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Politicamente (in)Correto

Talvez escape à maioria dos cidadãos, mas a atividade parlamentar é, ao cabo de uma legislatura de quatro anos, um “bom negócio” para as contas bancárias dos 57 deputados à Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Bem sabemos que os salários médios, em Portugal, continuam, mau grado todos os esforços de alguma aproximação desenvolvidos nos últimos anos, bem abaixo da média da União Europeia, não sendo verdadeiramente competitivos em algumas profissões “charneira”, como a docência, as posições de técnico superior no quadro do setor público ou a comunicação social.
Justamente por isso, a migração – ainda que temporária, por um ou dois mandatos – para a política e para a representação dos cidadãos no parlamento da Horta é tentadora e rentável, ao cabo desse período, representando, na maioria dos casos, um acréscimo líquido de rendimento para mais do dobro do auferido na posição profissional de origem.
Um deputado em regime de exclusividade ganha mensalmente 4261 euros ilíquidos, considerando o vencimento base e um acréscimo de pouco mais de 500 euros para despesas de representação, o que significa um “income” anual (incluindo, obviamente, catorze meses de retribuição), superior a 55 mil euros. Deduzindo impostos, a verba fixa-se em quase 40 mil euros de vencimento líquido por ano.
Aliás, a verba base de pagamento mensal é idêntica para todos os membros da ALRA, à exceção do Presidente, que aufere 5059 euros, a que se juntam 2023 de despesas de representação, para um total ilíquido de 7083 euros mensais.
Quer dizer, os acréscimos surgem em função de cargos específicos nos respetivos grupos parlamentares (Presidente ou Vice-Presidente), Presidentes de Comissões, Secretário da Mesa ou Relator de Comissão, e variam, no essencial, na verba de despesas de representação.
Estes são os valores atualizados para 2024, que talvez surpreendam alguns leitores mas que (e essa é a sílaba tónica da nossa conversa de hoje), representam, para a grande maioria dos eleitos, uma melhoria significativa de condições remuneratórias em comparação com os respetivos lugares de origem profissional, sejam do setor público ou da área privada (onde, salvaguardando algumas exceções, se paga tendencialmente pior do que no funcionalismo ao serviço do Estado).
Aos valores referidos ainda acresce o pagamento de viagens, estadias e ajudas de custo em cada deslocação para o exterior do respetivo círculo eleitoral (ou, no caso dos eleitos pelo círculo de compensação, do local oficial de residência).
Trata-se, claro, de uma função de extraordinária responsabilidade, a de deputado na ALRA, mas – e esta é também uma nota curiosa… – os políticos portugueses não são, em proporção, dos mais bem pagos (ou sequer perto disso) na média dos países da União Europeia. De resto, muitos dos melhores quadros disponíveis para ocupar funções parlamentares ou governativas rejeitam sistematicamente os desafios para tal, justamente por considerarem que estes valores ficam aquém do razoável e, sobretudo, do que conseguem auferir nas suas atividades (essencialmente quando falamos de gestores, quadros de administração empresarial ou profissionais liberais, como advogados).
Em início de mandato, é (acredito) interessante e importante olhar para estas folhas de pagamento como responsabilizadoras de um trabalho sério, exclusivo, dedicado, profundo e profícuo em prol das ilhas pelas quais foram eleitos ou, obviamente, de toda a região. É isso que se espera dos membros da Assembleia Legislativa Regional dos Açores: menos “tricas” político-partidárias, menos contraditório fútil, fechado em si mesmo e com “soundbites” para aproveitamento nos serviços noticiosos, mais capacidade de diálogo, de encontro comum de soluções, de vontade genuína de servir os Açores e os açorianos numa perspetiva estruturante, de médio e longo prazo, e não de sorrisos, cumprimentos e palmadinhas nas costas por parte dos seus correlegionários parlamentares ou governamentais, com o habitual cinismo que a maioria desses transporta…
Ora por falar em cinismo, nota final para hoje: o agora único deputado do Bloco de Esquerda, António Lima (reduzido, portanto, à condição formal de “representação parlamentar”), manifesta-se de modo recorrente em relação ao que considera ser despesismo sem justificação nas nomeações para cargos nos gabinetes governamentais (Chefes de Gabinete, Adjuntos, Assessores e Secretários Particulares).
A 22 de fevereiro, o mesmo deputado assinou um despacho de nomeação, para o seu gabinete na ALRA (sublinho, o gabinete que dá apoio a… um deputado!), de um Adjunto e de… três assessoras.
Portanto, António Lima revela-se um adepto de velhos e muito consequentes ditados populares portugueses: “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”…

Rui Almeida*

*Jornalista

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