“Este ano, só na esquadra de Ponta Delgada, e até 30 de Junho, tinham dado entrada 1521 participações com queixa formalizada.
Em S. Miguel no ano de 2023 foram julgados cerca de 1700 processos crime.”
Quando o sol aparece o convite à praia é inevitável.
Domingo, 14 de Julho, dia de sol na costa sul, temperatura excelente para a praia.
Com as praias de S. Roque, Milícias e Pópulo interditadas devido à deteção de bactérias na água, a ida às restantes praias da costa sul desde a Caloura até à Ribeira Quente foram uma autêntica romaria.
Com mais ou menos dificuldade o trânsito fluiu normalmente.
Por volta das 16 horas chegamos à Praia de Água D’Alto.
Com o estacionamento disponível completamente lotado, não restou outra alternativa que não o estacionamento entre a Prainha e a Praia de Água D’ Alto em fila em cima do passeio de modo a que o trânsito pudesse fazer-se em ambos os sentidos sem quaisquer constrangimentos.
Felizmente que em grande parte o passeio é largo permitindo que entre o murete e o estacionamento os peões (pouquíssimos, diga-se de passagem) pudessem andar entre os carros e o murete do passeio.
Tudo pacífico e sem quaisquer incidentes.
Entretanto, o Sol aquecia e os banhistas felizes aproveitavam para se refrescarem nas águas calmas e amenas, tudo envolvido numa paisagem de sonho paradisíaca.
O pior, porém, estava para vir.
Com efeito, por volta das 18 horas, enquanto os banhistas disfrutavam, a PSP decidia num espírito verdadeiramente messiânico autuar todas as viaturas estacionadas não por estorvarem o trânsito, mas quiçá por mero prazer e capricho de lhes estragar o dia.
E tanta era a satisfação que sendo o montante mínimo da coima prevista para o estacionamento em cima do passeio de 30,00 €, resolveram aplicar a coima de …, 60,00 €, como se os peões estivessem impossibilitados de utilização do passeio, o que de modo algum correspondia à verdade.
Tendo-me deslocado ao posto da PSP de Vila Franca do Campo no dia seguinte, por volta das 19 horas, deparei-me, com estupefação, com o posto fechado.
Mais estupefato fiquei quando na vinda para Ponta Delgada, encontro a viatura da PSP estacionada em sentido contrário ao da faixa de rodagem junto à entrada para o Hotel Pestana em mais uma autuação das viaturas…
Era mais importante que a esquadra aberta…
Não é o valor da coima que nos move a escrever estas linhas.
É a atitude, a prepotência, arrogância e principalmente a falta de bom senso, sensatez e humanismo, numa zona em que além do mais o estacionamento existente é manifestamente insuficiente para o número de utilizadores das praias.
Não havia conflito. Tudo estava calmo e sereno.
A atuação da polícia só se justifica para prevenir, estabelecer e restabelecer a ordem, e até para regular o trânsito, como aconteceu antes da nossa chegada à praia.
É essa falta de bom senso, humildade e compreensão que gera muitas vezes a revolta dos cidadãos, fazendo com que um dia que tinha tudo para ser maravilhoso terminasse contrariado por um verdadeiro abuso de autoridade para satisfação dos agentes autuantes e dos cofres do estado.
Se não fosse assim, porque é que a PSP em vez de multar não estava presente para impedir o estacionamento, quando até estivera e muito bem no turno anterior a regular a circulação automóvel antes da mudança de turno.
Já chamáramos a atenção para situação semelhante na praia dos Moinhos no Porto Formoso.
Infelizmente o mesmo se passa, ao que nos contam, nas Furnas, Povoação, Nordeste…
É o estacionamento e o “considerado” excesso de velocidade em zonas em que a velocidade é propositada e abruptamente imposta para permitir a “infração”.
É a multa fácil.
É a velha máxima, forte com os fracos e fraco com os fortes.
É que, infelizmente, e a contrastar com esse abuso de autoridade, e essa devia ser a preocupação e o foco, é o aumento da criminalidade nos Açores com 9.788 crimes registados em 2023, um terço dos quais no concelho de Ponta Delgada (3.188).
Este ano, só na esquadra de Ponta Delgada, e até 30 de Junho, tinham dado entrada 1521 participações com queixa formalizada.
Em S. Miguel no ano de 2023 foram julgados cerca de 1700 processos crime.
Se os agentes tão dedicados à multa rodoviária tivessem a mesma produtividade na prevenção criminal provavelmente muitas das ocorrências nunca teriam acontecido ou aconteceriam.
O número é tão elevado que a nossa cadeia não comporta tanto recluso e há que exportar para outras. Ainda a semana transata foram só mais 32…
Há algum tempo atrás um agente da judiciária dizia-me que era fácil acabar com a droga em S. Miguel por ser uma ilha, mas que se o fizessem os agentes arriscavam-se a serem considerados como não necessários…
O facto é que por causa disso dezenas de famílias são destroçadas e jovens válidos, e de quem a família e a sociedade muito esperavam, veem-se com as vidas completamente arruinadas e sem quaisquer horizontes.
O Estado gasta milhões com os presos, e com tudo o que estes envolvem desde as instalações, os recursos humanos afetos (guardas, pessoal de secretariado, assistentes sociais, funcionários judiciais, magistrados do Ministério Público, Juízes afetos à área criminal…)
E se é verdade que há agentes a quem infelizmente falta maturidade, princípios, valores e bom senso, também os há (e felizmente a grande maioria) conscientes da sua missão e responsabilidade social.
Dois exemplos para reflexão:
Dois agentes ao abordarem um cidadão por infração estradal verificaram que este não tinha pagos o imposto de circulação e o seguro.
Em vez de autuarem, apreenderam a viatura e deram-lhe um prazo de 24 horas para regularizar a situação, o que o automobilista reconhecido acatou.
Ganhou o cidadão, ganhou o estado, ganhou o bom senso e o espírito de serviço e prevenção que deve nortear a missão da polícia.
Se ao invés, os agentes tivessem optado pelas coimas o imposto estaria por pagar, o carro sem seguro e o cidadão com a vida estragada…
Mais que autuação repressiva, a PSP tem que ter um papel preventivo e fundamentalmente de bom senso.
Tive o privilégio de há 4 anos ter conhecido um agente da PSP aposentado das Caldas da Rainha.
Um ser humano incrível, infelizmente precocemente falecido numa queda de bicicleta de BTT, desporto de que era apaixonado.
Dizia-me com orgulho que em 40 anos de polícia nunca autuara ninguém.
Todos o admiravam, respeitavam e estimavam.
No seu funeral ninguém quis ficar de fora.
Mais de 2000 pessoas…
Um exemplo!
O estado português não é um estado de polícia.
É um estado de direito democrático baseado nos valores do respeito, justiça e solidariedade.
Eduardo Medeiros*
*Advogado