O Presidente da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada está preocupado com o desempenho económico dos últimos tempos e alerta para uma série de situações que o novo governo dos Açores, empossado ontem, terá de intervir com carácter de urgência. Nesta entrevista ao “Diário dos Açores”, Mário Fortuna elenca os sectores e as situações em que o novo executivo terá de intervir e mostra-se também preocupado com o Turismo.
O novo governo tomou posse esta segunda-feira. Quais as grandes áreas a que deve dar já prioridade?
Há várias intervenções que terão de ser encaradas com sentido de urgência, algumas com impactos imediatos outras mais estruturais e de impactos mais dilatados no tempo.
No conjunto de intervenções urgentes com impactos imediatos terão de estar as políticas de promoção da competitividade dos Açores para que possam continuar a produzir mais em vez de regredirem.
Neste âmbito temos de colocar na primeira linha das preocupações:
i) A promoção do Turismo, sector que começa a evidenciar indícios de retrocesso face aos níveis atingidos no passado ainda muito recente. Os problemas que potenciariam este desfecho já tinham sido apontados, mas sem que fossem adequadamente tratados. Estamos neste momento num registo negativo e preocupante num sector fundamental para a nossa actualidade e para o nosso futuro;
ii) Os problemas da fileira do leite e lacticínios, outro sector fundamental da economia dos Açores, que tem estado em contínuo ajustamento quer em face dos mercados internacionais quer em face das próprias políticas europeias que, por um lado, exigem maior rigor na produção europeia e, por outro, pretendem abrir a Europa a maior concorrência internacional por parte de países sem as mesmas exigências de produção;
iii) A fluidez da execução dos fundos comunitários para que não só sejam aproveitados, mas aproveitados da melhor maneira possível para serem um efectivo instrumento de promoção do nosso crescimento e não apenas mais um envelope financeiro que passa pelo orçamento sem deixar marcas suficientemente positivas na nossa economia. Tarda, neste campo, uma solução suficiente dos programas de capitalização das empresas, correndo-se o risco de desperdiçar fundos comunitários alocados a esta função;
iv) A resolução do problema grave dos pagamentos em atraso do sector público é uma situação que já se pode considerar de vergonhosa e que já suscitou queixa da Comissão Europeia contra Portugal, no Tribunal Europeu de Justiça.
Com carácter estrutural e com efeitos mais dilatados no tempo teremos uma multiplicidade de políticas como:
i) A promoção externa dos Açores em três vertentes diferentes – Turismo, produtos de exportação e investimento directo externo;
ii) A valorização efectiva da formação profissional nos Açores nas mais diversas áreas;
iii) A resolução do problema da privatização da SATA, estruturante para a nossa conectividade externa;
iv) A revisão do modelo de transportes marítimos dos Açores para os tornar mais competitivos e não continuarem a arrastar a economia dos Açores para trás como estão;
v) A criação de instituições de apoio à economia e à sociedade mais robustas e protegidas das vicissitudes cíclicas político-partidárias, comprometendo o normal funcionamento da economia e da sociedade em períodos de reajustamento político.
Esta listagem só pode pecar por ser apenas exemplificativa de uma multiplicidade de intervenções que terão de ser feitas com muita acutilância sob pena de irmos, lentamente, perdendo o comboio do desenvolvimento da Europa.
A criação de uma área económica na pasta da Vice-Presidência é importante?
A economia faz-se no Turismo, nas Pescas, na Agricultura, na Indústria, nas Infraestruturas, na promoção, na formação profissional, nas Finanças e em outras áreas que estão dispersas por cada um dos departamentos da governação.
A coordenação destas áreas é muito importante se houver um enfoque na eficiência e nos resultados finais de maior competitividade.
A colocação da captação do investimento externo numa vice-presidência sem outras competências na área da economia é uma opção estritamente política.
Tudo dependerá dos veículos que forem utilizados para a concretização das políticas para a área designadamente a estrutura institucional que for adoptada.
Há poucos dias o Banco de Portugal revelava que os Açores estão na cauda da captação de investimento externo. A que se deve este atraso?
Segundo o Banco de Portugal os Açores não só estão na cauda, mas estarão na ponta da cauda do desempenho em captação de investimento externo.
Os dados são muito elucidativos. Em finais de 2023, Portugal tinha investimentos externos num montante de 180 411 milhões de euros, a Madeira tem 8 644 milhões de euros (4,8% do total) e os Açores de 523 milhões de euros (0,3% do total nacional, 16 vezes menos do que a Madeira).
Os Açores estão claramente fora de jogo neste indicador face aos seus cerca de 2,4% da população e do território.
Este atraso deve-se à nossa incapacidade para desenvolver e manter uma instituição que se responsabilizasse pela promoção do investimento externo nos Açores e da nossa incapacidade para criar um contexto verdadeiramente atractivo para o investimento externo.
Os Açores não se têm revelado suficientemente acolhedores do investimento externo embora tenhamos alguns bons exemplos nos lacticínios, no turismo, na transformação de pescado e em algumas áreas de menor expressão.
Certo é que estamos muito atrasados no processo de atracção de investimento externo, o que é por si só um mau sintoma que dá nota da nossa fraca competitividade.
Tivemos o melhor ano de turismo de sempre no ano passado. Mas nos últimos dois meses registam-se quedas no sector, coisa que já não víamos há quase uma dezena de anos. Isto pronuncia alguma coisa de menos positivo para o sector?
Isto é o corolário da insuficiência de acção no passado recente para manter a nossa competitividade, seja em áreas da responsabilidade das autoridades regionais seja em áreas da responsabilidade das autoridades nacionais.
Já tínhamos previsto esta degradação em função não só dos parcos recursos afectos à promoção do Turismo como também da forma desgarrada como se utilizaram os recursos disponíveis. Isto porque todos os destinos concorrentes do nosso se empenharam mais do que nós, com mais divulgação e com propostas mais competitivas.
Descuramos, para além disso, a gestão dos custos operacionais dos transportes aéreos. Temos, no conjunto nacional e regional, sido desastrosos (veja-se o que se tem passado ao nível das infra-estruturas aeroportuárias, por exemplo) na capitalização da forte procura que suscitamos na indústria do turismo, apresentando serviços manifestamente deficientes e prejudicando com isto o nosso potencial de crescimento.
Para os Açores, a perda de grande parte da operação da Ryanair no Inverno é sintomático do problema de fundo da competitividade e uma explicação importante para a quebra do turismo nesta época baixa.
Como vai ser este ano económico? A retracção prevista para a zona euro e para o país terá reflexos entre nós?
Seguramente que terá impactos entre nós.
Vivemos numa economia integrada e o que acontece aos nossos clientes, nacionais, europeus e de outras geografias, importa.
Se eles têm condições económicas menos vantajosas irão retrair-se e seleccionar melhor as suas opções. Neste contexto ou somos competitivos e continuamos a atrair clientes ou não somos e vamos perder clientes.
O ciclo e o efeito da pandemia já acabou. Estivemos bem na fase pós-pandemia porque oferecíamos algo de diferente e adequado ao período – os turistas procuravam sítios resguardados e nós tínhamos uma oferta imediata. Os mercados já acertaram a sua oferta e já respondem melhor às novas preferências dos viajantes.
A retracção nacional e europeia só implicará maiores dificuldades se não estivermos ao nível de competir com vantagem para a atracção de procura.
Receio que possamos não ter o desempenho necessário. O receio aumenta na proporção da inacção sobre os factores de competitividade mencionados anteriormente.
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