A participação cívica é um direito que assiste a qualquer cidadão. Pese embora o empenho de muitos organismos para que as pessoas intervenham cada vez mais na organização do seu destino coletivo, surgem sempre entraves de vária ordem que desmotivam a intervenção em qualquer vertente da sociedade.
Quem já não se sentiu lesado por ter reclamado de forma justa, ordeira, segundo as normas estabelecidas e se veio a arrepender de não ter sabido calar-se?
O poder tem muita força! – lá diz o povo.
O resultado é o crescente afastamento dos cidadãos dos organismos públicos e privados e uma suspeição preocupante sobre os méritos e qualidades de quem despenha neles funções. “Tomar a nuvem por Juno” é um defeito muito em voga que, ao generalizar-se, atinge o bom nome de pessoas e instituições sem as quais a sociedade ficaria mais fragilizada.
Importa, pois, que cada um assuma as suas responsabilidades, participando com sugestões e novas ideias para que o mundo em que vivemos seja mais inclusivo e solidário.
É o que pretendo fazer nesta crónica semanal.
Há dias fui alertado que há autocarros das carreiras urbanas e suburbanas cujos acessos são difíceis para passageiros com dificuldades de mobilidade. São viaturas que, devido às suas características, estão preparadas para longos cursos, mas não para circuitos urbanos e suburbanos, ou para transportar passageiros com dificuldades de mobilidade. Isso obriga a que haja pessoas que, Sobrecarregando as magras reformas, vêem-se obrigadas a recorrer ao táxi, quando, esporadicamente, têm de ir à cidade tratar da sua vida.
A solução, a meu ver, passa pela utilização de autocarros adequados e pelo alargamento da rede de mini-bus às zonas limite das freguesias urbanas de Ponta Delgada.
Tal como já sucede com a linha amarela que abrange, em Santa Clara, a antiga aerogare, a linha azul também deveria abranger a Avenida Cecília Meireles, núcleo urbano de São Pedro, cuja dimensão populacional é demasiado grande, mas está muito arredada dos transportes públicos.
A sugestão integra-se no conceito de “desenvolvimento harmónico e sustentável de todo o concelho”1 defendido pelo Presidente do Município e traria um enorme desafogo ao transito que aflui, diariamente, a Ponta Delgada, por falta de transportes públicos em horário útil.
O tema foi abordado esta semana no jornal Público2 por Sandra Melo, especialista em mobilidade e transportes, num artigo intitulado: “Sem lugar para todos: o paradoxo da mobilidade inclusiva”. Segundo a articulista, “O conceito de mobilidade inclusiva e socialmente equitativa pretende garantir o acesso de todos os cidadãos a meios de transporte seguros e eficientes, independentemente das suas condições físicas, económicas ou sociais.” E acrescenta: Ainda estamos numa fase em que, essencialmente, se associa mobilidade inclusiva a uma integração de utilizadores com debilidades económicas e sociais, agindo sobre a tarifação e ignorando as debilidades físicas aquando da definição dos requisitos dos serviços de transportes.” Isto implica, como atrás dissemos, que os municípios “incluam parâmetros de mobilidade inclusiva nos requisitos de contratação dos serviços de transportes.”
Há anos que venho alertando para o declínio populacional do núcleo central de Ponta Delgada. Ando por aqui desde os finais do anos cinquenta, quando algumas ruas ainda eram térreas, os transportes de cargas e mercadorias se faziam em carros de bois e o lado norte da Avenida Marginal era um espaço vazio aguardando, certamente, aprovação camarária dos novos edifícios.
Nos anos oitenta, a cidade de Ponta Delgada despontou para a modernidade comercial: ruas cheias de gente, muito trânsito e um parque automóvel a crescer, denotando a melhoria das condições de vida, os benefícios decorrentes da existência da Universidade e o incremento das atividades económicas, promovidos sob os auspícios dos novos órgãos de Governo próprio.
Quase sem darmos por isso, a cidade foi-se alastrando para as redondezas e para a periferia e as novas construções levaram consigo os moradores citadinos.
Depois vieram as novas superfícies, o Parque Atlântico, inicialmente contestado, mas aceite satisfatoriamente pela população da ilha, pela criação de novos empregos e pela oferta de novos produtos. E a cidade foi-se esvaindo, para novos espaços comerciais nos arredores, servidos por novas vias de comunicação terrestre e digitais.
E assim chegou à nudez e quase paralisia que hoje aparenta.
Os espaços públicos estão mais vazios, diz-se, por opção ambiental das cidades de baixo carbono.
Por isso, não percebo porque se pretende construir mais parques subterrâneos, se o futuro é o trabalho à distância e o grande desígnio é despoluir o centro da cidade, optando-se pelos mini-bus. Em meu entender a opção deve ser o transporte público. Mesmo circulando pelas ruas encerradas ao trânsito e garantindo a acessibilidade e o direito aos idosos e cidadãos de mobilidade reduzida a poderem ir e vir e usufruírem da cidade e dinamizarem o comércio de proximidade.
Uma cidade só o é se for espaço de encontros, de alegre convívio, de lazer, de prática desportiva e atividades culturais, de memórias e de identidade. Como há muito acontece noutras cidades europeias de idêntica dimensão.
Ponta Delgada é dos que aqui nasceram e vivem: é a cidade dos micaelenses, dos açorianos e por fim dos turistas. Inverter esta ordem de prioridades é descaracterizar a cidade de Antero, de Domingos Rebelo e de tantos outros que se “foram da lei da morte libertando”.
José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
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