“Em 2022, quase 9000 doentes receberam cuidados hospitalares em casa”
Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, no Encontro de Unidades de Hospitalização Domiciliária, Coimbra, 10 março 2022
«O que pretendemos até 2026 é triplicar a capacidade atual deste programa, de sermos capazes de tratar em casa 1000 pessoas em cada momento e, com isso, tratar cerca de 30 mil pessoas por ano»… “conseguiu-se antecipar a meta do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que era tratar 5000 pessoas em casa em 2024. Esta antecipação foi feita «quase duplicando o número».
Três constatações são possíveis retirar das declarações do Ministro Manuel Pizarro neste encontro:
- um conjunto significativo de hospitais no continente português aderiram ao programa de criação de UHD;
- a actividade destas unidades foi um sucesso, no sentido que conquistaram a adesão de pacientes e suas famílias, com o entusiasmo óbvio dos profissionais de saúde envolvidos;
- o PRR foi um instrumento decisivo no contributo no lançamento deste programa;
Foi o Hospital Garcia de Orta, em 2015, o primeiro a criar a primeira UHD em Portugal. Em 2019 eram 24. Em 2021 mais de 30 estavam em funcionamento. E quantas nos Açores, em 2024? Que saibamos, nenhuma.
Em 2018, foi regulamentado pelo Despacho nº 9323-A/2018 a estratégia de implementação de Unidades de Hospitalização Domiciliária no SNS. Ainda no mesmo ano, a Direção Geral da Saúde (DGS) publicou a Norma de Orientação Clínica (NOC) nº 020/2018 referente à qualidade organizacional de hospitalização domiciliária em idade adulta.
Ora, se, até hoje na nossa Região, não foi entendido ser pertinente avançar com este programa, na situação actual, de enorme constrangimento e incapacidade de internamento do HDES, nomeadamente no que diz respeito ao conhecido elevado número de internamentos de doentes idosos, com multimorbilidades, em situações de exacerbamento de queixas das doenças de base e de certas intercorrências, como as infeções, esta alternativa de hospitalização, validada por múltiplos estudos internacionais, parece-nos assumir a maior relevância na resposta clínica e organizativa do SRS a este conjunto muito importante de necessidades dos utentes. O envelhecimento das nossas populações
e o aumento da prevalência das doenças crónicas geram uma pressão crescente no número de camas hospitalares disponíveis (1).
Esta questão torna-se ainda mais premente quando estamos num momento de reorganização de equipes a plantar no terreno, nomeadamente nos Centros de Saúde da ilha, actualmente os verdadeiros núcleos assistenciais em termos de resposta rápida e de proximidade às populações, sejam elas de maior ou menor urgência relativa.
Estamos em crer que, parafraseando a Senhora Secretária da Saúde, Mónica Seidi, na entrevista de sábado à noite na RTP-Açores, esta é uma importante “janela de oportunidade”, com vista a uma resposta nova em relação à qual, aliás, já estamos atrasados, e que, no panorama de curto e médio-prazo da prestação do SRS na ilha de S. Miguel, se desenha como uma medida estruturante, e crítica, do ponto de vista da sustentabilidade do Sistema.
Sem pretendermos, de maneira alguma, com esta proposta desmerecer a iniciativa muitíssimo louvável da instalação do “posto médico avançado (PMA)”, idealizada e concretizada em tempo recorde, entendemos que o avanço da implementação de um conjunto de equipas de UHD, a prazo, não só poderia responder a um número semelhante ao da capacidade instalada prevista no PMA, como ao tipo de utente-alvo, com a superior vantagem de ter os pacientes no seu ambiente familiar, factor decisivo, também, na sua reabilitação física-psico-emocional.
“A admissão neste modelo de internamento é voluntária, com a assinatura de um consentimento informado por escrito por parte do doente ou representante legal. As patologias elegíveis para a hospitalização domiciliária são múltiplas, podendo variar entre patologia infecciosa aguda (ex.: infecções respiratórias), patologia crónica agudizada (ex.:insuficiência cardíaca crónica descompensada), cuidados no pós-operatórioo u mesmo doenças progressivas incuráveis em fase terminal.
A rotina diária da hospitalização domiciliária varia de unidade para unidade, mas de modo geral, a equipa de saúde é composta por um médico e um enfermeiro, que visitam diariamente os doentes no seu domicílio. Em determinados casos, pode haver mais do que uma visita programada por dia por vários motivos: administração de fármacos com mais do qu euma toma diária, reabilitação física, ensinos (insulinoterapia por exemplo), entre outros. Em algumas unidades estão disponíveis dispositivos de telemonitorização que facilitam a vigilância destes doentes.
Os doentes internados na hospitalização domiciliária, ou os respectivos cuidadores, têm um contacto telefónico directo com a equipa de saúde que está disponível 24 horas por dia para responder em caso de dúvida ou qualquer intercorrência aguda. Sempre que necessário, a equipa de saúde desloca-se ao domicílio, e se a agudização exigir um nível superior de vigilância, o doente pode ser transportado de volta para a unidade hospitalar de referência.
No domicílio é possível a realização de vários exames complementares de diagnóstico e procedimentos terapêuticos, nomeadamente análises de sangue e urina, electrocardiograma, ecografia, administração endovenososa de medicamentos de uso exclusivo hospitalar, oxigenoterapia, ventilação não invasiva, tratamento de feridas, entre outros. No caso de ser necessário realizar um exame ou procedimento não passível de ser realizado no domicílio ou uma consulta por outras especialidades médicas, que implique avaliação presencial, o doente é transportado para a unidade hospitalar de referência para a realização desses procedimentos.
Este modelo de assistência hospitalar proporciona uma abordagem personalizada e adaptada à realidade individual de cada doente no seu meio habitual. Estão descritas como vantagens da hospitalização domiciliária a redução de infecções nosocomiais, quedas, úceras de pressão, episódios desíndrome confusional agudo, tempo de internamento, declínio do estado funcional e desnutrição. Por outro lado, melhora aqualidade de sono dos doentes e a satisfação dos doentes pelo maior conforto proporcionado.”(1)
Este modelo de internamento alternativo só pode consumar-se, em muitas circunstâncias, com o recurso à figura do “cuidador (in)formal”. O cuidador (in)formal, devidamente capacitado para a assunção da responsabilidade que encerra este tipo de prestação, é um elemento chave no processo.
“…pessoa ou pessoas designadas pelo doente ou seu representante que, sendo familiar directo ou não, assegura a articulação entre o doente e os profissionais de saúde” (DGS, Norma nº020/2018)
Sabemos por experiência própria, no contacto directo, quase diário, com doentes idosos e seus familiares, a desproteção que centenas de cuidadores (in)formais sofrem, vítimas de uma perspectiva burocratizada, anquilosada e tremendamente injusta das tutelas de Delegações de Saúde e da Segurança Social, mal articuladas entre si e pouco sensíveis aos difíceis problemas dos doentes e suas famílias. O sofrimento que percebemos existir em muitos cuidadores (in)formais–seja de familiares, seja até de patrões -, chega a ser, pela consciência dos primeiros e pela frágil consciência e total dependência dos últimos, mais duro e cruel, deixando muitas vezes marcas muito duradouras ou até mesmo definitivas.
Neste período de “altas forçadas para o domicílio” em função das enormes carências de cuidados de internamento, justifica-se a adopção de “procedimentos administrativos” por parte das Tutelas que facilitem, encorajem e recompensem condignamente (financeiramente e por outros meios) todo este esforço colectivo gigantesco e invisível ao todo da sociedade que se processa dentro das famílias açorianas. Já agora não só da ilha de S. Miguel, evidentemente.
(1)Hospitalização Domiciliária, uma Alternativa ao InternamentoConvencional
Sónia Chan, in Medicina Interna, Publicação Trimestral, vol29/nº1/Jan/Mar 2022(https://orcid.org/ 0000-0003-1115-5684)
Guilherme Figueiredo*
*Ex-Director do Serviço de Reumatologia do HDES
Dir. Executivo da CAL-Clínica