Dos emigrantes eslavos que nestas últimas décadas usaram para sobreviver nas colheitas, dizem-me que os ucranianos são os mais voluntariosos, já se foram os romenos de triste memória e vieram os búlgaros, igualmente uma desgraça. Portugueses nem vê-los. Pastores que tantos havia, nem um só vi nestas terras imensas onde o gado era preciso para comer as ervas e evitar incêndios, abrindo vias de limpeza entre olivais, sobreiros e castanheiros, etc.
Os quatro turistas ingleses, do norte rural da Grã-Bretanha, com quem falei aqui na Quinta, foram-se ao fim da manhã mas já cá tinham estado antes, deixando de ir ao Algarve para virem aqui e até trouxeram outro casal este ano.
A quinta ficou mais silenciosa ainda e da aldeia não chegam vozes nem ruídos, nem mesmo dos trabalhadores que estão a renovar um casebre doutros primos, lá embaixo, junto ao portão de entrada da Quinta para quem vem da igreja. Ontem faziam muito barulho, a martelar, hoje apenas anda lá um homem nas obras, mas é um rapaz “discreto” e trabalha silenciosamente.
A minha prima, dona disto, de manhã ao mostrar-me a minha parte da Quinta das Feiticeiras, apanhou uma centena de laranjas, maduras e sumarentas, que mais ninguém vai apanhar e futuros hóspedes daqui irão usufruir.
Apesar da idade (é mais nova um ano do que eu) ela não parou um minuto, a cozinhar, limpar, fazer o almoço, preparar o jantar, descascar batatas, fazer sobremesas e outras comidas. Comentei que a ética de trabalho da nossa geração é bem mais intensa do que a dos mais jovens, nossos descendentes, como constatei aqui e noutras instâncias.
O barulho nas obras ao fundo da quinta aumentou e descortinou, daqui de cima, um segundo vulto, mas pela lentidão com que trabalham, e com a minha habitual ironia satírica, interrogo-me se não serão meus conterrâneos açorianos…
A temperatura era de 12 ºC esta manhã, subiu para 16 ºC ao pequeno-almoço e atinge agora 24 ºC, e o vento forte desta manhã já amainou. O suave zumbido do míni frigorífico quase abafa o cântico de pássaros cuja voz desconheço.
De manhã vi uma enorme ave de rapina e disseram-me que era um gavião, bem maior do que as águias-de-asa-redonda dos nossos AÇORES, a que chamam milhafre…
23.00 dia 12/6/2024 Descansei após o almoço com o barulho deste enorme silêncio que me rodeia e me faz imaginar que na aldeia não viva já ninguém, a não ser as memórias da minha juventude e infância. Esta é a minha última noite na Eucísia. Jantei com os primos, mais cedo, pois tinham cá 9 convivas de fora que vinham jantar (eles servem refeições além do turismo rural). Ficamos na cavaqueira, depois de um dia em que a prima Beatriz passou o dia a ajudar o filho e nora nos cozinhados e arrumações.
Depois do almoço desci à aldeia a ver as ruínas da casa onde, em tempos, sonhei terminar os dias. Herdei com mais 3 estas ruínas, que uma viúva de um primo não quer vender e eu sem dinheiro para as reabilitar como sonhei tanta vez.
Depois, fui lá ao alto à capela de São Sebastião (renovado com a fachada de pedra de xisto castanho à vista) de panorama majestoso sobre as serras circundantes, agora recortadas pelo IC5 e outras vias rápidas que pecam por terem chegado com 60 anos de atraso, pois quando aqui havia muita gente (800 pessoas em 1960) e eram precisas as estradas cortadas em finais de 1800, eram em terra batida e pó a rodos.
Hoje temos estradas e outros meios. Gratos devemos estar por elas terem finalmente chegado, mas não temos gente na aldeia, que tem muita casa nova, algumas bem modernas e bem equipadas, diferentes do surto da típica casa de emigrante dos anos 60 e 70 e 80 que proliferavam, as casas tipo “maison” de janelas tipo “fenêtre” como se dizia.
Na minha incursão pela aldeia onde apenas uma pessoa ainda me conhece (e não a vi) vislumbrei 3 almas vivas, duas a conversar junto a uma construção esquisita junto à parte de trás da igreja e outra na parte leste da nossa casa a tentar remendar um problema num trator.
Fui, obviamente, à ancestral Fonte da Grichinha beber água como sempre fiz para me tornar um feiticeiro, como o meu filho mais novo dizia em pequeno. Assim fiz dezenas de vezes sempre que estava na Eucísia. Amanhã de manhã iremos ao Sendimda Ribeira e tenho de estar no aeroporto pelas 18.00 para regressar à minha Atlântida.
13/6/2024 – Saímos de manhã a tomar café em Alfândega em frente ao jardim municipal bem tratado, e conheci mais um primo quarentão que nunca tivera o desprazer de encontrar.
Depois, continuei a minha romagem de saudade até ao Sendim da Ribeira, terra do primo Artur que vive em PDL. A casa dos pais dele está bem pintada, mas abandonada e parece em bom estado embora por dentro continue sem modernices nem confortos. Ainda descobri a “Casa do Alto” (doutras primas e tia) na Rua do Cabeço onde se ficava quando se vinha de burro da Quinta da Bendada para a missa dominical e onde me lembro de nos escondermos debaixo da cama, embrulhados num cobertor de papa, a rezar a Santa Bárbara por conta das perigosas trovoadas secas que ali tonitruavam no verão. Ali cantei no início dos anos 60 para os miúdos da aldeia segundo há anos descobri num apontamento com o nome das musiquinhas interpretadas…
Depois, a Beatriz quis mostrar-me as ilhas artificiais (“Os Lagos do Sabor”) criadas pela nova barragem do Sabor em Santo Antão da Barca (uma monstruosidade de Santuário) cuja capela foi desmontada e levada, pedra a pedra, para o novo local lá em cima. Excelente local para ter um restaurante e uma majestosidade inútil este Santuário usado apenas uma vez ao ano.
A barragem fez submergir a velhinha Ponte de Remondes na rota do Mogadouro e onde o meu avô nunca descansava, sem nos levar em piquenique, apesar de não haver sombras nem outras razões que justificassem ir ali.
Seguimos rumo a Vila Real onde almoçamos em pleno feriado de santo António, ali celebrado e na mesa ao lado o Ascenso Simões, candidato eterno do PS por Vila Real.
No Porto, fui ver a casa onde a minha mãe habitou por mais de 60 anos, fui ver o nosso apartamento, vendido há 2 anos em Santa Luzia, Prelada (Monte dos Burgos) e atualizei -me comas inovações de hipermercados nas redondezas.
Nesse fim de tarde regressei a casa, i.e. aos Açores onde vivo e conto morrer, satisfeito pela saída, pela viagem, pelas memórias revividas e recuperadas e apenas lamentei que a minha mulher Helena (a Nini) não estivesse comigo, como sempre esteve, para ter feito esta viagem como a congeminámos, neste regresso às origens numa aldeia quase deserta …
Chrys Chrystello*
*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713