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Repressão à obsolescência sem consagração legal em Portugal?

De uma consulente de Goiás, Brasil:
“A Europa muito fala da obsolescência precoce. Mas parece que – para além da proposta de directiva, relativamente recente, acerca do direito à reparação – não há, com excepção da França e da Espanha, normas na legislação portuguesa que proíbam tal prática e, consequentemente, a punam.”
Eis as considerações que se nos afigura tecer:
Eis, pois, a OBSOLESCÊNCIA
De efeitos preconcebidos
Via para a excrescência
De um ror de bens delidos…

  1. Obsolescência, vimo-lo repetindo à exaustão, é “a qualidade de obsolescente ou obsoleto; qualidade do que está a cair em desuso, a tornar-se antiquado.”
    Do latim obsolescentĭa, particípio presente neutro plural substantivado de obsolescĕre, «cair em desuso: a obsolescência programada é, na sua essência, a pré-determinação do ciclo de vida de um produto: como se, ao nascer, se inscrevesse já, na sua matriz, a concreta data do seu passamento; como se o produto, no momento do seu lançamento no mercado, se fizesse acompanhar de uma certidão de óbito com a data do seu perecimento…
  2. Ao contrário do que possa supor-se, Portugal, de forma quase despercebida, também legislou nesse particular.
    2.1. A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor viu juntar-se, ao artigo 9.º, sob protecção dos interesses económicos do consumidor, pelo DL 109-G/2021, um n.º 7, do teor seguinte:
    “É vedado ao profissional a adopção de quaisquer técnicas através das quais o mesmo visa reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens.”
    2.2. A Lei 28/2023, de 04 de Julho, modificou a redacção do assinalado n.º 7 do artigo 9.º, como segue:
    “É vedada ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços a adopção de quaisquer técnicas que visem reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens ou a renovação da prestação de serviços que inclua um bem de consumo.”
  3. Aliás, conquanto se não deva confundir assistência pós-venda com obsolescência, há interconexões que importa sublinhar. A LCVBC – Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo de 18 de Outubro de 2021, no seu artigo 21, reza o seguinte:
    “1 — Sem prejuízo do cumprimento dos deveres inerentes à responsabilidade do fornecedor ou do produtor pela [não] conformidade dos bens, o produtor é obrigado a disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens […], durante o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respectivo bem. …
    4 — No momento da celebração do contrato, o fornecedor deve informar o consumidor da existência e duração da obrigação de disponibilização de peças aplicável…”
  4. Poder-se-ia pensar que a norma do n.º 7 do artigo 9.º se acharia destituída de sanção: afigura-se-nos, porém, que é susceptível de configurar um ilícito criminal, cuja moldura é a da “fraude sobre mercadorias”:
    “Quem, com intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em livre prática, importar… tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias:
    b) De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias, salvo se o facto estiver previsto em tipo legal de crime que comine para mais grave.” (DL 28/84: al. b) do n.º 1 do art.º 23).
  5. Constitui ainda contra-ordenação económica grave a ofensa do que prescreve o artigo 21 da LCVBC (disponibilidade de peças e acessórios para os bens fornecidos) (DL 84/2021:al. f) do n.º 1 do art.º 48) com a seguinte gradação:
    Pequena empresa [de 10 a 49] – de 4 000,00 a 8 000,00€;
    Média empresa [de 50 a 249] – de 8 000,00 a 16 000,00€;
    Grande empresa [de 250 ou mais] – de 12 000,00 a 24 000,00€.

EM CONCLUSÃO
a. A obsolescência programada está já contemplada no ordenamento jurídico português desde 2021 (DL 109 – G/ 2021)
b. A sua proibição figura desde então na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor (Lei 24/96: n.º 7 do artigo 9.º)
c. A inobservância de uma tal proibição constitui, ao que se nos afigura, crime contra a economia passível de prisão e multa (DL 28/84: al. b) do n.º 1 do art.º 23).

Tal é, salvo melhor juízo, o meu parecer.

*Presidente emérito da apDC – DIREITO DO
CONSUMO – Portugal

Mário Frota*

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