4.2. Flores Turismo 2013
Na manhã de dia 29 houve um novo nascer do sol, diferente dos anteriores pois havia uma estreita, mas longa camada de nuvens pairando no horizonte. Começou por mostrar-se por entre as nuvens, ora se descobrindo, ora se escondendo. O mar continuava no calmo marulhar de plácidas águas e os pombos e pardais debicavam restos ou migalhas no jardim do Hotel em frente ao salão de jantar.
Se ontem já víramos centenas de melros por todas as estradas onde passamos e uma boa dezena de coelhos bravos de pequeno porte, esta manhã apenas se ouviam pardais. Até agora não se viu um único milhafre ou aves semelhantes predadoras que são visão frequente nas ilhas orientais. Investiguei e consta que não existem aqui aves de rapina [apenas no Corvo e Flores não existe esta espécie].
Este bucolismo de acordar a apenas dez metros do mar em frente a um rochedo com outrotanto de altura, coberto de urze é uma imagem que decerto vai perdurar. Na varanda virada a oriente existem outros rochedos, mas quase desprovidos de verduras e com reentrâncias onde a água faz poças constantemente renovadas, com pequenas ondas que se entrechocam com pequenos leixões ou farilhões entre os dois rochedos. Apesar da maior parte destes ilhéus florentinos terem nomes, estes dois são demasiado pequenos para terem sido batizados. O de maior vegetação podia ser o Ilhéu dos Cagarros (pois nele existem vários ninhos) e o das Poças por ter sido ele que me fez salientar o facto de eu já não conseguir recordar em detalhe o princípio dos vasos comunicantes da Física que ali estava em plena demonstração ao vivo e em direto.
Em frente, o Corvo desperta, leve e lentamente, já banhado pelo sol nascente, e assim permanecerá até ao ocaso. A depressão de terreno junto ao mar é – de facto – o único local suficientemente recortado para ter sol todo o dia no verão. Também é o menos inóspito de toda a pequena ilha e quem sabe se não foi essa exposição ao sol o que motivou que os habitantes aportados a esta ilha inicialmente se fixassem aqui? Podia ficar aqui neste belo ponto do mapa a desfrutar desta paisagem e aguardar a chegada do inverno com as suas ondas de 8 a 10 metros que devem banhar a piscina e o jardim aqui por baixo da varanda da suíte.
Santa Cruz das Flores, um dos locais mais ocidentais de toda a Europa, está consequentemente mais perto do Canadá e dos EUA do que qualquer outro para uma pessoa como eu se perder na alvura das páginas e debitar lirismo. Desde Timor (1974-1975) que não vivia tão perto do mar (em Macau a distância do delta era um pouco maior, uma avenida e um passeio). Em Timor havia bem perto de casa o crocodilo sagrado que criou a ilha, aqui poderíamos criar a lenda dos cagarros como progenitores desta ilha florida. Acabemos com a divagação pois o pequeno-almoço chama. Sonhar ainda continua a ser gratuito e o governo ainda não instituiu nenhuma taxa. Todo este Hotel das Flores (INATEL) de 4 estrelas é decorado com fotos a preto e branco, de tamanho variável, relativas a vida subaquática da autoria de Nuno Sá, fotógrafo consagrado internacionalmente pela sua atividade fotográfica submarina. Parabéns pela bela decoração.
Saindo de Santa Cruz na direção sul tivemos a sorte de ver um avião Q 400 Bombardier da SATA a aterrar no horário habitual das dez horas da manhã. Seguimos depois para o impressionante miradouro da Fajã do Conde, bem pequenina lá em baixo do outro lado do Morro de Santa Cruz e cujo acesso nem quero imaginar embora parecesse haver uma estrada de acesso…lá no fundo, bem em baixo…
Aqui seguimos pela estrada que corta a ilha ao meio, passando pelo Pico da Casinha e seu miradouro, bem como inúmeros outros miradouros até chegarmos à Caldeira da Lomba, já visivelmente eutrofizada. Depois, entre a Lomba da Vaca e o Pico do Touro passamos pelo Morro dos Frades, tornando a ver, agora de outro ângulo, as Lagoas Funda e Comprida., seguidas da Funda e Rasa antes de descer à Costa do Lajedo (Ponta das Cantarinhas, Águas Quentes, e Ponta Negra).
O pior foi no caminho da Costa do Lajedo para o Lajedo. Todo o monte era alvo de enorme intervenção (provavelmente efeito de derrocada) e a estrada em terra para o Lajedo estava em obras, ali mal passava um carro entre o abismo e os montes de brita deitados na parte protegida da estrada. O carro resvalava e fizemos a 5 km/h aqueles metros, sem hipótese de retroceder. O carro a deslizar para o lado sem o poder controlar e o declive ali mesmo ao lado a meros centímetros das rodas…foi assustador…, mas não havia já alternativa, para trás nem pensar e para a frente eram aqueles 20 ou 30 metros com menos de dois metros de largura de brita solta…
Chrys Chrystello*
*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713