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Doença sem remédio?

“A problemática da saúde no arquipélago apresenta uma panóplia de problemas que requerem respostas cada vez mais diferenciadas que não se compaginam com as soluções capitalinas.”

Quando regresso à terra-mãe, ao fim de alguns meses de, a minha primeira preocupação é dar um passeio pelo velho burgo picoense, observar se houve ou não mudanças, conversar com familiares e amigos e reintegrar-se nos espaços de convívio.
É “nascer de novo”, retornar aos tempos e espaços da infância e da juventude, quando as aspirações e sonhos projetavam melhorias de vida ditadas por experiências noutras paragens onde o progresso tinha chegado mais depressa.
“O que nos falta é gente”, afirmava um trabalhador a respeito da instalação de novas superfícies comerciais num dos extremos da ilha.
Para se comprar uma lata de tinta de melhor qualidade, “tens de ir à Madalena”; para se escolher produtos alimentares mais em conta, “tens de ir à Madalena”, pois é lá que o empresariado centra as suas intenções de investimento; daí, como reconhece um amigo meu, “a ilha estar a inclinar-se, tudo está a arrastar-se para lá… até a hora da morte…”
Há muito que se opera esta centralidade, desativando serviços públicos de outras zonas da ilha. A denuncia foi feita há alguns anos e em devido tempo, mas o poder político, pactuando com interesses alheios e mais ou menos ocultos, nada fez para evitar esta desarrumação que agora se reflete no despovoamento, na desertificação e no abandono de jovens e de famílias inteiras, e nas consequentes e graves dificuldades na prestação de cuidados de saúde que afetam as zonas restantes da ilha.
Só quem passa pelas deficientes lacunas existentes nos centros de saúde das Lajes, de São Roque e até da Madalena, nos rudimentares serviços de enfermagem e pelo contínuo caminhar diário de dezenas de picoenses para consultas de especialidade no Hospital da Horta, sente quanto pena esta gente (e eu próprio já o senti na pele) para aceder a um direito que é de todos, embora nem todos dele beneficiam em igualdade de circunstâncias.
É por isso que os problemas da Saúde, agravados pelo encerramento do Hospital de Ponta Delgada, apresentam novas questões e exigem diferentes soluções. Não só na ilha de São Miguel que, por ser a mais populosa, deve encontrar novas respostas, mas no contexto insular.
Não esquecer que o HDES continua a ser, pelas valências e especialidades que oferece, o maior centro hospitalar dos Açores, onde o maior número de utentes do SRS é atendido.
A problemática da saúde no arquipélago apresenta uma panóplia de problemas que requerem respostas cada vez mais diferenciadas que não se compaginam com as soluções capitalinas.
O desenvolvimento dos cuidados de saúde obriga a uma análise cada vez mais complexa. Aos Centros de Saúde das ilhas sem hospital, não podem ser acometidos cuidados de saúde primários, consultas e exames complementares de diagnóstico, como se no patamar superior estivesse uma estrutura hospitalar bem dotada para suprir as naturais deficiências dos equipamentos e meios humanos existentes.
A continuar assim, continuará a existir utentes do SRS de primeira e de segunda.
A recente inauguração do Centro de Saúde do Corvo, dotado com 2 médicos, 3 enfermeiros, modernos equipamentos para exames de ecografia, radiologia, medicina oral, fisioterapia e, segundo o Presidente do Governo,“ o melhor que há, num percurso de um hospital digital”, para teleconsultas e acompanhamento de especialidades, evitando deslocações a médicos especialistas é um bom, mas singular exemplo.
Para uma população com menos de um milhar de pessoas, aqueles são meios necessários e relevantes. Idênticos aos que deveriam ser disponibilizados também nos Centros de Saúde de ilhas sem hospital e com muito mais habitantes. De contrário, questiona-se a justiça e a equidade das políticas de saúde que devem tratar todos por igual.
Há imenso tempo, as populações do concelho das Lajes do Pico vêem-se privadas de um Centro de Saúde condigno. O atual funciona nas antigas instalações da Escola Secundária, cujas fundações foram consideradas em avançado estado de degradação e perigosidade devido à proximidade com a orla costeira.
A construção do novo Centro de Saúde arrasta-se há demasiado tempo. O Município disponibilizou os terrenos do antigo matadouro da Propico. Há, porém, quem afirme que o terreno acidentado compromete a construção de um edifício adequado aos cuidados de saúde, pelo que outros espaços na própria Vila ou em terrenos agrícolas na entrada leste, seriam opções mais acertadas.
Seja como for, o problema não pode arrastar-se por mais tempo. Os cuidados de saúde são essenciais e de imprevisível urgência.
O mais antigo concelho da ilha – o primeiro onde foi construido um centro de Saúde pela Santa Casa da Misericórdia das Lajes -, merece instalações condignas, equipamentos modernos e eficazes para que os profissionais de saúde respondam às situações que a população enfrenta.
Ao contrário do que acontece no concelho da Madalena, o Hospital da Horta não fica ali em frente, do outro lado do canal. Da ponta leste da Ilha do Pico à outra fronteira distam quase 60 quilómetros, por estrada tortuosa e perigosa, com ravinas e bermas instáveis que não avisam quando desabam sobre a estrada. Mais um problema a que não se dá a devida importância!…
Tudo isto se passa sob o olhar atento da “Montanha do meu destino”, poema de José Enes, que vale sempre a pena recordar, sobretudo por quem olha a sua Ilha com a inveterada ânsia de melhorar o que há tanto tempo tarda a chegar.

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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