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Falta-nos mais uma revolução política

Jorge Miranda escreveu que existiram, não uma, mas três revoluções todas no mesmo dia de 25 de abril: a 1.ª, foi a Revolução dos Cravos em 1974; a 2.ª, a eleição da Assembleia Constituinte em 1975; e a 3.ª, a aprovação da Constituição em 1976. Isto é, este constitucionalista menciona revolução, não numa ideia pejorativa do vocábulo, mas numa abrangência positiva sem violência civil e, sobretudo, numa noção de movimento ascendente da qualidade da democracia. Nesse sentido a estes três juntamos mais duas revoluções: a 4.ª, com criação da autonomia política na Constituição; a 5.ª, com previsão expressa na Constituição dos elementos estruturais dessa autonomia. A que temos de acrescentar mais uma e significativa, a 6.ª: a composição da Assembleia Constituinte. Tivemos uma sorte monumental com os deputados dessa Constituinte, dos quais distinguimos Jorge Miranda e Vital Moreira, Marcelo Rebelo de Sousa e Francisco Pinto Balsemão, Mário Soares e Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal, Jaime Gama e Mota Amaral, Manuel Alegre e Sophia de Melo Breyner Anderson.
Nessa conceção alargada da palavra revolução, e ainda relacionadas com a Revolução dos Cravos, tivemos ainda mais duas revoluções: uma 7.ª, com a revisão constitucional de 1982. Aqui foram extintos os elementos militares, nomeadamente o Conselho da Revolução que foi substituído pelo Tribunal Constitucional – uma das mais significativas revoluções do Portugal hodierno; e na matéria autonómica, a importantíssima distinção qualitativa dos três tipos de leis da República Portuguesa, a lei da Assembleia da República, o decreto-lei do Governo da República e a lei regional da Assembleia da Região Autónoma. E uma 8.ª revolução com a revisão de 1989 à Constituição: passou a designar-se assembleia legislativa da Região Autónoma, em vez da anterior assembleia regional; isto é, reforçou-se a natureza da soberania regional que é assente na competência estrutural para fazer leis “iguais” às leis do Estado.
A partir daqui – não se reconhecem avanços de tão significativos se possam apelidar de revolução. Mas em termos de funcionamento do Estado a década de 1990, em si mesma, é uma revolução: é aqui nesta década que se cristalizam ou constroem os principais regimes legais do país. Na verdade, o I e II governos de Mário Soares, o III de Alfredo Nobre da Cosa, o IV de Mota Pinto, o V de Maria Lourdes Pintasilgo, o VI de Francisco Sá Carneiro e Diogo Freitas do Amaral, o VII e VIII de Francisco Sá Carneiro e IX de Mário Soares – foram governos de transição pelo simples facto de que não tiveram vetustez adequada. É nos XI, XII e XII governos de Cavaco Silva e XIII e XIV governos de António Guterres – que o país democrático estabiliza definitivamente na perspetiva dos regimes legais, parte emblemática dum Estado de direito democrático.
Mas se fizemos muito em cinquenta anos, fizemos pouco num ponto: na modernização da administração do Estado. Da nossa história antiga herdamos modelos monárquicos baseados no mérito da fidalguia. Por isso da Revolução Francesa do século XVIII herdamos a ideia de duas justiças, uma civil e outra administrativa, e eis como atravessamos da antiguidade para a modernidade, ou seja, mantivemos um modelo que depois com a 1.ª República evidentemente não soubemos modernizar e daí ao Estado Novo apenas mudamos a fórmula: se antes o domínio era da fidalguia, agora era de poucos em ditadura; razão para, de novo, esquecermos a modernização do Estado. E chegamos a 1976 com o Estado democrático. Em vez de modernizamos – mantivemos o timbre corruptivo da antiguidade e assim se mantém, bem visíveis em dois primeiros-ministros que perderam o norte por motivos judicias e vários ministros envolvidos em processos idênticos.
Modernizamos na justiça quanto às carreiras, quanto às leis, aos códigos e processos; mas atravanca uma organização muito cara para os serviços morosos que presta: dois supremos tribunais, de justiça e administrativo, com se a pessoa coletiva Estado não fosse como outra qualquer pessoa coletiva em termos de responsabilidade; não tem sentido uma hierarquia tão cara sem efeitos práticos de modernidade que é a celeridade.
As forças de segurança multiplicam-se em desorganização: Política Judiciária, Política de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, Serviços de Fronteiras, Serviços de Segurança Interna, Polícia Marítima (militar), Polícia Municipal. Todo este emaranhado de pessoal e atribuições e hierarquias que tropeçam entre si – são um sumidouro de verbas e de grande confusão com grande prejuízo para os profissionais e a eficácia. Na ilha Terceira, por exemplo, somos capazes de andar meses sem nunca visualizar um agente na estrada em serviço; durante cerca de uma década, de 2010, a Região entregava à PSP meio milhão de euros para custear combustível para carros que ficavam sem poder andar por falta de manutenção.
A administração pública em geral – é, de modo horizontal e vertical, toda errática e corruptiva: os dirigentes não têm formação adequada e funcionam em organizações desajustadas; os trabalhadores não têm formação sistémica e funcionam em modelos de organização corruptiva. Os múltiplos programas de prevenção da corrupção destinam-se aos trabalhadores – precisamente aqueles que não têm poder de decisão e, pois, não são os corruptores. Aqui os jornais podem fingir que tiveram acesso a um importantíssimo projeto do governo, bem sabendo a população que foram os partidos que encomendaram tal notícia em período eleitoral.
O que é nacional – está nos Açores (e Madeira) e, portanto, os problemas são os mesmos; se não piores. E esse modelo nacional transitou com naturalidade e especialidades pontuais para as regiões autónomas. Mas, aqui, em muito pior grau: enquanto no plano nacional o ministro ainda tem a premeio os secretários de Estado; nas ilhas o secretário regional está no topo da administração, diretamente ligado aos diretores regionais e, como se não bastasse, usam os chefes de gabinete como sendo dirigentes, e como forma de provocar o medo e com ele praticar funcionalidades corruptivas – cujos trabalhadores têm medo de se queixar e, quem se queixa, perde tempo.
Quer-se dizer: é urgente que o Estado se modernize, tornando a administração pública competente e séria, eficaz e produtiva, e com modelos de organização suficientemente aptos a evitar que o dirigente maldoso e até criminoso use a sua função como uma coutada sua.

Arnaldo Ourique

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