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Como eu vi e gostei da ilha de São Jorge (2008-2016) Parte 4Como eu vi e gostei da ilha de São Jorge (2008-2016) Parte 4

A crise de 1808 (Erupção do Vulcão da Urzelina)

Sempre assolado por inúmera atividade vulcânica, pirataria e maus anos agrícolNa obra “Ilha de S. Jorge” está compilado um conjunto de descrições da erupção e dos acontecimentos que a rodearam. A mais extensa e circunstanciada deve-se ao Pe. João Ignácio da Silveira (1767 – 1852), cura de Santo Amaro, que escreveu uma relação que o Dr. João Teixeira Soares publicou com notas no Jorgense (nº 6, de 1 de maio de 1871) transcrita no Archivo dos Açores (vol. V, páginas 437-441). Foi aquele escrito (Apontamentos para a sua História, de José Cândido da Silveira Avelar), com algumas variantes, que João Duarte de Sousa (página 188-193 dos seus Apontamentos) seguiu na narrativa do fenómeno. Eis o seu conteúdo:
Na noite amanhecendo para o domingo do Bom Pastor, primeiro dia do mez de maio do presente anno de 1808, tremeu a terra tão frequentemente que se contavam oito tremores por hora, e d’estes foi um sobre a madrugada tão grande, que fez levantar o povo das camas. No mesmo dia, estando já parte do povo na igreja deprecando a Deus nosso pai, houve outro abalo tão forte que fez fugir todo o povo da egreja, das 11 para as 12 do mesmo dia houve outro tremor, e juntamente um estrondo tão grande que a todos amortiso, e de repente se vio levantar uma grande nuvem de fumo sobre o mais alto monte da freguezia da Urzelina, no pico d’ António José de Sequeira, e bem defronte da egreja de S. Matheus cuja planta e centro da freguesia era o mais agradável da ilha, e por isso mesmo muito frequentado de muitos sujeitos bons e maus de todas as ilhas, e em engrossou e subindo ao mais alto ceo fez arco sobre parte da freguezia das Manadas e da Urzelina, indicando um terrível castigo já mostrando nas redobradas e negras nuvens uns incumbrados montes, medonhas furnas.
Da bocca daquele vulcão saíam estrondos tão fortes e medonhos sem intervalo que convidavam aos habitantes d’esta ilha para Juízo. Correu todo o povo a deprecar a Deos, porém o povo da freguezia da Urzelina se assustou deixando o vigário o rev. José António de Barcellos só no adro da sua igreja, e logo no mesmo dia choveu tanta areia de tarde que ficaram as casas chamadas do mato cobertas de areia e os campos d’ahi para cima em parte ficaram com 7 palmos, e as vinhas dos Castelletes até à ermida de Santa Rita, da freguezia das Manadas, ficaram cravadas e as casas quasi abatidas com o pezo, sahindo immediatamente línguas de fogo do centro que chegavam aos ceos, deitando pedras ignitas de 8 palmos, em distância dum quarto de legoa, outras de 16 palmos em quadro e outras menores, subindo à mesma altura cahiam como densos chuveiros.
Chegou a triste noite, então é que desfaleceram os habitantes desta ilha vendo todo o fogo e pedras ignitas, que sahiam como coriscos e quase que pareciam cair sobre os povos, e as vidraças das egrejas pareciam quebrarem-se aos eccos d’aquelle pregoeiro que nos ameaçava de morte.
Até à terça feira, 3 do mesmo mez, rebentou o fogo em 7 logares, ficando a bocca ou vulcão perto da Ribeira do Arieiro, em cuja tarde abrandou o fogo: e na madrugada da quarta-feira, 4 do mesmo mez, arrebentou o fogo entre as Ribeiras, acima da fonte da Fajã, e da mesma sorte fazendo nuvem de pó de enxofre e terra que parecia arder todo aquelle logar.
Logo fez procissão o vigario da Urzelina para a parte da Fajã com o Senhor Santo Christo e Senhora das Dôres e a poucos passos encontrou-se com o padre José de Sousa Machado, que trazia em procissão a Senhora da Encarnação acompanhado de varias pessoas, mas quasi suffocadas do muito pó enxofrado que estava cahindo. reunidos àquela procissão, chegaram à ermida da Senhora do Desterro, ainda, que com muito trabalho porque do cruzeiro para cima cahia muita terra sulfúrea e tão pegajosa que muitas arvores cahiram com o peso d’ella e o fétido entontava aos viajantes.
Passados mais 7 dias rebentou o fogo nas areias da freguezia de Santo Amaro, onde abrindo duas bocas vomitava fogo à maneira de grandes ribeiras de matéria fluida, e com tanta força que no segundo dia se achava a mais de um moio de campo de mistério que encaminhando-se às casas fez pôr parte do povo em fugida, o vigário, o rev. Amaro Pereira de Lemos, esteve falto dos sentidos e a irmã, D. Anna Maria de Lemos, esteve douda.
O vigário das Velas e ouvidor, o rev. António Machado Teixeira, temendo fosse o fogo à villa mandou deitar pregão para que se retirassem, e que mandava o Sacramento para a Beira e d’aqui resultou um levante. As freiras foram para a igreja de Rosais; o ouvidor e outros clérigos para o Faial, o doutor juiz de fóra e outros para o Pico e o mais povo de quasi toda a villa foi para a Beira e Rosaes. O alto da serra por onde o fogo passou ficou abatido e em grotas formidáveis, os caminhos quebrados de forma que não passavam carros nem gente por parte, as fontes secas. Poucos dias depois retrocedeu ao primeiro logar em que tinha rebentado, defronte da igreja da Urzelina, com a mesma força que dantes, e perseverou doze dias, em que foram continuas as súplicas a Deus e por não sermos ouvidos do Senhor, por serem as culpas em maior número que as suas misericórdias, continuou o mesmo flagello. sahindo do vulcão (que dizem ter bocca em circunferência de um moio de campo) muitas areias, que arruinavam parte dos campos da referida freguezia de São Matheus e das mais circunvizinhanças, e chegou a cahir na ponta do Pico, em Angra e São Miguel, e para a parte da villa não cahio porque os ventos sempre cursaram pelo nor-noroeste.
N’este tempo todo o povo da Urzelina se ausentou desamparando todos as suas moradas, uns para as Manadas, outros para a Calheta. outros para Rosais e uns para Angra, isto o povo da Urzelina, ficando só o reverendo vigário no adro. Observou-se que em quanto a maré enchia aquelle vulcão embravecia mais e deitava com mais força pedras mármores grandes, umas das gerais eram muito pretas e pesadas e feriam lume, e outras à maneira de vergas, de lagens e outras redondas, umas muito brancas e partidas reluziam pelo muito salitre que tinham.
Em uma noite estando o vigário da Urzelina em guarda de sua igreja, sendo já 11 horas e meia, pegou a observar umas ribeiras de fogo, que vinham correndo pelo monte abaixo, e tocando a fogo apenas acudiram 6 ou 8 pessoas, que acompanharam o Santíssimo para a ermida do Senhor Jesus, para onde na mesma noite fez trasladar todas as imagens, vasos sagrados e vestes sacerdotais. Entraram logo a observar que os campos circunvizinhos ao dito monte se iam incendiando e levantando-se pedras como montes, que corriam ardentes até à planície das vinhas que faziam pasmar a quem tal castigo via.

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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