Atenas foi um cuidador de cavalos, alguém que os preparava para as batalhas. Era filho do herói ateniense Teseu e de Hipólita, rainha da amazonas.
O seu grau de divindade não foi, porém, suficiente para o tornar popular como primeiro nome. Só no século III isso aconteceu quando outro Hipólito, de Roma, teólogo, foi reconhecido como santo.
Perante as diferentes figuras, acredito que o Hipólito de Atenas terá sido o preferido, embora o nome seja comum em Portugal, Espanha, França, Itália e mesmo entre nós como segundo nome. As tempestades, pelos efeitos destruidores que causam, são fenómenos temíveis que provocam incertezas e receios fundados nas populações.
Para o santo romano, ficarão as preces, como medianeiro, para tentar atrair a misericórdia divina – crença há muito mantida pelo povo. Todavia, não serão as graças divinas que vão suster a força dos elementos. Se nada for feito para contrariar as alterações climáticas e cuidar da Casa Comum – o Planeta Terra, não há santo que nos valha.
Os desmandos da humanidade repercutem-se um pouco por todo o lado. E mesmo que não sejamos diretamente responsáveis pelos atropelos ao ambiente, sofremos as suas consequências.
É cada vez mais prudente acautelar o ordenamento dos espaços litorais marítimos onde se multiplicam novas infraestruturas e edificações urbanas, numa oferta desenfreada de camas para a atividade turística.
Mesmo no interior das ilhas estão a acontecer desabamentos de terras que colocam em perigo pessoas e bens, devido à quantidade da pluviosidade, a desvios de cursos de água e à inexistência de equipamentos de retenção.
Estas situações, porque cada vez mais frequentes não podem aguardar pela elaboração morosa de estudos hidrológicos e hidrográficos, que já deviam estar feitos.
Há que tomar medidas já, pois as populações reclamam e com razão segurança para suas vidas e seus bens.
Os exemplos das cheias, desabamentos e galgamentos dos últimos dias são conhecidos: nos Arrifes, na Bretanha, nas Feteiras, em São Miguel; na Agualva, na Terceira; nas Ribeiras, no Pico ou mesmo na Graciosa. Até na Horta, onde há poucos anos o furacão Lorenzo inundou a zona envolvente da Praia do Porto Pim, o mar entrou pela Baía, passeou pela Marginal e pelas ruas interiores, invadiu a Gare Marítima de passageiros na Conceição, como se fosse um senhor portentoso daquela linda cidade.
Num passeio efetuado quinta-feira pela zona litoral de Ponta Delgada, fui confrontado com pedregulhos na via pública trazidos pela enorme força das ondas na preia-mar e pelo encerramento da estrada na zona litoral de São Roque. A maresia chegou até às fundações do bar da Praia do Pópulo, o que denota que o perigo agrava-se e ainda estamos no início do inverno.
Há que tomar medidas rapidamente. Os governantes regionais e locais não se podem desresponsabilizar nem adiar soluções por mais tempo, ou então, a Proteção Civil não fará sentido.
Há uns meses, citando um estudo da ONU sobre perigos provocados pela subida das águas em zonas ribeirinhas, citei alguns locais que, até à vista desarmada, qualquer cidadão estima estarem em perigo. Que foi feito?
Os de mais idade recordam, facilmente, os limites onde chegavam as ondas alterosas em dias de tempestade. Esses limites estão largamente ultrapassados.
É tempo de refletir sobre o que podemos e temos de fazer para enfrentar as alterações climáticas.
O Hipólito foi mais uma ameaça e deixou pesados rastos. Outros, certamente, lhe seguirão com o nome de Frederico ou de Irene, Vasco ou Renata.
Espero que, entretanto, as autoridades e os cidadãos em geral tomem medidas concretas para solucionar as situações e os perigos mais evidentes.
Se não, teremos novamente o credo na boca e nem Santo Hipólito nos valerá.
*Jornalista c.p.239 A
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