E cá estamos, após umas eleições antecipadas que apenas reforçaram as posições das direitas no parlamento açoriano, com tudo na mesma como a lesma. Nada de muito auspicioso será de esperar do mesmo e mais forte. As direitas, todas elas, mal sentem acrescentada alguma força institucional têm a irresistível tendência para meter de imediato na gaveta as questões sociais que lhes enchiam a boca em tempo de campanha eleitoral. À margem de um programa de governo já acertado e votado entre todos eles e que não avança senão intenções sem qualquer garantia, o que se sobrepôs antes de tudo e antes mesmo da apresentação do programa na Assembleia Legislativa foram, pela boca do Presidente do Governo, a continuidade do processo de privatização da SATA Internacional e a garantia do endividamento 0, duas medidas que nada abonam a indispensável mobilidade dos açorianos e a absoluta necessidade de aumentar o investimento público, principalmente na saúde e na educação.
Com os ganhos eleitorais agora adquiridos, para lá das inevitáveis disputas laterais visando repartir vantagens e mordomias de poder entre si, todas as direitas se esforçarão nos próximos tempos para garantir sobretudo a estabilidade do poder político institucional agora instalado, muito mais que a resolução dos graves problemas com que se defrontam os açorianos.
Só no respeitante ao mundo do trabalho, mais de metade da população desempregada nos Açores está em risco de pobreza, sendo ainda este risco estendido a mais de 16% daqueles que trabalham (o pior índice nacional). Para todos os açorianos, o risco de pobreza tem vindo a aumentar paulatinamente, atingindo já uma em cada quatro pessoas. Mas ninguém ouviu as direitas reforçadas a darem prioridade a isto.
A precariedade laboral e a desregulação de horários têm vindo a aumentar, acentuando-se nos Açores mais do que no resto do país especialmente no aumento relativo do número de contratos a prazo. Mas ninguém ouviu as direitas reforçadas a darem prioridade a isto.
As desigualdades têm-se vindo a acentuar. Mais de um terço dos indivíduos com escolaridade correspondente, no máximo, ao ensino básico encontra-se em risco de pobreza. Nos Açores é onde é maior a diferença da incidência da pobreza entre não ter ou ter um nível de escolaridade acima do ensino básico (34,0% e 10,3%, respetivamente) e onde se encontra a maior taxa de abandono escolar de todo o país (quase 22%). Mas ninguém ouviu as direitas reforçadas a darem prioridade a isto.
Os setores produtivos, nomeadamente da agricultura, da lavoura em particular, e das pescas, estão a perder de forma absoluta empresas a um ritmo significativo e preocupante. Mas ninguém ouviu as direitas reforçadas a darem prioridade a isto.
A habitação é um problema muito grave com a mais elevada sobrelotação por habitação do país e também a falta de condições de habitabilidade de parte muito importante do nosso parque habitacional. Mas ninguém ouviu as direitas reforçadas a darem prioridade a isto, havendo até uma verba apreciável do PRR disponível para investir nesta área.
Como infelizmente se constatará, o nosso futuro perdeu com o reforço eleitoral das tendências do passado. Só nos resta agora teimar quotidianamente na luta por um futuro diferente. Aquele que o nosso desenvolvimento socialmente justo, incumprido apesar de preconizado há 50 anos pela Revolução, exige!
Mário Abrantes