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“É importante sensibilizar a sociedade para a importância de colocar limites ao tempo de uso e ao tipo de conteúdos consumidos”

O uso constante de dispositivos electrónicos é uma realidade bem patente na nossa sociedade.
Porém, o problema é o tempo que dispensámos nestes mesmos aparelhos, principalmente os mais novos. Cada vez mais são as crianças que passam inúmeras horas em telemóveis e tablets vendo desenhos animados ou jogando e as consequências são inúmeras.
De acordo com um estudo publicado pelas investigadoras Daniela Figueiredo, Maria Inês Gomes e Marisa Lousada, quanto mais tempo as crianças passam num smartphone ou tablets, piores são os resultados no desenvolvimento da linguagem das mesmas.
O Diário dos Açores esteve à conversa com Daniela Figueiredo para compreender um pouco mais sobre este estudo e perceber o que podemos fazer para contrariar esta realidade.
Fale-nos um pouco sobre si.
Chamo-me Daniela Figueiredo, sou licenciada em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e doutorada em Ciências da Saúde pela Universidade de Aveiro. Sou também professora coordenadora na Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro e membro integrado da unidade de investigação CINTESIS@RISE.

Foi publicado na revista CoDAS (Communication Disorders, Audiology and Swallowing), um estudo levado a cabo por si e pelas investigadoras Maria Inês Gomes e Marisa Lousada, cujas conclusões determinaram que quanto mais tempo as crianças passam num smartphone, piores são os resultados no desenvolvimento da linguagem destas. Pode-nos falar um pouco sobre o mesmo? O que a motivou a realizar esta investigação?
Este estudo surge da observação diária de crianças cada vez mais novas a usar dispositivos digitais em vários contextos e de alguma literatura internacional que aponta para alguns dos efeitos adversos da exposição em demasia a este tipo de aparelhos mais recentes (smartphones, tablets, PCs), mas também mais tradicionais como a televisão e a multiplicidade de canais de que hoje dispomos.
Este foi o ponto de partida para o nosso estudo, que visou analisar a relação entre o funcionamento familiar, o uso de dispositivos digitais e o desenvolvimento da linguagem em crianças com idade pré-escolar, isto é, entre os 3 e os 6 anos de idade.

Neste estudo participaram 93 famílias, com crianças em idade pré-escolar. No mesmo foi possível constatar que, em alguns casos, tanto os pais como os filhos fazem uso excessivo de smartphones, tables e televisão. O uso excessivo de dispositivos electrónicos por parte dos pais pode, directa ou indirectamente, influenciar o próprio uso dos mesmos por parte das crianças?
Em primeiro lugar, devo referir que as famílias participantes no estudo têm um funcionamento familiar equilibrado mediante os instrumentos que usámos para avaliar esta variável.
No entanto, verificou-se que em famílias onde existe menos coesão e menos satisfação familiar, há uma maior tendência para o uso, durante mais tempo, deste tipo de dispositivos. Verificou-se uma associação significativa entre o tempo de uso destes dispositivos por parte dos pais e o tempo de uso por parte das crianças, portanto, quanto mais tempo os pais utilizam estes aparelhos nas suas horas de lazer, mais as crianças têm tendência a fazê-lo também.
Portanto, sim, há uma influência dos pais no comportamento de utilização destes dispositivos por parte das crianças.
Observámos ainda que as crianças que tinham mais tempo de exposição a dispositivos digitais, pontuavam pior nas provas de linguagem utilizadas (TL-ALPE), ou seja, quanto mais tempo passavam neste tipo de aparelhos, a sua compreensão auditiva e a sua expressão verbal oral era pior.

Se colocarmos esta temática de estudo, nomeadamente numa sociedade isolada, como é o caso das ilhas dos Açores, este problemática pode ser ainda mais proeminente?
Na verdade, foram também incluídas neste estudo famílias que residiam no arquipélago dos Açores, mas nós não olhámos para esses dados de forma isolada.
O que se observou no nosso estudo considerando a amostra global, e que foi identificado pelos pais participantes, é que o isolamento devido às medidas de contenção pela pandemia por Covid-19 aumentou o tempo passado nos dispositivos digitais quer por parte dos pais, quer por parte das crianças.
Com as devidas ressalvas, podemos, em teoria, questionar se o isolamento geográfico poderá propiciar uma maior utilização destas tecnologias. Mas isto não terá apenas desvantagens, poderá trazer também benefícios porque permite que as pessoas mantenham o contacto, ainda que à distância.

Quais foram as maiores consequências registadas nas crianças no que respeita ao desenvolvimento de linguagem?
A grande maioria das crianças participantes no estudo apresenta um desenvolvimento da linguagem típico.
No entanto, o que se observou é que aquelas que passam mais tempo a usar smartphones e tablets, têm piores resultados nos testes de avaliação da linguagem em termos de expressão verbal oral e de compreensão auditiva, por exemplo, a nível de concordância de género, conjugação verbal, frases mais complexas, entre outras.

O ano de 2020 e 2021, foi incomum, com o mundo a enfrentar uma pandemia que colocou-nos todos em confinamento. Este isolamento contribuiu para o uso cada vez mais excessivo de aparelhos electrónicos pelas famílias?
Penso que sim. Os próprios pais participantes no estudo referiram isso, que sentem que a pandemia e o confinamento contribuíram para um aumento do tempo de uso deste tipo de dispositivos.
Outro dado importante a referir é que, aos fins-de-semana, o tempo de consumo destes dispositivos por parte de pais e crianças tende também a aumentar.

Que medidas/métodos devem ser tomadas para que haja um uso mais consciente de aparelhos electrónicos por parte das pessoas?
Tanto a Organização Mundial de Saúde, como a Sociedade Americana de Pediatria recomendam que para estas idades, 3-6 anos, o tempo de ecrãs não deve ultrapassar 1 hora por dia.
Ora, o resultado mais frequente que observámos no nosso estudo corresponde a um intervalo de 0 a 3 horas por dia, ultrapassando largamente aquilo que são as recomendações internacionais.
Portanto, é muito importante que pais, educadores, professores e sociedade em geral, procurem estar despertos para os potenciais efeitos negativos da exposição excessiva a ecrãs em idades tão precoces, de como isso poderá afectar o desenvolvimento integral das crianças e proporcionar-lhes mais momentos de actividades off-line, ao ar livre, praticando jogos, interagindo presencialmente com outras crianças e adultos.
É importante sensibilizar a sociedade para a importância de colocar limites ao tempo de uso e ao tipo de conteúdos consumidos, é realmente necessária uma maior consciencialização para o papel do controlo parental, e não só, refiro-me também ao papel das escolas, na utilização e exposição a estes dispositivos por parte crianças e adolescentes para não comprometer o seu desenvolvimento integral.

Ana Catarina Rosa

*[email protected]

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