“Não tenha medo de pensar diferente. Tenha medo de pensar igual e descobrir que todos estão errados.”
Eça de Queirós
Há dias, comemoraram-se os 50 anos da Revolução dos Cravos. Nestas comemorações, esperamos, elevaram-se os Valores de Abril. Recordamos o passado longínquo, o passado recente e os intervenientes diretos nos grandes acontecimentos. Acima de tudo refletimos.
Na última semana, compreendemos, perfeitamente, porque existem tantas diferenças, tantas divisões, tantos conflitos e tantos problemas por resolver. Na última semana, compreendemos, finalmente, porque persistem as guerras, num mundo que tem tanto de evolução científica e tecnológica, como de atraso na compreensão e aceitação da humanidade como um todo.
Os níveis de intolerância, agressividade e violência verbal são tais que se percebe o quão frágeis são a Paz e, a Liberdade a Amizade e a Fraternidade… Já nem falamos da Igualdade: estes são os tais Valores de Abril: PAZ, LIBERDADE, AMIZADE, FRATERNIDADE e IGUALDADE. Foi por estes valores que se fez ABRIL. Muitos esquecem que a Revolução nasceu da vontade de terminar com uma guerra que já durava há 13 anos, sem fim à vista. Foi este o primeiro mote da Revolução. Quem está na guerra, sabe precisamente o custo elevado da mesma; percebe a dimensão da mesma e compreende a realidade da mesma.
50 anos depois, descobrimos que estamos num ‘mundo em guerra’, porque nos dizem que tem de ser assim. Quem não alinha pelo pensamento comum; quem tenta analisar; quem tenta refletir; quem tenta perceber é logo conotado como ‘não alinhado’. Em quê? Pois chegamos a este ponto:
Nem te atrevas a questionar o que levou ao escalar da violência;
Nem te atrevas a questionar quem esteve mal nesse processo;
Nem te atrevas a dizer ‘Rússia’ ou ‘Russos’;
Nem te atrevas a referir outras guerras tão graves e complexas como esta;
Nem te atrevas a dizer que há outros agressores;
Nem te atrevas a dizer que és pacifista, especialmente se és contra a NATO;
Nem te atrevas a dizer que és do Partido Comunista Português;
Nem te atrevas a citar um autor comunista;
Nem te atrevas a citar um autor russo;
Nem te atrevas a falar de um filme ou de um compositor russo…
Chegou ao ponto de se ver cores associadas à imagem de ‘guerra e paz’: o azul e o amarelo pela paz…. e o azul, vermelho e branco?
Chegou-se ao ponto de proibir livros; cancelar concertos porque os compositores escolhidos eram…. qualquer coisa que não se pode dizer?
Chegou-se ao ponto de penalizar um restaurante russo, cujo donos e empregados (prejudicados) eram, pasmem-se, ucranianos e portugueses.
Chegou-se ao ponto de cortar elementos das ementas em restaurantes e cafés porque tinham ‘russo’ no nome: salada russa ou os fantásticos ‘russos’, célebres e apreciados em qualquer pastelaria que se preze.
Chegou-se ao ponto de se deixar de falar com pessoas porque são ‘russas’ ou ‘comunistas’… ou então fala-se com frieza, mostrando todo o nosso ‘pacifismo e tolerância’.
Chegados aqui, pensamos: aonde isto vai parar e como vai parar?
Todos querem a ‘Paz’. Sim. Mas (conjunção coordenativa adversativa que não pode ser utilizada neste momento sem levantar questões de moral… como a Língua é importante para apresentarmos as nossas ideias e defendê-las!) que Paz?
O caminho para a Paz não é a guerra. Alguém questiona essa ideia?
A Paz entre os povos e nações não se alcança só de um lado. Alguém questiona esta ideia?
Ninguém faz guerras só pela paz, pela religião, pelas ideias, pela cultura e pelas ‘raças’ ou ‘etnias’. Há algo que se move para além disso. Alguém questiona esta ideia?
Se não existissem armas, como seria? Há alguém que questiona essa dúvida?
Sim, nestes últimos anos, ouvimos e vimos de tudo. Vimos atos e palavras de coragem e bravura; vimos e ouvimos atos e palavras de histeria, de ódio e intolerância. Mais uma vez, em vez de mostrarmos somente o nosso melhor, estamos a mostrar o nosso pior, querendo alcançar o nosso melhor: A PAZ!
Sim, nestes últimos anos, sentimos vergonha. Vergonha pelo aproveitamento de uma tragédia ou tragédias humanas (umas por omissão, outras por interesses especialmente económicos e políticos).
Sim, nestes últimos anos, sentimos vergonha de sermos tão pouco civilizados, humanos, cultos e críticos.
Nenhuma guerra tem justificação. Já deveríamos ter ultrapassado esta fase de crescimento humano. Não o conseguimos e parece-me que não será tão cedo…
Mais guerras acontecerão; mais tragédias acontecerão; mais vítimas surgirão… sem razão, sem sentido, sem explicação… a Humanidade avançará e sofrerá porque ainda não percebeu que somos todos iguais; valemos todos o mesmo; merecemos todos o mesmo.
A Humanidade avançará, cabe a cada um de nós, individualmente, refletirmos e percebermos como queremos que isto aconteça, acreditando que…
As cores não nos separam, unem-nos;
Os livros não nos separam, fazem-nos pensar;
Os quadros não nos separam, fazem-nos lembrar;
As danças não nos separam, fazem-nos sentir;
As músicas não nos separam, fazem-nos expressar;
As leis não nos separam, fazem-nos organizar…
Resta-nos perceber que o que nos difere dos outros animais é a capacidade de criar e a necessidade de criar… então criemos, inventemos, avancemos e façamos, no sentido positivo, diverso e plural, não esquecendo a nossa própria humanidade e fragilidades…
As cores são todas válidas, todas exprimem, todas ficam bem, todas simbolizam.
A nossa cor, neste momento, é a branca, a vermelha, a azul, a verde, a amarela e a preta. Com estas cores misturadas conseguimos (provavelmente chegar ao cinzento) alcançar o que queremos:
A PAZ! O Primeiro valor de ABRIL!
Judite Barros*
- Professora do Ensino Secundário