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Turismo em retrocesso neste Inverno

O presente inverno desiludiu os empresários do turismo; o destino Açores teve uma queda junto dos mercados que até então vinham apresentando crescimento; a curva começou a inverter.
Não deixa de ser uma grande desilusão verificar que, depois de tantos anos em crescendo e com tantos turistas, o sector não tenha conseguido fidelizar quem visitou os Açores.
O mal da sazonalidade de que os empresários tanto se queixam, é uma efectiva consequência dessa inabilidade para fidelizar os seus clientes. Contrariamente ao que afirmam, os Açores não perderam competitividade, mas simplesmente não conseguiram impor-se em todo o seu esplendor, como um destino de 9 ilhas distintas e de enormes belezas naturais e culturais, factor de enorme diferenciação em relação aos demais destinos concorrentes.
Acresça-se a isto, o facto de se ter estado a vender “gato por lebre”, com preços exorbitantes que não reflectiam a qualidade dos serviços prestados.
Em vez dos empresários se focarem na fidelização dos seus clientes, que os faria querer regressar nos anos seguintes e mesmo em época baixa, preocuparam-se em sacar o mais que puderam daqueles que lhes entraram pela porta.
Salvo raras excepções, como algumas que se têm no Pico e em São Jorge, a qualidade que se vendeu ficou muito aquém do valor que se cobrou, o que a médio e longo prazo retira atractividade ao destino quando comparado com outros, a distâncias similiares dos mercados emissores do Centro da Europa; quem se sente “roubado” uma vez, dificilmente quer repetir a experiência.
Mas o verdadeiro problema deveu-se, em meu entender, a um outro factor. O modelo que foi implementado hipotecou o potencial de crescimento e agora, em que a capacidade de dormidas em São Miguel em época alta ficou saturada, a tendência simplesmente estagnou.
O afunilamento das entradas e saídas de passageiros por via aérea no aeroporto de Ponta Delgada, que representa cerca de 70% do total de passageiros, hipotecou o potencial de crescimento pois limitou-o ao número de camas disponíveis na Ilha de São Miguel, em vez de estendê-lo ao todo do arquipélago.
Este modelo, não só hipotecou o crescimento do turismo como também desincentivou o dinamismo de investimento que poderia ter sido vivido em todas as restantes oito ilhas. E agora, levou o sector a entrar em estagnação.
E esta estagnação acontece a contra-ciclo do crescimento que se tem verificado nos outros aeroportos de Portugal e do que se perspectiva para os próximos anos.
Efectivamente, quando se compara o potencial de crescimento de passageiros nos Açores e aquele que se estima que venha a acontecer em Lisboa, no Porto ou em Faro, entende-se facilmente que, apesar da muito maior concorrência nos aeroportos do Continente, não é certamente nos Açores que se pode esperar um aumento apreciável dos movimentos.
Enquanto que em todos os aeroportos do Continente os crescimentos foram muito consideráveis após a entrada das “Low-Cost” (vejam-se os números no Quadro 1), sempre com percentagens na ordem dos dois dígitos, os Açores duplicaram os passageiros com a abertura do espaço aéreo, tendo estagnado logo após esse impulso inicial, chegando rapidamente a uma saturação, e sendo de esperar uma quase estagnação de agora em diante.
O valor residual dos encaminhamentos é clarificador do efeito da concentração em São Miguel dos fluxos de turistas e de quão tem sido difícil para as restantes ilhas conquistarem o seu espaço no mercado que foi trazido pelos voos em espaço liberalizado.

Passageiros Lisboa* Porto* Faro* Açores** Açores**
(trânsito inter-ilhas)

2004 10’731’186 2’960’553 4’658’189 1’643’726 44’223 (2.70%)
2012 15’315’800 6’051’081 5’674’221 1’709’494 45’046 (2.60%)
2019 31’184’594 13’112’453 9‘010’760 3’420’744 74’297 (2.20%)
2022 29’438’257 12’378’156 8’506’157 3’686’527 25’756 (0.70%)
2023(1º
semestre) 15’878’048 7’063’856 4’180’000 2’390’270 15’281 (0.64%)

  • Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE)
    ** Fonte: Serviço Regional Estatística dos Açores (SREA)
    Quadro 1: Passageiros embarcados e desembarcados nos aeroportos do Continente e nos Açores.

A falta de perspectiva de crescimento esteve, em meu entender, na base da decisão da Ryanair, muito provavelmente como o factor principal, para fechar a base que tinha há vários anos em Ponta Delgada.
Agora, São Miguel vai ficar na situação em que colocou as restantes ilhas, pois todos os fluxos se irão fazer através de Lisboa ou do Porto; e infelizmente, as restantes ilhas sofrerão o efeito da dupla insularidade, situação de onde nunca saíram, apesar de tantos anúncios dos diversos governos onde se apregoou a tão amada coesão, mas que não passaram das meras palavras.
Os grandes responsáveis por se ter chegado a este triste cenário são precisamente aqueles que vieram agora a público “apontar o dedo a outros” e, como sempre, e sem surpresa alguma, munidos de uma longa lista de coisas a serem implementadas e financiadas por esses “outros”, o Governo Regional.
Foram os empresários de São Miguel que forjaram o modelo de concentração dos fluxos por Ponta Delgada, obrigando as pessoas a pernoitarem na ilha antes de poderem prosseguir viagem, e que levaram os diversos governos a implementarem-no fruto do fortíssimo lobby exercido; uns e outros são os grandes obreiros desta desilusão.
Os primeiros porque desde a liberalização têm feito pressão sobre o Governo para que tudo fique afunilado em Ponta Delgada, como se os benefícios da chegada das “Low-Cost” aos Açores lhes fossem devidos em exclusivo, sem se importarem minimamente com o desenvolvimento harmónico que estas deveriam ter trazido a todas as ilhas.
O segundo, porque se deixou capturar pelos interesses dos primeiros, com medo de perder popularidade, e votos, na ilha mais populosa, e porque, por isso mesmo, não promoveu a repartição dos efeitos do crescimento do turismo por todos, e não se importou de hipotecar a coesão que tanto apregoa.
O cenário seria certamente diferente se a SATA Air Açores tivesse adaptado os seus horários inter-ilhas para permitir a entrada e saída, no mesmo dia e sem grandes tempos de ligação, para e de qualquer ilha, dos passageiros que escalassem um dos aeroportos de acesso à Região.
Esta flexibilidade de entrada e saída para e de qualquer uma das ilhas do arquipélago teria trazido uma grande dinâmica ao turismo, bem como teria distribuído os turistas de forma mais equilibrada, dando-lhes a conhecer a beleza da diversidade natural e cultural dos Açores.
Sendo muito difícil prever com exactidão em que ponto estaria o desenvolvimento turístico dos Açores caso se tivesse optado pela franca descentralização dos voos para o exterior, pode-se afirmar, com toda propriedade, que o cenário seria muito diferente e os crescimentos teriam sido maiores, o que talvez não tivesse motivado a recente reacção e decisão da Ryanair.
Chegou-se aqui porque os empresários de São Miguel não tiveram a visão correcta de como se pode tirar o pleno valor do turismo e porque os decisores políticos não tiveram a menor visão estratégica para o desenvolvimento do sector.
A inversão da tendência de negativa, os sucessos e os insucessos que se venham a ter, serão consequência da estratégia que vier a ser implementada por todos os agentes do sector, os empresários de todas as ilhas e o Governo Regional; todos terão o seu papel e, como consequência a sua quota de responsabilidade nos resultados que forem alcançados.
Ao Governo Regional cabe-lhe o papel central de implementar, de forma transparente, a estratégia que garanta o crescimento do turismo em todo o arquipélago, sem que fique refém dos interesses do lobby de São Miguel e sem que “assobie para o lado”, apressando-se a descartar responsabilidades, quando os problemas surgem.
Dos empresários exige-se que entendam que não podem colocar em perigo o desenvolvimento e a competitividade do sector, ao impedir o desenvolvimento do turismo em toda a Região, e ao cobrar uma espécie de “gato por lebre”, devendo trabalhar para fornecer uma melhor qualidade daquela que é proporcionada pelos destinos que lhes são concorrentes.
Dos empresários de São Miguel, em específico, exige-se que não se deixem levar pela ganância de quererem ficar com todos os turistas, entendendo que é também do seu interesse que estes tenham acesso facilitado às demais ilhas dos Açores
Os Açores devem ser promovidos e anunciados como um todo, como um arquipélago em que cada uma das suas 9 ilhas tem para oferecer belezas e especificidades distintas,
O verdadeiro potencial turístico dos Açores e o seu factor de diferenciação verdadeiramente único reside na enorme diversidade de todas as 9 ilhas do arquipélago, prontas a visitar e ali mesmo ao lado.
É aqui que reside o segredo do contínuo crescimento do turismo, da fidelização dos turistas que nos visitam, da quebra progressiva da sazonalidade e do desenvolvimento harmónico e inclusivo de todas as ilhas da Região.

Nuno Ferreira Domingues

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