Foi como artista que bem precocemente mostrou o seu talento poético cujo ritmo tem sempre algo de musical. É claro que teria de ser dentro dos moldes do romantismo de então, romantismo cujo pendor nunca perdeu e o salvou, em parte, de um positivismo exacerbado.
A confiança que tinha no seu talento mostrou-se bem cedo. Perante o professor do Liceu, João Hermeto Coelho Amarante, (1820- 1893) que lhe perguntava o que queria ser, respondeu prontamente:
- Doutor!
Ao que o mestre retorquiu com ironia e sem o levar a sério: - Não vejo moita onde saia coelho!
Mas o pequeno Teófilo, sem perder a compostura e muito seguro de si, como aliás seria toda a vida, respondeu: - É porque o senhor mestre não tem faro! [iv].
O mestre não deve ter gostado da resposta, aliás era uma pessoa singular. Natural da Ilha Graciosa, foi poeta, de temperamento muito instável e acabou por se lançar ao mar numa viagem de regresso à sua Ilha.
Teófilo foi tipógrafo aos 14 anos, ao mesmo tempo que frequentava o Liceu e bem cedo manifestou talento. O jornalista e farmacêutico, Francisco Maria Supico, (1830-1911) natural da Lousã, desempenhou um papel importante na sua juventude. Tinha este jornalista um grande pendor para as Letras, sendo director do jornal “Estrela do Oriente”, na Vila da Ribeira Grande, e depois de outros periódicos. Quando chegou, encontrou na cidade um novo ambiente cultural que a presença de António Feliciano de Castilho durante dois anos em Ponta Delgada proporcionara. Deixou muita produção sua espalhada por jornais, ao mesmo tempo que convivia e se carteava com os mais diversos literatos da época, tornando-se um açoriano por adopção. Foi através dele que Teófilo pôde publicar os seus primeiros versos no jornal que Supico editava. Depois, quando em 1920, Teófilo Braga escreve a maior parte o livro “A Mocidade de Teófilo – Subsídios bio bibliográficos para o estudo da obra de Teófilo Braga” atribuiu a mesma a Supico pelos encómios e excessos laudatórios da obra que na realidade era mais da sua autoria que de qualquer outro. Mas eram verdadeiramente amigos e assim o foram pela vida inteira.
A sua estreia nas letras aos 15 anos com um livro de poemas, alguns já antes dispersos pelos jornais e outros inéditos, intitulado “Folhas Verdes” foi editado pelo jornal “A Ilha”. Este foi um jornal que teve parte muito activa na vida cultura de S. Miguel e resistiu muitos anos até ser extinto já na década de oitenta do século XX. Tinha o livro inspiração romântica, religiosa e também dos seus primeiros amores. Teve o apoio benevolente do Visconde da Praia. Aliás, a esposa do Visconde já ajudara a irmã de Teófilo, Maria José, sua preferida, pagando-lhe os estudos num colégio inglês [v]. Será esta sua irmã, Maria José, mais velha do que ele apenas um ano, aquele membro da família de quem devia estar mais perto e que nunca esqueceu, apesar de não mais a ter visto depois de deixar a Ilha, muito embora projectasse várias vezes trazê-la para o seu lar, mas que foi adiando, mesmo quando já estava bafejado pela sorte e tinha já saído de dificuldades financeiras.
A própria irmã, por fim, parece mostrar que receava a saída da sua terra natal e vir para casa de um irmão e respectiva família de quem já pouco sabia além do que, pela correspondência [vi] lhe chegava e nem essa era sempre muito regular. Tão distante assim, só podia saber vagamente as mudanças que seu irmão sofrera. A ideia de seguir um curso teológico, as preocupações com os outros irmãos, as referências a sua esposa D. Maria do Carmo, bem como uma saudade à qual queria ser imune sem o conseguir, estão presentes ao longo dos anos nas cartas de Teófilo e mostram como o quotidiano o levava a oscilar entre a esperança de um futuro estável e o seu medo e preocupação constante por encontrar recursos sólidos e abandonar a insegurança de uma vida em que os problemas económicos eram aflitivamente vividos. Mas a amizade entre irmãos era inegável e D. Maria José preocupa-se com ele, sente as suas alegrias e desgostos como seus, censura-lhe a demora da resposta às suas cartas, conta as suas preocupações familiares.
Esta senhora teve uma vida bem pouco feliz ou afortunada. Internada bem cedo num colégio inglês de Ponta Delgada, mais tarde, aos 18 anos, a sua estada em casa do pai e da madrasta, D. Ricarda, revelou-se tão difícil, para não dizer insustentável que o pai a aconselhou a entrar para o Convento da Esperança onde viviam as freiras das ordens já extintas, bem como algumas senhoras recolhidas Com muita sensibilidade, Brandão da Luz [vii], deu conta de quanto deve ter sofrido esta jovem, de grande beleza e alguma cultura, em aceitar o convento como último recurso já que todas as portas se lhe fechavam. A pobre menina não ficou para sempre como recolhida no convento, onde aliás fez boas amizades e nunca se queixou de lá ter estado. Depois que saiu da casa de seu pai, este manteve-se muito distante e poucas vezes procurou ver a filha. D. Maria José viveu ainda bastante tempo em Ponta Delgada e alguns anos em casa de uma sua meia-irmã, Maria do Espírito Santo, que já viúva fora viver para a Madeira. As cartas entre os dois irmãos começaram mesmo antes de Teófilo abandonar Ponta Delgada, quando a jovem estava recolhida no Convento e as visitas à grade só se podiam realizar aos Sábados. Essa troca epistolar é mais reveladora que muitos outros testemunhos e demonstra o afecto que Teófilo tinha pela família e o seu empenho em ajudar os irmãos, mesmo o seu irmão Luís que lhe deu muitas preocupações pelo seu carácter instável. Mesmo que as circunstâncias da vida os tivesse separado, logo que isso se proporcionasse, demonstrava interesse por todos e era a sua irmã a quem dirigia as suas confidências sobre o seu estado de incerteza, as crises morais que atravessava, os contratempos e viagens que fazia. Andava sempre muito a pé e chegou a contar que, foi uma vez à Serra do Bussaco a pé e também à Figueira por saudades de ver o mar e porque considerava «pestilentos» os ares de Coimbra. Foi ainda visitar umas velhas tias a Braga, e sobre o assunto comenta:
«É uma cidade bonita, há muita superstição, muito fanatismo e até malvadez. Fui ao Bom Jesus e vi o que se pode ver. Minhas tias são umas pobres velhinhas, fui e voltei a pé. Eu ando muito, parti de Braga às 7 da manhã e cheguei ao Porto às 4 da tarde do mesmo dia, percorrendo 8 léguas. Foi andar bem».
Lamenta Manuel Barbosa [viii] quanto lhe foi custoso conseguir encontrar quer em livrarias, quer em alfarrabistas de Lisboa e Coimbra por onde andou, obras de Teófilo Braga, ou mesmo que versassem os seus trabalhos. Uma razão importante é que estão desactualizadas e, na verdade, sendo monumentais como são, assustariam qualquer possível editor, quer pela profusão de assuntos, quer pelos volumes que seriam precisos publicar. Apesar disso, não podemos deixar de nos espantar que esteja tão esquecido das novas gerações. Porém já na sua época era muito polémico todo o seu trabalho. Mesmo quando se tratava de estudos mais recentes, eram escassas as referências e as poucas encontradas, mais depreciativas do que criteriosas nos seus juízos. Podemos concordar com os críticos que afirmam ter havido sempre como que uma «conspiração do silêncio» ao redor desta figura tão marcante e decisiva nos finais do século XIX e princípios do século XX.
Este homem de tenacidade indomável teve os mais elevados êxitos que bem reconhecidos foram no estrangeiro, talvez bem mais do que na sua terra natal.
NOTAS
[i] Monteiro, Gomes, Vencidos da Vida – Relance literário e político da segunda metade do século XIX. Ed. Romano Torres. Lisboa, 1944
[ii] Dias, Urbano de Mendonça, – Literatos dos Açores, Vila Franca do Campo, 1933, pp. 113-127.
[iii] Homem, Amadeu Carvalho, – Teófilo Braga, Cartas a Maria do Carmo Barros Leite, (1864-1909), Prefácio, Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada, 1994, pp.13-20.
[iv] Dias, Urbano de Mendonça, – ob. cit. pp. 114-115
[v] Homem, Amadeu Carvalho, – ob. cit. .13-20.
Continua
Lúcia Simas