“Na disciplina de Português, tornou-se bastante evidente nos últimos anos o decréscimo na qualidade dos alunos, cujos conhecimentos são cada vez mais incipientes no vocabulário e no domínio da língua em geral”
Entrevista, estruturada, e realizada à Professora Paula Cabral. Nesta edição publicamos a Parte I. Em próximas edições publicaremos a Parte II e Parte III. No conjunto, interessou-nos formular questões que se prendem, entre outros, com aspetos do Curriculum Vitae da nossa Entrevistada, o Discurso na Primeira Pessoa. Neste fluxo coloca-se a relação que a própria investigação científica demonstra na relação, que há, entre a Pessoa e o Profissional que somos. Ninguém é bom ou boa Professor/a fora da Pessoa que se é. E essa realidade devia estar, aliás, mais presente na Formação Inicial e Contínua de Professores. Só assim se forma e ensina com Sabedoria, mais, com Sageza. Outras questões foram colocadas: o (in)sucesso escolar, tema recorrente, numa altura em que o próprio termo deve, talvez, ser questionado. Educação e a ação social. Sucesso ou realização? O aluno ou a pessoa do aluno? O ProSucesso. A educação como cultura. A Escola forma para os valores?, para a Alegria? O que dizer dos vários projetos educativos e das reformas educativas e curriculares? A Direção de Turma, o Ensino do Português, da Língua Portuguesa. Língua e Literatura: que relação? O que é Ser Professor? O que é a Escola?
Eis, aqui, uma bateria de questões, que estão presentes no todo da Entrevista, que temos todo o gosto em partilhar com os leitores, agentes também ativos no próprio ato de ler, até porque em e sobre Educação não há discursos neutros, apesar da busca da objetividade que, em si mesma, é um Valor.
Emanuel Oliveira Medeiros
1- Professora Paula Cabral. Em primeiro lugar gostaria que referisse alguns aspetos do seu Curriculum Vitae, na dimensão como pessoa, cidadã e profissional, quer em separado quer em interligação, se assim preferir.
Sou licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante Português/Inglês, pela Universidade dos Açores. Sou professora há 33 anos e, desde 2010, leciono na Escola Secundária Antero de Quental.
Sempre tive uma participação ativa como cidadã, pois foi assim que cresci na minha terra, o Pico da Pedra. Fiz parte dos órgãos sociais da dinâmica Casa do Povo, do Museu, membro da Assembleia de Freguesia e da Assembleia Municipal da Ribeira Grande. Fui uma das fundadoras e membro do grupo de cantares Voz da Terra e, apesar de viver agora em Ponta Delgada, mantenho-me ligada às minhas raízes e colaboro sempre que posso com a minha freguesia, designadamente participando regularmente no jornal da Casa do Povo, Voz Popular. Dediquei o livro Crónicas da minha Terra à minha freguesia, publicado em 2017, tendo já publicado, na minha juventude, o livro Pedras de um Pico, que é a história do Pico da Pedra contada a crianças.
Colaborei numa coletânea de contos de vários autores açorianos, intitulada Avenida Marginal, editada pela Artes e Letras; e na Revista Grotta, editada pela Letras Lavadas, com poesia.
Mantenho colaboração regular no blogue “AzoreanTorpor” do Prof. Luís Bastos e participo esporadicamente nos jornais “Diário dos Açores” e “Correio dos Açores”.
2- Há vários estudos, de âmbito nacional e internacional, que ligam a dimensão da pessoa com a dimensão profissional. Jennifer Nias (1991) afirma: “O professor é a pessoa; e uma parte importante da pessoa é o professor”. (in Nóvoa, 1992, Vidas de Professores. Porto Editora, p. 15). Qual é a sua perspetiva sobre isso? Considera que se respeita o Ser do Professor/a na sua Singularidade? Questões como as planificações, tendencialmente uniformes, ou não, e muitas burocracias, projetos sobre projetos, não tendem a anular o que há de melhor na Pessoa de cada Professor, que pretende ensinar e, aí, desvelar-se no seu modo único de ser? Potencia-se essa riqueza?
Agradeço as perguntas que me faz, que são muito oportunas e necessárias para a reflexão, que se exige, e que tarda, sobre a educação na escola pública portuguesa. A educação é a trave-mestra de uma sociedade bem formada, justa e próspera. Daí ser defensora acérrima da escola pública como desígnio do Estado democrático, porque é através do ensino público que todos deverão ter igual acesso à oportunidade de crescer como pessoas e como cidadãos.
Assim sendo, e partindo de uma matéria-prima, já de si tão diversa e complexa como é a natureza humana, alunos provenientes de diferentes contextos sociais e económicos, com tantas histórias de vida e visões do mundo diferentes, a escola acaba por ser um novelo enorme de desafios difíceis, e os colocados pelos alunos são só um fio deste novelo. Há ainda os problemas relacionados com as condições de trabalho e a pressão exigida pela sociedade. É um enredo de fios. Quando o novelo se desenrola com sucesso e dele se entretece o mais fino modelo, então a satisfação é enorme para o professor, como profissional, mas também como pessoa. São dimensões indissociáveis. É assim em todas as profissões, sobretudo na nossa, que envolve uma dimensão emocional e humana muito profunda. Trabalhar na educação é trabalhar na matéria humana, é moldar um ser, é alterar o futuro. Não é uma tarefa somente profissional. É convicção, é propósito, é utopia.
Até digo aos alunos que mais do que saberem como usar vírgulas ou enunciar orações é essencial serem boas pessoas no fim do seu percurso na escola, pois é na pessoa bem formada que reside todas as competências para se ser um bom cidadão e um bom profissional: a responsabilidade, a dedicação, o sentido de dever para com os outros, o brio no seu trabalho. Esta metamorfose só acontece se professores e alunos empenharem o seu ser nesta tarefa de mútuo enriquecimento.
A burocracia não é para aqui chamada, como se pode deduzir da minha resposta. Penso que é uma intrusão, um aviltamento e até um desrespeito pelo professor. Desprezo a burocracia, embora tenha de viver com este mal.
3- Como analisa o fenómeno do “insucesso escolar”? Não se devia potenciar o sucesso do aluno como pessoa e, depois, ou simultaneamente, como aluno?
Na sequência do que já referi, penso que é prioritário desenvolver a pessoa e, então, depois, o aluno. Claro que este desenvolvimento deve ser feito nos primeiros anos de escolaridade, não sendo este o nível de escolaridade em que me insiro. Porém, ouço dizer das minhas colegas professoras do primeiro ciclo é que sentem uma pressão enorme em lecionar programas extensos e a correr, porque têm de ser cumpridos. Os pais, por sua vez, querem pôr os filhos cada vez mais cedo na escola, onde passam cada vez mais tempo. Esta exigência das crianças é demasiado precoce. É necessário dar-lhes tempo para serem crianças, para se entenderem como indivíduos, brincarem, desenvolverem a criatividade, a imaginação, os laços familiares e de amizade, que são fundamentais, a responsabilidade de ser leal a um amigo, de ajudar quem precisa, a terem noção de liberdade de agir e de sonhar, mas também a noção de consequência e de responsabilidade dos atos e na gestão das emoções. Isto é ensinar a ser pessoa. Depois, sim, vem a apetência pelo conhecimento com naturalidade, porque a curiosidade foi incentivada neste processo de despertar. Mas, afinal, o que é o sucesso? Penso que é um conceito muito discutível, muitas vezes até um embuste, atrevo-me a dizer. Explico. A meu ver, depende do ponto de vista. Se considerarmos que, do ponto de vista institucional, o sucesso é um lugar cimeiro nos rankings anuais do ministério da educação ou da OCDE – e este último, sendo um organismo que observa o desenvolvimento económico dos países europeus, ser responsável também pela avaliação do sucesso escolar não é uma questão despicienda – então estamos a falar sobre índices de resposta padronizados, graus de conhecimento pré-definido que podem ser medidos, calculados. Porém, já vi muitos alunos, ditos de mérito, com altas notas, serem péssimas pessoas. É isto o sucesso escolar? Será este aluno um bom profissional? Um bom cidadão? Serão até estes que chegarão aos lugares decisivos da sociedade, o que nos deixa desassossegados.
O que é então o sucesso? Digo-lhe, sinceramente, que esta palavra me remete sempre para o conceito aplicado a espetáculo! O que importa é, afinal, o espetáculo como sinónimo de parecer? Não foi à toa que Mário Vargas Llosa deu o título de A Civilização do Espetáculo a um dos seus mais fabulosos ensaios para explicar este nosso tempo…
Também o contrário acontece. Há alunos com dificuldades na aquisição de aprendizagens que, humanamente, são muito bem formados. Isto a que se convencionou chamar de sucesso escolar devia ser uma simbiose de todos estes valores. Já tive alunos que não prosseguiram estudos, que optaram pela via profissional, porque não tiveram “sucesso” no ensino regular, e que hoje são grandes profissionais na restauração, no turismo ou no comércio. Com todas as características a que a sociedade rotula de sucesso. O sucesso é, então, uma visão muito redutora da educação, porque é feita sob critérios economicistas.
(Continua)
Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*
*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia da Educação