CINQUENTA ANOS DE CRAVOS
Na ponta da espingarda,
empunhada,
acarinhada,
a rosa colocou o cravo.
Gravou no meu peito
a jeito, como enfeito,
a liberdade
ainda sem idade.
Nasceu assim a democracia,
engalanada,
empenhada,
com o futuro na mira.
Os anos passaram,
estremunharam,
rebolaram,
pelos dias a dias contados.
E agora quando penso
que tudo eram cravos e rosas,
os espinhos
esconderam-me a liberdade.
AUTONOMIA, MEU BEM PARA QUE TE QUERO
Se bem me lembro
Lembro-me de quase nada.
Angra e Praia teu nome
Vitória e Heroísmo teu apelido.
Disseste não quando querias
Dizes sim quando não estás.
De promessas e juras
Do que restou quase nada ficou.
Penhorada desgraçada por onde andas?
Fingida certeza e grandeza por onde vais?
Por que demoras em vir a agir a incluir?
Qual o teu destino? sem tino?
Mesmo que doa por que não serves a pessoa?
De onde vens tu afinal? que tens tu nos teus anais?
Não tens mãe que te mantenha?
Nem pai que te contenha?
A tua cidadania é utopia? demagogia?
Se bem me lembro
Lembro pouco ou quase nada.
Ainda bem meu amor.
Saber que existes sem entendimento
Dói mais do que a própria dor se bem entendo.
AUTONOMIA, MEU AMOR (1)
Autonomia, só o teu nome,
de o dizer e escrever,
faz nascer em mim o tudo.
Procuro a tua forma corpórea,
tuas mãos, tua cintura,
tuas palavras e em vão investigo.
Sei que estás aí,
presente, airosamente
desafias tudo sem nada.
Sei que vens aí,
em força e sem esforço
derrubas a palavra.
Sei que vais aí,
mas diriges e não estás
porque não és.
Autonomia, meu amor,
amor prometido,
falido, fodido.
Autonomia, meu amor,
Deixa-me,
Assim tu não és.
Arnaldo Ourique
(1) Publicado na obra coletiva Três cartas de um amor, Vol. III da Coletânea de Cartas de Amor, da Chiado Books, fevereiro de 2020.