Com partilhadas culpas remotas das falsas ilusões criadas ao longo dos anos pelos governos PS/PSD/CDS, e com origem no PSD, foi-se propagando na democracia portuguesa um vírus parasitário de extrema direita, até ao ponto em que, objetivamente, Marcelo Rebelo de Sousa, no desempenho dos seus mandatos e fazendo as escolhas que fez, ajudou a que o nosso país em 2024, 50 anos depois da Revolução de Abril, revisitasse o dia 24 de abril e os tempos da sua juventude, enquanto afilhado do substituto de Salazar.
Não sou eu que o digo, mas sim o responsável do partido que mais cresceu, exatamente o partido da extrema-direita, ao comentar os resultados da noite eleitoral do passado domingo: “Hoje começou a mudança que o País precisava há 50 anos” …
Dir-se-ia que, com este ato eleitoral (uma expressão em si mesma das transformações e liberdades democráticas anteriormente negadas pelo partido único do fascismo) teríamos finalmente extirpado das entranhas políticas e constitucionais portuguesas todas as razões justificativas do levantamento dos militares e do processo revolucionário que se lhe seguiu em 25 de abril de 1974.
Teríamos prolongado dolorosamente para todo um povo, particularmente toda a sua juventude, uma guerra sangrenta e cara em três frentes africanas, contra os povos das colónias, que já durava há 13 anos;
Teríamos continuado a gastar rios de dinheiros públicos com serviços de censura estendidos a todas as instituições públicas e privadas, a encobrir a corrupção, e com a manutenção duma polícia política (com milhares de agentes e informadores), bem armada, que perseguia os cidadãos e que se servia de várias prisões dispersas pelo território metropolitano e colonial para encarcerar por tempo indeterminado, torturar e assassinar os opositores ao regime;
Teríamos voltado a ter um povo subalimentado e condenado à ignorância, ao analfabetismo, ao obscurantismo, à miséria socialmente desprotegida e à emigração massiva como fonte de equilíbrio da balança comercial depauperada pelo esforço de guerra. Voltaríamos a viver sem dignidade e a morrer mais cedo, sem reformas e pensões, sem salário mínimo e sem serviço universal de saúde.
As ilhas atlânticas perderiam a autonomia e regressariam aos tempos do ostracismo e isolamento.
Seríamos um país estranho e francamente hostil a muitos milhares de novos eleitores que, subitamente sacudidos da letargia da abstenção e do desinteresse político, decidiram dirigir-se às urnas no domingo passado, para votar sobretudo na extrema-direita.
Mas não somos esse país estranho, por mais que a CUF ou Champalimaud (que já eram servidos por Salazar) e outros novos grupos económicos apoiantes da extrema direita, ambicionem voltar a ser. Adquirimos em 25 de Abril de 1974uma característica genética revolucionária, democrática e livre que se manteve e persiste ao fim de 50 anos, apesar de agora gravemente mutilada pelos avanços eleitorais da extrema-direita. Os novos pretensos salvadores da pátria irão ter de enfrentar certamente a resistência e a luta populares em várias outras frentes que não só as eleitorais e, garantidamente, muitos dos que, votando neles, julgaram ter descoberto o remédio para as suas inquietações, precariedade, insegurança e defraudadas expetativas de um futuro mais promissor, acabarão por integrar essa luta ao lado dos que nunca a abandonaram nem no tempo desse estranho país governado por fascistas.
50 ANOS DEPOIS – 25 DE ABRIL, SEMPRE!
Mário Abrantes