A importância do brincar é um mantra repetido ad nauseam em conferências pedagógicas, documentos oficiais e até nas conversas de café.
Psicólogos, professores e educadores não se cansam de falar sobre os benefícios do jogo livre para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças. Contudo, uma visita aos recreios das nossas escolas revela uma realidade que faz corar de vergonha qualquer teoria bem-intencionada. Espaços inadaptados, equipamentos obsoletos e a ausência materiais são a norma em muitos estabelecimentos de ensino.
Espaços Inadaptados: Um Convite ao Acidente
Muitos recreios escolares parecem mais campos de treino para futuros alpinistas urbanos do que espaços para brincar. Áreas cimentadas sem qualquer atração, com uma ou duas árvores desoladas, compõem o cenário. Que outro tipo de criatividade pode surgir de um espaço tão inóspito e mal planeado? E não falemos dos riscos de acidentes, porque, aparentemente, as quedas e os arranhões fazem parte do currículo.
Parece que ninguém se lembra que a brincadeira deveria ser segura e divertida. Ao invés disso, os recreios tornaram-se uma prova de resistência, onde as crianças são testadas na sua capacidade de sobreviver a quedas em superfícies duras. Uma triste ironia, considerando que falamos tanto sobre a importância do brincar.
Equipamentos Obsoletos: Relíquias do Passado
Quando há equipamentos, são frequentemente peças de um museu. Escorregas enferrujados que mais parecem trampolins para o hospital e baloiços com correntes que poderiam fazer parte de um filme de terror. Se quisermos formar futuros arqueólogos, então talvez este seja um bom começo, mas para crianças, que apenas querem brincar, isto é um cenário desolador. Ah, e bolas? Seria esperar demais encontrar algo tão básico e essencial.
A ironia de tudo isso é evidente quando ouvimos os discursos inflamados sobre a necessidade de incentivar o brincar, enquanto as crianças estão confinadas a espaços que mais parecem relíquias de uma época esquecida. Como podemos esperar que as crianças desfrutem do recreio e colham os benefícios do brincar se as condições são tão desanimadoras?
A Ironia do Brincar
Brincar não é apenas uma forma de passar o tempo; é um direito das crianças, essencial para o seu desenvolvimento. Esta frase está em todos os manuais de pedagogia, mas a prática diz outra coisa. Parece que o brincar é importante, desde que não custe muito dinheiro ou esforço. A ironia atinge o seu ponto máximo quando vemos discursos apaixonados sobre a importância do brincar enquanto as crianças olham desoladas para um recreio que mais parece uma prisão.
O brincar é essencial para que as crianças aprendam a socializar, resolver problemas e desenvolver a criatividade. É também crucial para a saúde física e mental. Mas com os recreios atuais, estamos a dizer às crianças que estas necessidades não são realmente importantes. Estamos a criar uma geração que associa o brincar a espaços frios e inóspitos. Essa é a verdade.
A Culpa e a Comédia
Culpar apenas os professores pela falta de incentivo ao brincar nos recreios é, no mínimo, uma piada de mau gosto. Esta responsabilidade é de todos: governos, presidentes dos conselhos executivos, associações de pais, encarregados de educação e a sociedade em geral. Mas a realidade é que continuamos todos a compactuar com esta comédia de erros. Investir em infraestruturas adequadas e em equipamentos seguros e modernos? Isso seria esperar demasiado de um sistema que parece funcionar à base de paliativos e promessas ocas.
Governos e autoridades educativas falam sobre a importância do brincar, mas a verdade é que não há um compromisso real com a criação de espaços de recreio adequados. Parece mais fácil manter as coisas como estão, ignorando as necessidades reais das crianças.
O brincar nos recreios é uma ironia mordaz que expõe a hipocrisia do nosso sistema educativo. Precisamos de ação concreta para garantir que todas as crianças tenham acesso a espaços seguros e adequados para brincar. A transformação dos recreios escolares em ambientes estimulantes e seguros é um passo crucial para alinhar a teoria com a prática e, assim, promover verdadeiramente o desenvolvimento integral das nossas crianças.
É hora de deixar a ironia de lado e agir, porque a qualidade do brincar nos recreios reflete diretamente na qualidade da educação e na formação dos cidadãos do futuro. Até lá, continuaremos a rir para não chorar diante desta triste realidade.
Rita Simas Bonança *
*Doutorada em Educação, Universidade Iberoamericana