Finalmente terminou.
Quando vos escrevo esta coluna semanal (algures num voo da Kenya Airways entre Joanesburgo e Nairobi), esgotam-se os últimos argumentos, contradiz-se o que já se disse, ataca-se os de sempre, contam-se influências, analisam-se sondagens (caseiras ou não), arrumam-se as arruadas, aumentam-se os decibéis, fica-se rouco, como se realmente valesse a pena o sacrifício.
Nos Açores, desde que o ano começou foi assim, com a campanha para as regionais, as festas e as desilusões, e agora, a campanha nacional, como se todos os candidatos continentais conhecessem a região e a tivessem no topo das suas prioridades.
Porque é exatamente disso que se trata: de estabelecer prioridades. O que podem, afinal, esperar os Açores da legislatura regional que agora se inicia? Pelos ditos e não ditos de candidatos (depois eleitos deputados à Assembleia Legislativa Regional), talvez não seja apenas futurologia política pensar que esta segunda legislatura com liderança de uma coligação sem maioria absoluta não chegará ao fim.
Não por falta de vontade, de empenho, até de respaldo natural do que foi expresso nas urnas pelos eleitores, a 4 de fevereiro. Mas pelo habitual jogo de cadeiras, de interesses, de lugares, de imagem, de pseudo-estratégia dos três pês: Política, Partidária e Pessoal.
É no que resulta o círculo de compensação, permitindo ao Bloco de Esquerda, ao PAN e à Iniciativa Liberal manterem representações parlamentares mínimas no número de mandatos (um para cada), mas máximas na ambição – recorrente em relação à última legislatura mas coerente com os perfis pessoais e políticos dos três deputados em causa… – o que, evidentemente, aporta duas condições curiosas e cumulativas ao funcionamento da atual ALRA: imprevisibilidade nos seus comportamentos e instabilidade na governação da região. Tudo aquilo de que os Açores não necessitam, neste momento da sua história autonómica.
Ademais, abre-se uma “caixa de surpresas” (esperando-se que não de Pandora…) à direita parlamentar, com a constituição de um robusto grupo de deputados do Chega. Chegam para querer mostrar serviços, e está por saber que tipo de serviços.
Se o esperado serviço aos açorianos, tão aclamado e propalado pelo muito característico líder do partido nos Açores durante três anos, quer com Carlos Furtado integrado quer, depois, como único representante dos “newcomers” da última legislatura.
Ou se um inesperado mas não muito surpreendente alinhamento com as causas e coisas nacionais do Chega, impetuoso e imprudente no seu afã populista de surpreender eleitores e eleitos.
É, diga-se à partida, um grande desafio para Bolieiro.
O Presidente do Governo Regional alicerça-se na coligação, sim, mas já se lhe nota um inflexão discursiva que, para os mais atentos, aponta em dois sentidos convergentes.
Uma capacidade crescente de chamar a si responsabilidades, assumindo uma presidência mais unívoca e inequívoca do executivo açoriano, até no que diz respeito a negociações e entendimentos com o parlamento.
Mas também um sinal de que, caso as coisas corram mal (entenda-se, a qualquer momento, seja no imediato, daqui a um, dois ou três anos), com um eventual chumbo orçamental e consequente queda do executivo, se autonomizará, concorrendo o PSD sozinho a um novo ato eleitoral, uma vez que o acordo firmado com os parceiros era válido apenas para duas legislaturas.
Um duplo tabuleiro de xadrez para José Manuel Bolieiro, que corre o risco de esgotar três mandatos como Presidente do Governo… sem completar nenhum. Uma particularidade do sistema eleitoral – mais uma… – que deve fazer pensar parlamentares e constitucionalistas, em sede de revisão mais do que urgente. Uma das tarefas plurilegislatura que, afinal, os deputados à ALRA, até agora, parece não terem querido (ou sido capazes de) completar.
Mas nesta dupla partida de xadrez Bolieiro começa a separar o trigo do joio. Um passo determinante para o futuro político do PSD nos Açores e para as suas próprias ambições, considerando os quadros que apontei e os caminhos a que eles levam.
Há algo que o líder social-democrata açoriano já terá aprendido, quer como autarca quer como primeiro responsável pelo governo regional, e que resulta de um dito tão popular quanto indesmentível, em qualquer momento das nossas vidas: se queres mesmo ser feliz, nunca trates como prioridade quem apenas te trata como opção…
Rui Almeida*
*Jornalista