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Açores e Cabo-Verde: Um Abraço entre Ilhas Ser e Horizontes de Mar

“Desde que estive em Cabo-Verde, num Congresso Internacional da SOFELP, senti-me irmanado, – com o Povo e na Língua Portuguesa – e despertou em mim, e ficou bem vivo, um sentimento de uma Região e País Irmão. Açores e Cabo-Verde, um Abraço entre Ilhas: Na Beleza do Ser, das Pessoas e das Paisagens – nesses dois Imensos Continentes, feitos de Mar, no/s quais mergulhamos os nossos sonhos, que têm a leveza das nuvens, o enraizamento na Terra e a Firmeza nas Rochas. E tudo isso é Ser, Educação e Cultura.”(In Diário dos Açores, 20 de outubro de 2023).
Açores e Cabo Verde. Um Abraço entre Ilhas: Ser Ilhéu, em Projeto, Um Signo de Horizonte Universal (In Jornal Diário dos Açores, 24 de novembro de 2023, p. 8)
Nesta edição de 12 de janeiro de 2024, é tempo de vermos para além dos Horizontes e irmos, de novo, – mas sempre em ligação – ao Encontro de Cabo Verde.
É com muito gosto que aqui acolhemos, de novo, um amigo e colega, o Professor Doutor Elter Carlos, da Universidade de Cabo Verde, que partilha um Texto intitulado: “Uma Leitura de Ilhas de Paz num Mar de Tormento de Glória Gomes.”
Emanuel Oliveira Medeiros

Uma Leitura de Ilhas de Paz num Mar de Tormento
de Glória Gomes

O texto que é objecto deste artigo nasce de um significante convite que me foi formulado pela escritora Glória Gomes para apresentar o seu livro Ilhas de Paz num Mar de Tormento (editora In-Finita, Lisboa, 2023). Glória Gomes é cabo-verdiana, natural de Santa Cruz, ilha de Santiago. Fez os estudos primários e liceais em Cabo Verde e os universitários em Portugal. Vive na Inglaterra, onde trabalha na sua área de formação.
Conhecedora das áreas de economia e do turismo, a autora, num tom poético que veicula a sua experiência de pensamento, traz à luz muitos dos problemas que persistentemente condicionam a vida do Povo cabo-verdiano. A sua pena manifesta uma crítica social de fino trato, onde a linguagem poética não esconde a crueza da dura realidade das Ilhas de Paz num Mar de Tormento. É que, Situações-limite e limite das situações atormentam o Povo cabo-verdiano nesse mar de desafios, onde a realização da sua essência como ser histórico-social não é dada a priori, nem é determinada radicalmente pelas situações onde está submersa.
Desde a infância, exibe-o no livro, a autora soube ver, ler e escutar os sinais dos tempos, a beleza das rugas dos mais velhos e os signos e símbolos da nossa cultura. Esta obra de irrecusável valor artístico e social esculpe ao pormenor alguns destes signos da nossa singular vivência. Nela a autora soube, como cantava Fernando Pessoa, «dar a cada emoção uma personalidade, a cada estado de alma uma alma» (in, Livro do Desassossego, 2006, Planeta de Agostini, Lisboa, pág. 63). O livro convida-nos a interpretar traços vivos do movimento do Povo cabo-verdiano como obreiro de um mundo a fazer: às gentes das nossas ilhas resta-lhes desafiar a si mesmos. Essa luta pela elevação da sua condição encontramo-la embutida nas sentidas, (co)movidas e edificadas palavras de Glória Gomes. O livro desafia o leitor a assumir outros caminhos da interpretação desta problemática: a realização da essência do homem cabo-verdiano, uma essência a fazer (uma tarefa), dá-se (faz-se) também autobiografando-se/socializando-se como ser/ Nação diasporizada. Porém, é dever dos governantes e do exercício da cidadania ativa encontrar soluções também dentro das nossas Ilhas de Paz.
O livro permite-nos implicitamente ler que, emigrar não significa partir para ficar, mas sim partir para sempre regressar, ainda que, não raras vezes, idealmente. Nestas circunstâncias, o nosso saudoso coração, no acontecer da verdade do seu telurismo, regressa sempre aos umbrais da Terra Prometida. Ao Coração da Terra que, por antonomásia, é a Terra do Coração. Ou então, a Terra do Coração da Terra! Daí, a emigração que destas durezas da existência é consequência (e real presença) não se apresenta de forma redutora como um mero caso de progresso material que, em verdade, dele muito carecemos. É-o também, e com certeza não menos importante, sinal de progresso moral, civilizacional e de desenvolvimento psíquico da personalidade, como sabiamente interpretou Eugénio Tavares (1867-1930) em tempos sombrios da nossa história.
Ilhas de Paz num Mar de Tormento, ao dar a ler estas temáticas (ainda que em certas circunstâncias de forma implícita) é uma obra que, na contemporaneidade, desce às profundezas do espírito humano e, arqueologicamente, escava o mais fundo de si por parte da autora e, lá no seu íntimo, deixou revelar o que deveras sentiu e observou desde a infância. Neste sentido, a nossa autora lança um repto: desafia a cada leitor a (des)ocultar no texto o Ser cabo-verdiano em processo de ser na identidade e universalidade. As novas gerações que não viveram parte destas mazelas económicas e sociais poderão encontrar nesta obra uma (auto)interpretação de si para, em harmonização, interpretar os muitos problemas existências que os (nos) aprisionam nessa Caverna islenha marcada pela experiência do limite. Resta-lhes a Esperança! Esperança ativa, sob pena de perecermos, de desfalecermos, de entregarmos à nossa sorte como outrora fora a história destas ilhas? Ah, existe o dom da utopia, do sonho, da imaginação, do querer ficar na terra e ter que partir? Do reinventar a Terra dentro da própria Terra? Do partir contemporâneo nas suas novas roupagens? A solução há-de ser sempre partir nestas condições? De um partir que, como mostra-nos explicitamente a autora, difere do partir dos jovens dos países ricos? E o nosso partir Pa Terra Longi, que vai-se ganhando na atualidade esquisitos contornos de gentes academicamente formadas, que poderiam estar a delegar as suas forças ao desenvolvimento da Nação cabo-verdiana? Que saída temos nestas «(…) Ilhas perdidas/ no meio do mar, / esquecidas/ num canto do Mundo/ que as ondas embalam, / maltratam/ abraçam (…)», como Jorge Barbosa escrevera no poema “Panorama” (in, Andrade, M. 1980, Antologia Temática da Poesia Africana, Vol. II, ICLD, pág. 17-18)? Que é ser cabo-verdiano? Como lidar nesse Mar de Tormentos sem termos necessariamente que sair da Terra?
Pois bem, ao lançar tais questionamentos que Ilhas de Paz num Mar de Tormentos cativa, somos sensíveis a interpretar no livro de Glória Gomes efectivos traços de uma crítica ética, cívica e política (sentido de polis), uma vez que, e ainda que sob o véu da estética (da beleza do escrever), a autora “põe o dedo na ferida”. Afinal para que serve a escrita? A escrita poderá servir para acalentar a dor do mundo e propor novas auroras na (des)continuidade da opressão do tempo? Que relação existe entre ética e escrita? Não havendo uma única resposta, convido a todos a lerem o livro e a descobrirem o quão a escrita séria é sempre comprometida com a procura da Verdade, da Sabedoria e, por isso mesmo, ela é doadora de Luz: um convite à entrada nos caminhos da escuta da serena Luz. Ao processo de (auto)compreensão de si mesmo! De facto, é o que se nota, à primeira vista, no gesto criador da autora, pelo que, é mister sublinhar o seguinte: o distanciamento físico-geográfico (o facto de estudar e continuar a na Europa viver e estar) permitiu-lhe ver de longe. Tomar distância. Mirar! Ver vendo. Ver por dentro. Dar-se conta de que se está a pensar (des)comprometidamente. Trazer à sua experiência fenomenológica signos do trabalho da consciência histórica e social de um Povo historicamente lutador é um exercício de depuração intelectual! Pensar é trabalho. E dá trabalho! Pensar dá que pensar porque, trabalho do espírito, ele (o pensar) é viagem de formação humana! Viagem da interioridade da consciência. No livro o pensar dá-se enquanto sentir. De sentir o mundo por dentro da vida. Algo que, no mundo do texto da autora, encontrou eco profundo. E a sua linguagem não é derrotista, pessimista. Há um realismo do dizer a experiência artística e política da Verdade, outrossim, há um otimismo volitivo. O livro canta a Esperança e o Amor e a Vida e a Cultura; e o Povo e os seus Desafios. E a Fé! De facto, de Paz somos! Porém, de (per)(in)sistentes tormentos vivemos. E dos desafios de uma Vida por (re)escrever sempre estaremos vigilantes.
Bem-haja Ilhas de Paz num Mar de tormento!

Nota: Foi respeitada a grafia do autor do texto.

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*

*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia da Educação

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