Em princípio, quando se deliberou na primeira reunião de 1998 sobre quem deveria ser o convidado de honra para o sexto convívio, surgiu a proposta repentinamente: Manuel Rita!
Assumia a presidência dos Amigos da Ribeira Grande uma pessoa que nunca foi ligada ao futebol. Mas foi ela própria quem lançou esta ideia, que em vez de ser aplaudida foi contemplada com mais dois nomes: José Pataco e Manuel Frade.
Sim, porque não? Toda a gente conhecia estes três grandes vultos do futebol da Ribeira Grande dos anos setenta. Aliás, a ideia surgira para conquistar o objetivo de destacar gente “normal”, que normal não era, por seus conhecidos talentos. Por outras palavras, fugindo aos tradicionais doutorados e doutorandos, que nos seus pedestais só defendem os seus espaços, esperando a toda a hora e instante glórias e louvores de quem por eles passa.
Temos a certeza de que a grande festa da Ribeira Grande na América do Norte do ano de 1998 conseguiu dar uma lição de humildade e respeito. Mas como as “estórias” sempre têm dois lados, vamos tentar lembrar os factos, no meio das duas bermas, a ver se ninguém fica ofendido.
Pensou-se que convidar estes três indivíduos era, realmente, uma grande ideia. Mas, entretanto, sabia-se que havia muita gente na Ribeira Grande que à América iria por gosto, se fosse convidada.
Vieram à mesa outros nomes, e no meio deles o do Dr. Sampaio. Boa! Convite enviado. Na volta do correio recebemos a notícia que o homem aceitou de alma e coração, fazendo questão de cá vir por sua conta e risco. Em forma de gratificação fizemos dele o “convidado de honra” do Sexto Convívio Ribeiragrandense, e classificámos os três jogadores como convidados especiais.
Não podia ter calhado melhor, porque o Dr. Sampaio andava pelas ruas sentindo os pés no chão, ao contrário de muitos, que não lhe chegando aos calcanhares tinham a ilusão de poder andar à mesma altura dos seus joelhos, ignorando todas as leis da gravidade.
A propaganda da festa atingiu vários alvos e níveis. O presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande fez questão de cá pôr os pés, e com ele veio o ex-presidente Artur Martins, representando a Junta de Freguesia de Rabo de Peixe; e na festa também compareceram os “mayors” de Fall River e de East Providence.
Por sua vez, o Dr. Sampaio, que também chegou a ser presidente da Câmara da Ribeira Grande inseriu-se também na conta dos “mayors” presentes na festa, que todos juntos totalizaram cinco.
As juntas de freguesia do Concelho da Ribeira Grande deram um ar da sua graça, e cinco delas se fizeram representar: Matriz, Conceição, Ribeira Seca, Rabo de Peixe e Fenais da Ajuda.
Mas, graças a Deus, a política esteve bastante afastada desta confraternização; e pelo que sabemos, só houve duas queixinhas de quem queria distinção e não teve.
A festa, por si, foi mesmo de arrombar. As cerimónias foram intercaladas com o decorrer do almoço, chegando ao ponto da dança a vontade de mexer sem parar. Até agora falou-vos o escritor destas notas. Segue-se alguns apontamentos da imprensa escrita.
O Jornal, na edição de 14 de Outubro de 1998 publicou uma pequena reportagem sobre o fuso acontecimento, assinada por Manuel Estrela, na qual se pode ler o seguinte:
“Os naturais e amigos do concelho da Ribeira Grande reuniram-se em confraternização no passado domingo, no Restaurante White’s of Westport, o que aconteceu pelo sexto ano consecutivo, tendo comparecido cerca de 750 pessoas (…) Um dos convidados de honra foi o médico Dr. Joaquim Forte Sampaio Rodrigues, natural do Continente, mas açoriano de coração que, na sua alocução, mostrando muito contentamento, disse: «estou na Ribeira Grande.» (…) ainda afirmou que aqui estavam os verdadeiros ribeiragrandenses e os verdadeiros açorianos. «Parece que estou nos Açores, mas nos Açores puros», acrescentou. Por sua vez, a esposa deste médico que serviu o concelho da Ribeira Grande durante 57 anos, sra. Maria Antónia Franco Sampaio Rodrigues afirmou: «Estou encantada!» (…)
Presentes ainda os presidentes das juntas de freguesia de Rabo de Peixe, Ribeira Seca, Conceição e Matriz, para além de representações da Casa do Povo da Ribeirinha e do Montepio Geral e presidente da direção dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande. Outros convidados foram velhas glórias do futebol ribeiragrandense: Manuel Rita, José Pataco e Manuel Frade (…)”
Na reportagem do jornal Portuguese Times, edição de 15 de Outubro de 1998, depois das apresentações dos dois “convidados principais” (há sempre quem queira quer pôr os grandes nos seus altares), neste caso o presidente da câmara e o Dr. Sampaio, falou-nos então Augusto Pessoa naqueles que fizeram a sala vibrar:
“As glórias do futebol ribeiragrandense, Manuel Rita, Manuel Frade e José Pataco foram as figuras do encontro regional, quando Dinis Paiva, que uma vez mais assumiu as funções de mestre de cerimónias, trouxe ao palco do convívio, com os àpartes que só ele sabe fazer àquelas três presenças que tanto dizem aos conterrâneos aqui radicados (…)
A festa do futebol ribeiragrandense que acabou por colocar toda a sala em alvoroço teve o condão da apresentação de Dinis Paiva, também ele ‘velha’ glória do futebol açoriano.
Os ‘homes’ vieram ao palco e foram alvo dos mais vivos aplausos, que mais parecia o desembarque do Eusébio, depois de ganhar a Taça dos Campeões Europeus.
São estas pequenas (grandes) coisas que fazem dos convívios uma manifestação de regionalismo fora do torrão natal, que deixado pelas mais diversas razões não foi esquecido (…)”
Na edição de 21 de Outubro de 1998 de O Jornal foi publicada uma espécie de “carta ao diretor”, sob o título de “O agradecimento dos desportistas”. Trata-se de uma mensagem de Manuel Rita, naturalmente refletindo os mesmos sentimentos dos outros dois jogadores, que era para ter sido lida no decorrer do convívio, mas ficou esquecida por causa da vibração da sala.
No jantar de despedida, na tarde do dia seguinte, esta mensagem foi lida pelo próprio Manuel Rita, com Dinis Paiva ao lado, que lhe mandava pronunciar cada ponto e cada vírgula. Imaginem só a cena. Foi escangalhar de rir.
Em boa hora a mensagem foi solicitada para publicação porque Manuel F. Estrela estava presente; e quem a leu pôde sentir o que, realmente, aquele convívio significou para os três homens da Bola, que toda a gente na Ribeira Grande conhecia e respeitava.
Este jantar de despedida com os convidados teve lugar no restaurante da Associação Académica de Fall River, e contou com a presença de todos os visitantes de São Miguel. Camarão à Moçambique e o afamado Bife da Académica foram as únicas opções para o jantar. Alguém ainda veio com a sugestão de se arranjar um prato mais fino, sabendo de antemão que o Doutor Sampaio Rodrigues estaria connosco. Qual carapuça! Foi uma alegria ter visto o médico reformado lambendo os dedos, ao mesmo nível de todos os presentes na sala. Camarão e bife, ambos bem regados com seus molhos, como se fosse um rastilho aceso para um A.V.C.
Joaquim Forte de Sampaio Rodrigues nasceu em Vale de la Mula, concelho de Almeida, em 1916. Aos vinte e quatro anos de idade, no decorrer da segunda guerra mundial, foi para a ilha de São Miguel como oficial miliciano no batalhão expedicionário do R.I. nº12. Apaixonou-se por uma ribeiragrandense. Voltou a Portugal Continental quando o seu tempo de serviço foi cumprido. Acabando o seu curso de medicina, retomou aos Açores. Casou na Ribeira Grande, com Maria Antónia Franco, e escolheu esta terra para desempenhar as funções do seu ofício, como médico de clínica geral, desde o ano de 1947 até, praticamente finais da última década do século vinte. Faleceu em abril de 2008, no Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, após doença prolongada. Era amado por muita gente e respeitado por todos, tendo sido, em vida, alvo de várias homenagens e distinções.
Manuel Freire e José Câmara, Rita e Pataco respetivamente, eram jogadores do Benfica Águia; e Manuel Moniz, mais conhecido por Frade, era o guarda-redes do Ideal.
Foi neste sexto convívio que se iniciaram as viagens entre o Canadá e os Estados Unidos para estes convívios. No ano seguinte realizou-se em Montreal a primeira confraternização ribeiragrandense do Quebeque.
Além disso, alguns familiares dos jogadores também vieram de Ontario, e de entre as quarenta e tal pessoas do autocarro de Quebeque, sobressaiu na festa o Laurindo (que em paz descanse) – o tal jogador que quase nunca perdia uma bola que Manuel Rita lhe lançasse de um canto para a sua cabeça.
Por fim chegou o dia do regresso aos Açores para alguns dos convidados, e os nossos préstimos foram solicitados para levar ao aeroporto o sr. Presidente da Câmara e o seu acompanhante Artur Martins. Praticamente uma hora de viagem de Fall River a Boston, que valeu por umas três ou quatro, só por cansar de ouvir as queixas de Artur Martins, que se declarara sob efeitos da “Água da Escócia”.
Enquanto Monsieur Antoine Pierre de la Côte du Nord fazia as partes de que tinha sono, sem dizer palavra alguma, Monsieur Martin falava demais, dizendo que quando se convida jogadores de bola não se deve convidar presidentes de câmaras, e muitas outras asneiras, neste género, que contando a gente de juízo, ninguém acredita.
Por outro lado, a lição de humildade que nos orgulha, e que guardamos catedraticamente nos nossos arquivos, foi escrita na Ribeira Grande em 3 de dezembro de 1998, sendo endereçada ao presidente dos Amigos da Ribeira Grande-USA:
“Exmo. (…)
O facto de ter feito de mim um convidado de honra nas várias manifestações que rodearam o vosso convívio no corrente ano, foi sem dúvida uma atenção que lhe fico devendo e que jamais poderei esquecer.
Tenho que voltar somar a este acontecimento a maneira verdadeiramente cativante com que me rodeou, a mim e à minha mulher.
A organização a que presidiu foi de facto impecável e posso dizer-lhe que me senti entre amigos.
Pelo lugar de destaque que me deu, pelas atenções e simpatia com que nos rodearam vai o meu sincero agradecimento.
De certo, graças a si e a todos os que consigo colaboraram a Açoreanidade estará sempre presente e bem viva nos Estados Unidos da América. (…)
Um abraço com amizade do
Joaquim Sampaio Rodrigues.”
Por hoje é tudo. Por favor sejam felizes. Haja saúde!
O Rita mais o Pataco
E o Manel Frade também
São milho do mesmo saco
E boa gente também.
Quanto ao Doutor Sampaio,
O homem estava contente.
Porque sem nenhum ensaio
Misturou-se com a gente.
Para quem quis ser o centro
De todas as atenções
Desgostou-se, lá por dentro,
Resmungou com seus botões.
Alfredo da Ponte