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Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (50): Sobre Medicina do Trabalho e prisional

Os dados para análise da semana: mais e melhor saúde para quem está preso

Esta semana o grupo de trabalho interministerial criado (pelo despacho n.º 4221/2023, de 5 de abril) para elaborar uma proposta de “Plano Operacional para a Saúde em Contexto de Privação da Liberdade para o período de 2023-2030” apresentou o relatório final ao Governo, propondo uma alteração do modelo de governação da prestação de cuidados de saúde em meio prisional.
O documento defende a transferência da tutela dos cuidados de saúde prisionais para o Ministério da Saúde e, consequentemente, a integração da saúde prisional no Serviço Nacional de Saúde, tendo por base territorial – na atual organização da prestação de cuidados de saúde – a Unidade Local de Saúde a que pertence o Estabelecimento Prisional. A equipa, com peritos da Saúde, da Justiça e da Ciência, e de um centro colaborador da Organização Mundial de Saúde (OMS), propõe uma transição faseada de competências do Ministério da Justiça para o Ministério da Saúde, associada a uma monitorização contínua que tenha por base indicadores que permitam avaliar o custo-efetividade da alteração da governação. Para o Grupo de Trabalho, o “Plano para a Saúde em Contexto de Privação da Liberdade” constitui uma ferramenta essencial de saúde pública, que servirá os direitos e a dignidade tanto da população em reclusão, quanto da comunidade de onde ela provém e para a qual voltará. O relatório destaca que uma continuidade entre o acompanhamento de saúde em meio livre e em meio prisional permitiria melhorar o seguimento de condições crónicas, reduzir custos com novos exames, reduzir a possibilidade de desenvolver resistências a medicamentos e reduzir perdas de seguimento e até reincidência criminal.
A proposta de Plano assenta em 6 eixos estratégicos: proteção e promoção da saúde; a prevenção da doença; o acesso, retenção e continuidade de cuidados de saúde; a reintegração social; os sistemas de informação e tecnologia e a componente de investigação. Para cada um destes eixos é apresentado um conjunto de medidas intersetoriais, com vista à melhoria dos indicadores de saúde e integração psicossocial.
Entre as medidas, destaca-se a relevância do “Plano Individual de Readaptação do indivíduo sujeito a privação da liberdade” conter uma avaliação personalizada das suas necessidades de saúde, realizada pelos serviços clínicos. Garante-se o acesso a rastreios oncológicos e de doenças transmissíveis, a implementação do programa de vacinação, bem como de medidas de promoção da saúde e na área da saúde mental. Propõe-se ainda que cada Estabelecimento Prisional, pela excelência das suas práticas, possa ser reconhecido como “Estabelecimento Prisional promotor de um ambiente saudável”.

A Ciência da semana: trabalhadores que não controlam o seu
horário de trabalho têm a sua saúde mental alterada

É isto que um estudo publicado na revista médica “JAMA Network Open” prova. Vários estudos já demonstraram que a flexibilidade, a segurança e a autonomia no ambiente de trabalho são fortes determinantes da saúde. Para entender o quanto estas questões são determinantes, analisou-se o “Inquérito Nacional de Saúde dos EUA” (National Health Interview Survey) de 2021, realizado pelo CDC. Foram analisadas as respostas de 18144 trabalhadores adultos, para perceber como a flexibilidade e a segurança no local de trabalho podem estar ligadas à saúde mental. Questionou-se a facilidade com que os trabalhadores podiam alterar os seus horários para cumprir compromissos importantes, para eles ou para a sua família, se o seu horário de trabalho mudava regularmente e com que antecedência sabiam a sua escala, assim como a sua percepção do risco de perder o emprego nos próximos 12 meses.
As respostas mostram que os trabalhadores com contratos de trabalho mais flexíveis têm menor probabilidade de ter sentimentos de depressão, desespero e ansiedade. Além disso, os que têm maior segurança no emprego apresentam menor risco de problemas de saúde mental e menos faltas ao trabalho no último ano.
O trabalhador médio, a tempo inteiro, dedica um terço das horas acordado ao trabalho. Quando os trabalhadores não se sentem bem mentalmente são menos produtivos, e têm maior probabilidade de faltar. A sua criatividade, colaboração e capacidade de responder às necessidades do trabalho também sofrem, prejudicando toda a equipa. O impacto do stress laboral vai para lá do ambiente profissional: afecta as famílias, as comunidades e os serviços de saúde. As pessoas que enfrentam problemas de saúde mental relacionados com o trabalho precisam de várias formas de apoio: aconselhamento, medicamentos e serviços sociais. Não responder a estas necessidades de forma abrangente traz consequências a longo prazo, incluindo redução da qualidade de vida e aumento dos custos em saúde.
A pandemia Covid-19 agravou as disparidades de saúde mental; trabalhadores com salários mais baixos, da “linha da frente” e pessoas de comunidades marginalizadas enfrentam desafios maiores; as mulheres, por exemplo, enfrentam barreiras na progressão na carreira, salários desiguais e uma maior carga de trabalho não remunerado.
Priorizar o bem-estar dos trabalhadores ajuda as empresas a construir uma sociedade mais saudável. Tal deveria começar no patrão-Estado, que continua alheado das suas responsabilidades nesta matéria. Nisto o Governo da Região Autónoma da Madeira destaca-se pelas suas preocupações, em matéria de Medicina do Trabalho, nomeadamente através do seu Secretário-Regional da Saúde e da sua Directora-Regional da Saúde. Ao contrário da metrópole continental e da Região autónoma dos Açores, que ainda não iniciaram um processo adequado e eficiente, na abordagem que deve ser feita à Medicina do Trabalho. Bem-haja por tal, Dr. Pedro Ramos.

A Homenagem da semana: aos profissionais de saúde vítimas
de violência

Esta semana a Direção-Geral de Saúde (DGS) anunciou que registou mais de 2000 episódios de violência em hospitais e centros de saúde, em 2023, que motivaram 3275 dias de ausência de profissionais de saúde do SNS. Segundo dados avançados pelo jornal “Público”, isto representa um aumento exponencial no número de incidentes, o que obrigou à intervenção de agentes da Polícia de Segurança Pública em estabelecimentos de saúde (2144 episódios de violência, mais 17,8% do que no ano anterior, que foram 1820).
O subintendente que coordena o gabinete de segurança do Ministério da Saúde afirmou ao Público que os mais de 3200 dias de ausência devido a incidentes violentos são “o equivalente a 1 centro de saúde parado, 1 ano inteiro!”. Os mesmos dados dão conta que 23% dos profissionais de saúde queixam-se de ter sofrido um episódio de violência em 2023, e acrescentou que os casos registados incluem “situações de violência psicológica, injúrias, ameaças e situações de conflito”. Foram condenadas 16 pessoas em processos-crime, por violência (contra médicos, enfermeiros ou auxiliares de saúde), resultantes de 154 denúncias criminais, sendo que estas condenações são maioritariamente multas e penas suspensas. Falta, agora, olhar com a devida atenção para os profissionais de saúde que são vítimas de violência de outros colegas, e das chefias.

Mário Freitas*

*Médico consultor (graduado) em Saúde Pública,
competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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