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Entrevista à Professora Paula Cabral (Parte II)

É com muito gosto que publicamos, nesta Edição do Jornal “Diário dos Açores”, a Parte II da Entrevista à Professora Paula Cabral. Uma Entrevista para ler, meditar e integrar nas dinâmicas educativas, num sentido micro (sala de aula), no sentido meso (escola) e num sentido macro (comunidade extra-escolar ou em sentido amplo e alargado).
A I Parte da referida Entrevista foi publicada na Edição do passado dia 03 deste mês de maio de 2024. Em próxima edição será publicada a III, e última, parte desta Entrevista.

“(…) fui aluna da Professora Adelaide e percebo o seu conceito de “Casa”. Ela foi emigrante e regressou à ilha, onde deu um valioso contributo social, político e cultural. Foi uma mulher extraordinária, combativa, cheia de vitalidade e de energia que pôs também ao serviço da erradicação da pobreza, motivo de tanta emigração nestas ilhas. Não devia ser permitido numa sociedade tão pequena e “familiar” como a nossa ter de partir para procurar melhor vida. A entreajuda e a solidariedade social deviam impedir a existência de desigualdades sociais tão cavadas. Não consigo perceber como é que ainda não conseguimos dar a volta a isto.”, afirma a Professora Paula Cabral.

4- Na legislação, e não só, faz-se um desafio para os professores ligarem os saberes vividos pelos alunos, na sua vida quotidiana, e os saberes escolares. Como fazer a ponte entre as experiências/vivências não escolares e a aquisição de conhecimentos, em solidez, com o saber escolar, mais elaborado e codificado? Não são os conhecimentos escolares demasiados cifrados? Como pode a escolar ajudar a organizar uma mundividência nos alunos?
“Os conhecimentos escolares são demasiado cifrados” é uma boa descrição, sobretudo nos níveis de escolaridade que leciono (3° ciclo e secundário). Há conteúdos que os programas exigem que estão totalmente desfasados do contexto atual. Na disciplina de Português, tornou-se bastante evidente nos últimos anos o decréscimo na qualidade dos alunos, cujos conhecimentos são cada vez mais incipientes no vocabulário e no domínio da língua em geral. Há muitas explicações possíveis, mas era preciso muito espaço para falarmos sobre isto. Ora, se os alunos chegam com cada vez mais dificuldades na interpretação, e mesmo na compreensão de textos, na expressão oral e na escrita, como é que se ensina poesia, autores complexos como Gil Vicente ou Camões, no 9° ano? Penso que os programas têm de ser revistos de acordo com estas novas necessidades, tanto na seleção como na quantidade de conteúdos a lecionar. Debatemo-nos constantemente com a falta de tempo para cumprir as planificações, se nos quisermos demorar na consolidação de certas aprendizagens, se dermos espaço para debater ou até para conversar sobre assuntos do mundo atual. Ainda por cima, o novo modelo de avaliação por domínios exige uma avaliação quase constante – a propósito, os alunos e os encarregados de educação muitas vezes nem entendem os critérios de avaliação, tal é a linguagem arrevesada prescrita pelas tutelas – a atenção e apoio individual a tantos alunos com problemas, a perturbação da indisciplina recorrente nem sempre tornam possível a desejada ligação entre a experiência dos alunos e os saberes formais.

5- No seu modo de ver, os alunos nas escolares manifestam alegria e felicidade? Por que responde assim?
Os alunos são cada vez mais ansiosos. Muitos já manifestam sinais de depressão, perturbações alimentares, casos de automutilação, enfim, são cada vez mais os pedidos de auxílio ao nível da saúde mental, pelo que os serviços de psicologia das escolas são limitados para tantas solicitações. Acho que estes jovens passam demasiado tempo na escola, alguns são pressionados pelos pais para terem boas notas, não têm tempo para si próprios, não se conhecem, estão constantemente ocupados em atividades ou nas tecnologias, não têm tempo para a transcendência, não sabem o que é sonhar ou evadir-se das rotinas e dos dias sempre iguais e da violência a que muitas vezes são expostos sem qualquer preparação, quer à sua volta, quer através dos órgãos de comunicação social. São tristes. Muitas vezes têm o olhar vazio e percebe-se uma profunda angústia. É preciso ter muito cuidado com isto. O vazio pode ser substituído a qualquer momento pela sedução de caminhos indesejáveis e pela fácil manipulação.
Juventude devia rimar com alegria, vivacidade, rebeldia, convicção, descoberta, sonho. É preciso dar esperança a esta nova geração, transmitir paixão, convicção, ajudá-los a criar asas e, sobretudo, ensinar-lhes o gosto de voar.
Infelizmente, o mundo que irão herdar é muito incerto, a todos os níveis.

6- Como entende e avalia o Projeto “ProSucesso”?
O ProSucesso já não existe. Foi substituído pelas EMAI (Equipas multidisciplinares de apoio individual).

Estes projetos, para mim, por mais bem-intencionados que sejam, só servem para acrescentar papel e, nalguns casos, para justificar cargos.
Quando há, efetivamente, recursos disponibilizados para apoiar, pois muito bem; quando são instituídos por decreto e, depois, na prática, não acrescenta os recursos necessários para o apoio no terreno, então só servem para atrapalhar seriamente.

7- Havia um programa do anterior Governo que era transversal a todas as áreas de governação e que dizia respeito ao “combate contra a pobreza”. A Saudosa Professora Adelaide Bastista/Freitas tem um livro intitulado “Regresso à Casa”. Como Professora de Português o que pode ser feito para diminuir os índices de pobreza social?
A minha homenagem à minha querida Professora Adelaide Batista! Não li o livro que refere, mas fui aluna da Professora Adelaide e percebo o seu conceito de “Casa”. Ela foi emigrante e regressou à ilha, onde deu um valioso contributo social, político e cultural. Foi uma mulher extraordinária, combativa, cheia de vitalidade e de energia que pôs também ao serviço da erradicação da pobreza, motivo de tanta emigração nestas ilhas. Não devia ser permitido numa sociedade tão pequena e “familiar” como a nossa ter de partir para procurar melhor vida. A entreajuda e a solidariedade social deviam impedir a existência de desigualdades sociais tão cavadas. Não consigo perceber como é que ainda não conseguimos dar a volta a isto.
É claro que a escola tem um papel preponderante no combate à pobreza, é, de resto, a principal forma de sair da pobreza em “casa”, mas esta casa deve ser arrumada em simultâneo com a escola. Não adianta nada termos gente instruída, licenciada, e depois a Região não ter empregos e saídas profissionais, cujas condições satisfaçam os nossos jovens. A maioria dos que saem para estudar não volta, fica pelo continente ou emigra; os que ficam, até a trabalhar, podem permanecer no limiar da pobreza.
Como professora de Português, está ao meu alcance trabalhar a língua que, por sua vez, molda o ser. É uma disciplina que proporciona a introspeção, a subjetividade, a reflexão sobre a condição humana. Já foi mais assim do que agora, dadas as dificuldades que mencionei. No entanto, procuro nunca perder de vista esta componente, sem a qual não consigo encontrar a razão de ser da profissão que escolhi. Escolhi-a, porque correspondia ao meu ideal de contribuir para a transformação do mundo. E, portanto, procuro despertar nos alunos a capacidade de sonhar, de questionar, de reagir, de sensibilizar para a descoberta de si próprios e do mundo. Para isso, confluem várias disciplinas, não só a de Português, com a literatura, mas também saberes de História e de Filosofia. A importância de dominarem a língua como instrumento de promoção pessoal e social também deve ser clara.

(Continua)

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*

*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia da Educação

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