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A minha visão das Flores e do Corvo (2013) Parte 3 (I)

3.1. Flores e Corvo uma viagem

Em 1587, o Corvo foi saqueado e as suas casas queimadas pelos corsários ingleses, que haviam atacado as Lajes das Flores. No ano de 1632, a ilha sofreu duas tentativas de desembarque de piratas da Barbaria, no atual cais Porto da Casa, que era apenas uma baía. Duzentos corvinos usaram tudo ao seu dispor para repelir os atacantes que acabaram por desistir com baixas. A imagem de Nossa Senhora do Rosário foi colocada na Canada da Rocha e diz a lenda que ela protegeu a população das balas disparadas.
No séc. XVIII, com a chegada dos barcos baleeiros norte-americanos à Ilha das Flores para recrutar tripulação e arpoadores, uma vez que os corvinos eram apreciados pela sua coragem, iniciou-se uma estreita relação com a América do Norte, que passou desde então a ser o destino de eleição para a emigração corvina e de onde chegaram praticamente todas as novidades à ilha, a qual manteve durante muito tempo uma relação mais estreita com Boston do que com Lisboa. A emigração clandestina era uma constante da vida da ilha, apesar dos esforços repressivos das autoridades portuguesas, preocupadas com a fuga ao serviço militar obrigatório e com a perda de mão-de-obra. Os corvinos pagavam um pesadíssimo tributo aos capitães do donatário. Manuel Tomás de Avelar foi o chefe da delegação de corvinos que foi a Angra do Heroísmo fazer a petição, despertando, pela sua sabedoria e maneiras, o espanto da liderança liberal da Regência de Angra. Mouzinho da Silveira, impressionado pela quase escravidão em que vivia o povo do Corvo, obrigado a comer pão de junca para poder pagar o tributo a que se encontrava obrigado, propôs a redução para a metade, do pagamento em trigo e anulou o pagamento em dinheiro, fazendo assim a felicidade dos corvinos. A impressão foi tal que Mouzinho da Silveira, hoje homenageado como patrono da Escola Básica Integrada do Corvo, anos depois escreveria no seu testamento que gostaria de estar sepultado na ilha, “cercado de gente que na minha vida se atreveu a ser agradecida”.
O decreto, datado de 14 de maio de 1832, e assinado em Ponta Delgada por D. Pedro IV, reduziu à metade (20 moios) o pagamento em trigo que os corvinos faziam a Pedro José Caupers, então donatário da Coroa, e eliminou o pagamento em dinheiro de 80 000 réis. Em contrapartida, a Coroa assumiu indemnizar o donatário. O tributo apenas foi completamente abolido em 1835.
Pedro IV de Portugal elevou a povoação do Corvo à categoria de vila e sede de concelho (20 de junho de 1832). O decreto determinou que a nova vila se chamasse Vila do Corvo, e não Vila Nova como por vezes aparece grafado.
Antes disso, esteve sob jurisdição de Santa Cruz das Flores, sendo uma das freguesias daquele concelho. Atualmente o dia 20 de junho é feriado municipal.
Da cama vejo o Corvo, um rochedo em formato de bota medieval, pontos brancos no sopé, no tacão, ilha inviável na teimosia dos habitantes. Da varanda vejo uma baleia decepada no átrio do Museu da Fábrica da Baleia (que ainda não abriu na antiga fábrica de retalhar cetáceos).
Santa Cruz das Flores tem cerca de 2 mil almas, uma vida pachorrenta neste bulício de verão. Nem imagino como será a longa invernia de mares alterosos, onde hoje há um espelho de água que me lembra a Baía de Díli, em frente a Lecidere, nos anos 70 do século passado….
Em volta só há mar até às Américas, que isto de Europa já nada tem. Se Galileu não o tivesse dito, a Terra podia ser plana, tão vasto e reto é o horizonte que se confunde com o oceano.
Parado no carro, à espera da minha cara-metade e dos seus remédios, à porta da Farmácia de Santa Cruz, vejo aproximar-se e parar, um simpático agente da autoridade numa viatura da Polícia Marítima, o qual, cortês, me chama à atenção, de que estou contra a mão.
O mesmo me acontecera em S Jorge. Estou sempre contra qualquer coisa. Já é mania. Analisadas as instalações e de darmos umas voltas pela urbe fomos almoçar ao Boston Super Hambúrguer, bom e barato 6.00€ PAX. Ao jantar fomos ao Restaurante Rosa (logo a seguir à Igreja) com comida aceitável por 11.00€ .
Depois de uma ida à piscina e ao ginásio fomos repousar cedo. O sol pôs-se por detrás de nós, detrás dos montes, vieram as estrelas e os cagarros, o marulhar calmo das ondas, contrastando com os gritinhos quase infantis e divertidos destas aves, sobre a piscina iluminada.
Ao longe há cento e tal casas alumiadas no Corvo, e mais meia dúzia a meia encosta. Vi os faróis de um carro rumo à caldeira. Parece estar aqui tão perto, essa terra de lendas e povos antigos. A Ursa Maior apontava o caminho enquanto a Ursa Menor me atraía e me confundia entre as constelações Pégaso e Oríon, esquecido que estou de olhar os céus, nomes perdidos na memória de anos idos.
Este silêncio, esta paz, a gentileza das gentes. Ao jantar, no apinhado restaurante Rosa, os funcionários estavam preocupados pelo atraso em servirem-nos, por entre a confusão de terem de atender também duas mesas de 25 excursionistas doutra ilha. Uma terra com a dimensão pouco maior do que a Maia em São Miguel virada para o mar por todos os lados (e a atestá-lo a numerosa flotilha de barcos e barquinhos a toda a hora cruzando o canal para o Corvo), ilha esquecida pelos governos centrais e regionais (exceto agora em tempo de eleições e de alcatifar estradas e caminhos municipais).
Apetece fugir para aqui, apesar de não haver gelados em parte alguma, porque de acordo com o que me foi gentilmente explicado “esta terra é assim”. Fugirpara aqui das guerras, da fome, dos governos que nos desgovernam e passar despercebido do mundo. Terra ideal para escrever como Roberto Mesquita e Pedro da Silveira fizeram, enquanto iam ao mar buscar laranjas. Amanhã vou ao Corvo…ver grutas e sonhar com golfinhos e baleias. Da varanda continuo a ouvir a dança louca dos cagarros, cada um com seu cântico de guerra distinto….
Ao olhar o Corvo na lonjura parecia um botim, ou mais romanticamente, um navio à medida da Jangada de Pedra do Saramago à deriva no Atlântico Norte. Se ao menos tivesse asas como os cagarros deixava-me ir mesmo sem lhes conhecer o alfabeto nem o sotaque dos seus constantes ralhos.
Continua

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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