Os esforços de investigação realizados durante os últimos anos, colocaram Portugal, e os Açores em particular, como uma das regiões do mundo com maior conhecimento sobre o mar profundo.
O mar profundo cobre mais de dois terços da superfície da Terra, mas esta vastidão misteriosa e oculta está em grande parte por explorar.
Nos Açores, o investimento por parte da comunidade científica e pelo Governo Regional abriu uma janela para os grandes ecossistemas de águas profundas.
Historicamente, a exploração do oceano profundo tem sido um exercício lento e altamente dispendioso, executada apenas pelas elites científicas, com os melhores meios tecnológicos à sua disposição ou em missões pontuais e de frequência insuficiente.
Azor driftcam, um dispositivo de baixo custo desenvolvido
pelo Grupo de Investigação
Conscientes das limitações inerentes à complexidade e aos custos elevados dessas expedições, ao longo dos últimos anos, o Grupo de Investigação do Mar Profundo dos Açores (ADSR) do OKEANOS – Universidade dos Açores, desenvolveu uma tecnologia destinada a tornar esta exploração acessível a todos, superando as barreiras financeiras e tecnológicas das campanhas de exploração do mar profundo.
O desenvolvimento da Azor drift-cam, um dispositivo de baixo custo e fácil manuseamento que permite recolher imagens e ter acesso às áreas mais remotas e inóspitas do planeta, possibilitou explorar todos os montes submarinos, cristas e encostas das ilhas dos Açores até aos 1000 metros de profundidade.
“Durante os últimos anos, visitámos todas as 140 áreas dentro da ZEE dos Açores com menos de 1000 m de profundidade, realizamos cerca de 1150 mergulhos – 930 dos quais com a Azor drift-cam-, exploramos cerca de 760 km de fundo e produzimos mais de 1300 horas de vídeo. Após meses de trabalho de recolha de imagens no mar, o trabalho continua nas salas de visualização, onde transformamos as imagens em dados. Esta informação ajudou a produzir uma das mais completas base de dados sobre o mar profundo com cerca de 82000 ocorrências de corais e esponjas -entre outros taxa”, informa Telmo Morato, investigador principal do ADSR.
120 dias e 551 pessoas
no mar
O esforço de colmatação de lacunas no conhecimento efectuado durante 2023, permitiu realizar 5 expedições científicas durante aproximadamente 120 dias, correspondendo a 551 pessoas/dia no mar, que permitiram visitar todas as áreas inexploradas e multiplicar por 5 a quantidade de informação existente.
As parcerias com a comunidade de pescadores dos Açores, que nos trazem organismos acidentalmente capturados durante as operações de pesca, bem como as parceiras com Instituições Internacionais a bordo de navios altamente tecnológicos (por exemplo OceanX) permitiu recolher mais de 4000 exemplares de espécies de profundidade, preservados na colecção de referência COLETA.
Estes exemplares permitiram identificar, por técnicas clássicas e moleculares, o património natural do mar profundo dos Açores e identificar os organismos observados nos vídeos.
Utilizando uma abordagem taxonómica integrativa, “durante 2023 examinámos ao detalhe mais de 100 espécimes de 50 taxa de corais de águas frias e esponjas. Atribuímos nomes a sete morfotipos e identificámos várias possíveis novas espécies de corais (Alcyonium sp. nov., Aquaumbra sp. nov., e membros das famílias Aquaumbridae e Cerveridae) e esponjas (Hertwigia sp. nov., Geodia sp. nov., Regadrella sp. nov. e Farreidae gen. a confirmar sp. nov.) e um potencial novo género (Euretidae new. gen. sp. nov). Identificamos, também, vários novos registos de espécies que não estavam dados para os Açores.”, esclarece o investigador Telmo Morato.
Centenas de espécies
e um hotspot
de biodiversidade
O trabalho de colaboração com investigadores reconhecidos em taxonomia e filogenética de corais e esponjas de águas frias apoiará o trabalho continuado de revisões taxonómicas que serão úteis na reconstrução de histórias evolutivas.
A reavaliação da diversidade total de corais de águas frias e esponjas nos Açores com base na nova informação gerada contabiliza cerca de 470 espécies. Hoje sabemos que o mar profundo dos Açores até 1000m de profundidade é um hotspot de biodiversidade oceânica, às escalas do Atlântico e global. Os trabalhos mais recentes, possibilitaram a descoberta de 1 novo género e cerca de 15 espécies novas para ciência e que muitas mais haverá por descobrir.
Os esforços de investigação realizados durante os últimos anos, colocaram Portugal e os Açores em particular no topo das regiões do mundo com mais informação sobre o mar profundo. Muitos organismos de profundidade, particularmente os corais e esponjas de águas frias, têm um crescimento muito lento, podendo atingir uma longevidade que, no caso dos corais negros, pode ultrapassar os mil anos. As agregações destes corais e esponjas criam habitats tridimensionais usados por uma miríade de outras espécies, que aqui encontram refúgio, alimento ou local para crescer e se reproduzir. Estas comunidades, associadas a cristas oceânicas e montes submarinos, desempenham um papel fundamental no funcionamento dos ecossistemas marinhos e contribuem também para a dinâmica de espécies com interesse comercial. A informação recolhida permite avaliar o bom estado ambiental e o ordenamento do espaço marítimo, contribuindo com conhecimento para suportar uma gestão efetiva do mar dos Açores – declarações do Investigador Telmo Morato – Investigador Principal e Responsável pelo Grupo de Investigação do Mar Profundo dos Açores (ADSR).
Importantes jardins
de corais
O trabalho realizado pelo Instituto Hidrográfico permitiu mapear várias áreas do Açores com menos de 1000m profundidade e ajudou a descobrir vários locais menos profundos do que se pensava. Pelo menos duas áreas atingem profundidades suscetíveis de serem pescadas (<600m), mas por permanecerem desconhecidas podem ser consideradas intactas.
Estas áreas são fundamentais para entender como eram os ecossistemas do mar profundo antes de serem impactados.
Apesar das condições extremas, descobrimos que o mar profundo alberga importantes jardins de corais e inúmeros campos de esponjas, peixes e outras formas de vida adaptadas a este ambiente hostil, que simbolizam não só a biodiversidade existente no mar dos Açores, mas também a fragilidade latente destes ecossistemas.
A informação recolhida, sugere que os Açores são um hotspot de biodiversidade de corais de água fria em todo o oceano Atlântico e que a Dorsal Meso-Atlântica suporta mais vida e diversidade do que estudos anteriores indicaram.
Corais negros nunca vistos
no Atlântico
O trabalho de vídeo para a caracterização das comunidades bentónicas revelou a maior agregação de corais negros (ou jardins de corais negros) alguma vez vista nos Açores e, talvez, até em todo o Atlântico. Este corais possuem um crescimento muito lento e podem viver vários milhares de anos. Os jardins que formam podem se considerar como o equivalente às florestas de sequoias (mais antigas árvores do planeta) que existem, por exemplo, nos Estados Unidos da América.
Descobrimos ainda várias zonas com recifes de corais duros com um papel importante como reservatórios de carbono e na mitigação das alterações climáticas. Alguns destes corais, mas também esponjas, são estruturantes de habitats, funcionando como áreas de refúgio para várias espécies incluindo peixes de profundidade de importância comercial, potenciando assim a biodiversidade total associada a estes habitats.
Peixe-relógio
e escamudas
Encontramos ainda, zonas de agregação de peixe-relógio e escamudas que, de certa forma, confirmam que a proibição de pesca de arrasto dentro da ZEE dos Açores, declarada em 2005, tem prevenido efeitos negativos para estas espécies e para os habitats a que estão associadas.
A exploração do mar profundo revelou que bancos e montes submarinos fortemente explorados pela pesca com palangre de fundo ainda albergam comunidades bentónicas de águas profundas com um elevado valor natural e ecológico.
Uma parte significativa destas comunidades, incluindo corais e esponjas de água fria, permanece em boas condições ambientais.
Contudo, é digno de nota que certas colónias de corais de vida longa apresentaram sinais evidentes de impactos da pesca.
Estas observações in situ alinham-se estreitamente com as conclusões de estudos anteriores, reforçando a noção de que práticas de pesca de profundidade devidamente regulamentadas, especialmente aquelas que utilizam artes de anzol, como as linhas de mão, são promissoras para promover a exploração sustentável dos recursos de profundidade.
À Descoberta do Mar
Profundo dos Açores, um evento hoje no Dia Mundial
dos Oceanos
Para celebrar o Dia Mundial dos Oceanos, decretado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Direção Regional das Políticas do Mar e o OKEANOS – Instituto de Investigação em Ciências do Mar da Universidade dos Açores, realizarão na hoje, dia 7 de junho, entre as 14h30 e as 18h00, um evento para apresentação pública das últimas descobertas sobre o mar profundo que circunda o arquipélago dos Açores.
O acontecimento terá lugar no Teatro Faialense, Ilha do Faial, e reunirá diversas entidades locais, regionais e nacionais.
O principal objectivo é divulgar publicamente as mais recentes descobertas, destacando os resultados do projeto de Caracterização dos Habitats de Profundidade da subárea dos Açores da Zona Económica Exclusiva Portuguesa.
O evento contará com o Presidente do Governo Regional, a Reitora da Universidade dos Açores, o Director do Okeanos e dos investigadores do grupo do mar profundo, entre outros convidados.
Os convidados terão a oportunidade de ver imagens, vídeos, informação científica e uma exposição fotográfica sobre o mar profundo. Mostrar-se-aos não apenas imagens das belezas naturais que habitam o mar profundo, mas também os bastidores do trabalho desenvolvido pela equipa de investigação.
Este evento é uma oportunidade para se conhecer de perto o impacto e a importância das recentes investigações científicas sobre o mar profundo para a conservação e valorização do património marinho dos Açores.