Angra do Heroísmo, cidade das mil e uma festas, terra de pessoas acolhedoras e capazes, estreou por estes dias o seu novo cais de passageiros. Depois de uma longa empreitada, responsável pela destruição parcial de património centenário, e alegadamente envolta em processos financeiros complexos, o Porto de Pipas conta com uma nova infraestrutura, capacitada para a entrada de pessoas e mercadorias, e de acordo com o que se ouviu proclamar nas inaugurações feitas à pressa, pronto para dar apoio aos grandes poluidores do mar.
Para quem tinha dúvidas, bastou olhar para o Porto nos dias das Sanjoaninas, agora terminados. Foram centenas de pessoas que ali aportaram em navios de passageiros, recheados de marchantes, turistas e nómadas atlantes, confrontados com uma dura realidade. O Porto de Pipas não está capaz de receber pessoas. Não há terminal, nem quaisquer estruturas de apoio à chegada das pessoas. Apenas um cais despido, recheado de betão, montado em cima de naufrágios perdidos, e pronto para friamente atirar as pessoas para terra, ou obrigá-las a esperar de pé pelo navio que vem ali no horizonte, enquanto apertam as suas necessidades fisiológicas.
É uma realidade que já conhecemos bem na ilha das Flores. Não há gare. Não há bancos. E se há vontade de utilizar uma casa de banho, o melhor é deixar de haver ou trazer uma fralda da farmácia.
Na Graciosa a gare era, também, uma prioridade. Era…
Só que no caso das Flores, o problema é ainda mais danoso. As Lajes, totalmente abandonadas pelos dois Governos Regionais de José Manuel Bolieiro, assistiram com espanto ao anúncio de que a obra do seu porto “deverá” começar ainda este ano. Para as senhoras e os senhores da coligação, que estiveram a dormir nos últimos anos, recordamos que aquele cais foi devastado pelo tenebroso Lorenzo, em 2019. E desde então, nem com remendos se tentou enganar a população, que foi literalmente colocada ao abandono, e deixada com carências de produtos, agravadas a cada ano que passa. Mesmo agora, em pleno Verão, há relatos de falta de materiais essenciais e a população flutuante aumenta em todas as ilhas, não só nas Flores.
O anúncio de que a obra “deverá” recomeçar ainda este ano é, por isso mesmo, o culminar da falta de respeito demonstrada pelos partidos de direita para com aquela ilha. Por um lado, o recomeço da obra, quase seis anos depois da tragédia, seria já de si uma farsa. Mas, qualquer pessoa que conheça o mar dos Açores, e em particular o daquela ilha, poderá desde já afiançar que, estando nós em julho, mesmo que a obra reinicie este ano, nada de relevante será feito até as marés de agosto chegarem e arrastarem o grupo ocidental para mais um Inverno repleto de dificuldades.
Há que relembrar que as coisas não correram, ainda, pior devido ao trabalho no molhe de proteção iniciado, ainda, por Miguel Costa, ex-presidente da Portos dos Açores, que colocou o porto comercial das Flores como uma prioridade, não desvalorizando nem desprezando quem tão bem conhece o mar, nas Flores.
O que o Governo proclamou, através dos seus canais de comunicação, não foi mais do que um prato de papas e bolos, mas as pessoas que vivem nas Flores não são, nem nunca foram tolas. Já há muito que reconheceram que foram esquecidas por Bolieiro, por Berta, e pela sua equipa. Só é pena que o resto do arquipélago pareça não ver o que ali se passa.
Entretanto, no Pico, continuam os investimentos portuários, a toda a força. É uma ilha que precisa desses portos, certamente, da mesma forma que Ponta Delgada precisa de um novo porto comercial, e de que outras ilhas precisaram ou precisariam. O problema não está no que se faz. Estará na forma como se pressiona e condicionam as políticas de ação, enviando alegadas indicações no sentido de valorizar determinadas terras, onde a votação deverá ser mais expressiva e refletir os cargos de alguns membros de governo. Para as Flores é que não vai nada, nada, nada.
Com a estratégia atual, os portos dos Açores existem para servir apenas alguns. Não nos esqueçamos de que Santa Maria permanece sem qualquer barco de passageiros! Os que desejam melhores condições para sobreviver e viajar entre as ilhas do seu arquipélago, devem ter em atenção o lugar onde nasceram ou onde vivem. Só alguns portos foram feitos para funcionar. Aos outros, restará o abandono e as vozes de algumas pessoas, que continuam a lutar para que a justiça se aplique por igual, de Vila do Porto às Lajes das Flores.
Alexandra Manes