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“O Declínio do Ocidente”

A obra “O Declínio do Ocidente” já em 1918 apareceu à venda. Parece uma obra acabada de sair do prelo! Oswald Spengler, (1880-1936), tinha então 30 anos, mas a obra deve muito à sua juventude pois já antes da guerra que ironicamente “iria acabar com todas as guerras” estava a preparar o seu trabalho.
O título continua tão actual porque a queda do Ocidente espalha-se como um rastilho na mentalidade atual. Nunca se faria uma previsão de um mundo fraccionado como o que vivemos agora. As ditaduras e imperialismos prosperam através de algum medo e muita manipulação. As massas seguem os limites dos sistemas com uma passividade estranha quando se fala em haver democracia. Um conformismo doentio coloca milhões de seres humanos incapazes de lutar pois a subtileza do Poder corrompido estende-se pelo mundo. Sem falar do retrocesso terrivelmente nocivo que é o papel da mulher ser menosprezado de modo terrível. A manipulação constante e subtil através do consumo do produto escolar é capaz de aniquilar qualquer pensamento fora do sistema. É caso para falar de todo o mundo e ninguém, pois as fronteiras dos direitos humanos são ténues e os sistemas criaram meios de manter as populações consumistas das ideologias invisíveis que nos manietam o pensamento. O declínio do Ocidente tem sido muito lento, mas cada vez mais o pensamento único consegue manipular as pessoas, cujo pensamento crítico é perfeitamente manipulado a problemas insignificantes dado a forma imperceptível das ditaduras adaptadas aos novos tempos e tecnologias espalhados pelo mundo inteiro.
O êxito estrondoso desta obra deve-se em parte ao período da publicação. Encerraria um sentido muito mais profundo. Trata-se de uma obra de filosofia da história que condensa ideias pessoais e alheias marcadas por uma capacidade única de cativar o público, assim afirmava o tradutor e filósofo Ortega y Gasset.
Os factos, “ a pele da História”, não são tratados como os historiadores preferem. O tratamento original, do que Spengler entende por história, é também algo filosófico, orgânico e biológico original. É com interrogações proféticas que Spengler fala da existência da história. “História é a forma pela qual a sua imaginação [do historiador] procura compreender a existência viva do universo em relação a sua própria vida, emprestando-lhe assim uma realidade mais profunda. Será o homem capaz de construir essas formas?” [tradução nossa]
Os acontecimentos têm um cunho vital que os insere num contexto mais vasto, ao qual as datas são alheias? As interrogações, que muito seriamente o autor levanta, referem-se a um passado e a factos que quase todos os historiadores aceitam sem relutância como reais quando foram fabricados mesmo na época a que se referem. O sentido histórico não existe sem ser espelho de um presente de que ignoramos a força. A História é um diamante facetado com luzes e sombras em cada época. Somos engolidos por florestas de factos e ideologias que habilmente todos os sistemas usam na educação. Através da máquina devorante da “escola” nenhum adulto consegue ver para além da cortina dos factos que nos dão a conhecer. As ditaduras mais fortes talvez sejam as que cantam em uníssono a liberdade.
“A ciência ”, disse Galileu numa passagem famosa do seu “Saggiatore”, “está escrita na língua matemática no grande livro da natureza. Ainda esperamos o filósofo que responda a estas perguntas: “Em que língua está escrita a história? Como lê-la?”
Spengler confessa que tinha a obra preparada, bem antes da grande guerra, e que a sua organização levou três anos. Em 1912 já decidira o seu título e, com o seu estilo profético, a obra está carregada de exemplificações dos enganos de governantes que se identificaram com exemplos de heróis do passado. Esse fascínio por uma figura histórica, com a qual se querem identificar, muito contribuiu para acções bem nocivas para os povos. Tal facto não é anedótico e tem muito a ver com uma falsa continuidade para conduzir o futuro. A admiração de um governante por um grande herói, seja ele o lendário Alexandre, César ou Carlos Magno, nada de bom pode trazer quando o sentido histórico tenta cimentar o futuro remetendo para glórias do passado. Veja-se o imperialismo russo ou outros menos visíveis.
Spengler não podia deixar de estar fortemente influenciado pela atmosfera desoladora da guerra e seus efeitos e nunca a sua obra podia perder o tom do anúncio de um declínio que se realizava diante dos seus olhos. O ambiente cria um cenário para pensar nos factos do passado de certo modo conducentes ao presente.
O problema agrava-se ao ver na história alguma semelhança com a natureza e as suas leis. A descoberta de leis que se pudessem aplicar para sempre aos factos do passado tornariam a história uma ciência de inegável rigor. Porém as causas divergem quando o historiador investiga e as consequências são as que deseja ver e entre os acontecimentos que escolhem.

Cada época tem o seu tempo histórico.
Ainda recorrendo a Spengler: “Basta falar de uma data para se como se manipula causas e consequências a partir desses factos. Uns verão a comuna de Paris, outros os pogroms dos judeus na Rússia. (…) Petrarca – que foi o primeiro arqueólogo apaixonado — a arqueologia é uma expressão do sentimento de que a história se repete — pensava em Cícero ao pensar em si mesmo; e, não faz muito tempo, Cecil Rodes, o organizador da África inglesa do Sul, que possuía na sua biblioteca as antigas biografias dos césares, traduzidas expressamente para si, pensava no imperador Adriano, ao pensar em si mesmo. A desgraça de Carlos XII de Suécia foi que, desde muito jovem, usou no bolso a Vida de Alexandre, por Curcio Rufo, e quis imita-lo.”
Indo mais atrás, é no mito que mergulha a história. Os Poderosos acabam por se convencer da sua origem divina. Já a forma de pensar na antiguidade se relaciona com as lenda e mitos e até César considerava que a sua ascendência vinha de Vénus, o que hoje nos deixa perplexos mas, pelo menos para César não era uma ideia absurda.
Tal como prudentemente se nota, é muito complexo ter uma noção clara das distâncias e assim com estas distâncias no tempo que nos separam tanto do pensamento na Antiguidade como também de Spengler.
É impossível reviver esses estados de alma, devido a teremos uma outra consciência da realidade. De modo algum, se pode imaginar recriar a mentalidade de outras épocas. A interpretação do observador dos factos passados implica uma dupla subjetividade que não se pode vencer.
A obra deste singular autor procurava o que ainda ninguém intentara segundo ele mesmo escreve: “O universo como história, compreendido, intuído, elaborado em oposição ao universo como natureza!” Este é um novo aspeto da existência humana, cuja aplicação prática e teórica não foi nunca feita até hoje. E, ainda que talvez pressentido e por vezes suspeitado, nunca se arriscou nada a precisá-la com todas as suas consequências.” Colhido de Hegel, a noção do devir histórico, remete para ciclos biológicos, ligando à filosofia da Natureza, o desenvolvimento dos povos. O paralelismo entre a biologia e a história explica-se pelo contexto científico da época. De um modo singular, há um certo darwinismo evolucionista que mostra a força das ideias que cada época enaltece.
A História não se repete. Apenas as transformações que vemos multiplicam-se por muitos factores e o historiador não aceita a todos. A sua escolha determinada pelas suas circunstâncias rouba-lhe a realidade.

Lúcia Simas

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