Em que estou a pensar? Que a destruição brutal e incontrolável do planeta consegue ser o ato mais vil desde os primórdios dos tempos.Quando, aqui na Islândia, a apenas 300 quilómetros da Gronelândia, onde não anoitece durante seis meses e onde a escuridão absorve os restantes seis, observo o voo livre e feliz de uma andorinha de bico comprido, as pradarias polvilhadas de cavalos, ovelhas e cabras, o mergulhar silencioso de uma foca, as cascatas altaneiras rodeadas de verde vivo a precipitarem toneladas de água escarpas abaixo, as neves eternas a pintarem de branco montanhas e vales e o maior glaciar do mundo a partir-se todos os dias e a deixar ir os seus pedaços na correnteza dos rios gelados que, quais escombros, vêm acabar os seus dias nas areias da Praia dos Diamantes, a cabeça quase me estala, e o coração também. Mas sei, sabemos, que a resistência nada resolve contra a insensatez do lucro imediato que é mais valorizado do que a sobrevivência a longo prazo. O poder cruel das oligarquias mata todos os dias a suntuosidade das neves, as transparências e o cantar das águas nos ribeiros, o piar incessante das andorinhas que nidificam, o mergulhar feliz da foca, a consistência do humus. Revoltante!
João Gago da Câmara