A Azores Airlines acaba de anunciar um adiamento na anunciada operação da América para o Porto e para a Madeira, por falta de aviões.
O Pedro Castro tinha alertado em 28 de fevereiro, num artigo neste jornal, para o desnorte da administração da companhia e para o eventual desastre desta operação. Como vê as suas preocupações serem confirmadas?
Em primeiro lugar, como um desperdício e um desrespeito pelo dinheiro público.
Numa companhia “normal” dificilmente isto teria acontecido porque alguém no Conselho de Administração da empresa – executivo, não executivo ou acionista – teria percebido a probabilidade elevada se produzirem os cenários que descrevi nesse artigo de opinião e teria impedido a Azores Airlines de avançar com esta estratégia que eu considero como sendo altamente danosa da coisa pública.
Tentando traduzir: os voos não-açorianos sem escala previstos pela Azores Airlines entre a Madeira, Porto e América do Norte não entram em nenhum cenário da missão do Grupo SATA de “ligar os Açores ao mundo e o mundo aos Açores”.
Este foi o primeiro sinal de alarme sobre o qual também escrevi já no ano passado e que teria exigido, desde logo, um processo justificativo minuncioso perante o acionista: “porque estão a usar o dinheiro dos contribuintes dessa forma tão fora do âmbito da empresa e quais os riscos inerentes?”
Em segundo lugar, a meio caminho dessa decisão desastrosa, mais concretamente em Janeiro deste ano, a administração da Azores Airlines apercebeu-se que não tinha condições operacionais nem técnicas próprias para operar esses voos, isto é, não era possível sequer fazer um aproveitamento dos recursos e activos disponíveis na companhia.
Nessa altura, o Conselho de Administração ainda estava a tempo de cancelar esta operação sem sofrer grandes prejuízos e poderia ter facilmente reacomodado os poucos passageiros já reservados nos seus voos próprios via Ponta Delgada ou via Terceira.
Em vez disso, preferiu seguir em frente e contratar a EuroAtlantic, pagando um aluguer desnecessário de vários milhões de euros, usando um avião mais caro e com mais lugares.
Resumindo: aquilo que a Administração do Grupo SATA fez foi colocar o dinheiro dos contribuintes numa espécie de “roleta russa” ou, se preferir, no mercado bolsista de alto risco da aeronáutico, sendo que a maior parte dos cenários apontava para uma perda colossal… na melhor das hipóteses, teria conseguido um pequeno prejuízo ou uma operação neutra.
A Azores Airlines tem um histórico de perda de dinheiro e quanto mais se afasta da sua missão e do seu mercado, mais difícil será a sua capacidade de vingar.
Mas foi com base nessa dita missão que recebeu esse dinheiro que, agora, em termos jurídico-económicos podemos até questionar se não está a ser usado de forma desleal perante a concorrência.
O outro grande buraco financeiro que ainda não é conhecido advém da ideia de que a empresa vai “fazer dinheiro” a transportar passageiros dos Estados Unidos para Paris, Barcelona ou Milão via Ponta Delgada.
Os únicos que vão ganhar alguma coisa são esses passageiros que, em plena época alta, vão pagar preços de saldo graças ao contribuinte português.
O Grupo Sata está sem Administração há algum tempo. Esta desorientaçãoo estratégia nas operações de Verão é fruto da falta de liderança?
É, sobretudo, falta de boa liderança – executiva e não executiva.
É, também, a forma como aceitamos que o dinheiro público seja aplicado e gerido pelos decisores políticos – exatamente os mesmos que acham que podem lançar, cancelar e voltar a lançar processos de privatização a toda a hora.
Portanto, estamos a falar de vários níveis de liderança falhada.
A liderança que tomou estas péssimas decisões lá atrás estaria igualmente desorientada agora.
O problema é que, no momento dos grandes anúncios, as pessoas vibram com os comunicados de imprensa, as entrevistas, as feiras e as apresentações powerpoint que mostram a versão cor de rosa dos factos.
A aviação em Portugal é pouco escrutinada e está dominada por chavões imperialistas, épicos e nacionalistas dignos de regimes manipuladores como a Coreia do Norte: o ”novo” aeroporto chama-se Luis de Camões, vamos conetar o ex-império com o mundo “via” Lisboa, a TAP são as caravelas dos céus e sem a SATA os Açorianos vão ter de viajar por barco a remos.
Tal como a liderança, penso que a desorientação da sociedade é geral e profunda.
Neste momento e sobre este assunto já não podemos falar de “desorientação estratégica”, essa fase já passou.
Agora estamos na fase do “correr atrás do prejuízo e tentar evitar o pior”.
A este nível mais técnico-operacional do imediato e menos estratégico, o tipo de decisões tomadas não sei se passaria diante de um conselho de admnistração ou de acionistas profissionais.
Para além da situação dos voos não-Açorianos do Porto e da Madeira, vejo com enorme preocupação a utilização dos aviões Airbus 320 – que fazem voos para a Europa e EUA – nos voos inter-ilhas.
Visto de fora, isto pode parecer normal ou melhor do que nada, mas quem tomou esta decisão sabe que, ao fazê-lo, o Grupo SATA enfrentará derrapagens métricos e financeiras graves derivadas dessa decisão: por um lado, a taxa de ocupação vai baixar porque esses voos com esse avião não ultrapassarão os 40% e a tarifa média desses voos não cobre nem sequer os custos variáveis; por outro lado, o ciclo de manutenção determinado pelo número de voos desses aviões vai ser antecipado obrigando-os a ir para o hangar mais cedo do que previsto.
Isto vai ser uma grande machadada na rentabilidade.
A única forma que o acionista encontra para “safar” o Grupo SATA é mantendo este ciclo vicioso de subsídios e de concursos públicos viciados em que apenas se apresenta um único candidato com o Estado a pagar pesado pelos voos interilhas e as OSP (obrigações de serviço público), a dar o subsídio social de mobilidade aos passageiros, a pagar os prejuízos da companhia com dinheiro dos contribuintes e, por fim, sabotando tudo o que é privado, como a easyJet e a Ryanair.
Esta dependência, assim, nunca mais acaba.
Como é que prevê a operação da Sata este Verão com todos estes problemas e a futura privatização?
Em aviação, como em todas as indústrias, podemos fazer sempre imensas coisas e ter muitas ideias… mas depois, alguém faz uma “aterragem forçada” na realidade e a maior parte dessas ideias fica pelo caminho.
Desconheço se o conselho de administração terá apresentado este cenário de cancelamentos de última hora como possível e até como altamente provável e se terá feito o cálculo financeiro desse cenário para uma tomada de decisão consciente e esclarecida, mas este início de operação não podia ter sido pior.
A extensão concreta dos prejuízos será determinada pelo número de dias e/ou de semanas em que esta situação se mantiver e do quadro de responsabilidade definido com a EuroAtlantic no contrato de ACMI.
Mas, para além da situação concreta que as equipas enfrentam neste momento, pergunto-me: que futura equipa profissional – executivos e não executivos – vai aceitar pegar na companhia neste estado?
E que investidor vai querer apresentar uma oferta formal pela companhia?
Se o Governo Regional pensa que deve lançar um novo concurso de cada vez que a companhia se valoriza, o mais provável é ter de o fazer também no sentido contrário para evitar que o concurso fique totalmente deserto e que , uma vez mais, se tenha desperdiçado tempo e recursos.
jornaldiariodosacores.pt